Os escolhidos que não têm currículo para debater proteção de dados ou representatividade de classe

O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), que já conta com dois militares na diretoria da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), agora emplacou outros dois coronéis no Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD). Que estão mais para atividades de “inteligência” do que a proteção de dados.

No caso dos diretores da ANPD, ambos têm espacialização em áreas como Segurança da Informação. Já os coronéis Adriano de Souza Azevedo e José Placidio Matias dos Santos, não aparentam terem alguma intimidade com o assunto. Seus currículos achados na Internet não atestam que já tenham atuado alguma vez nessa área ou em outra que seja correlata.

No entanto, no ramo da “arapongagem”, o coronel Adriano de Souza Azevedo já teve experiência no GSI. Segundo o jornal O Estado de São Paulo, ele participou, por exemplo, da “missão” da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que monitorou participantes da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP 25), realizada em Madri, em dezembro de 2019.

O próprio general Heleno, Chefe do GSI, publicou no Twitter que espionou “maus brasileiros”, que ele e o Governo Bolsonaro entendem serem prejudiciais ao discurso da proteção do clima no Brasil. “Temas estratégicos devem ser acompanhados por servidores qualificados, sobretudo quando envolvem campanhas internacionais sórdidas e mentirosas, apoiadas por maus brasileiros, com objetivo de prejudicar o Brasil”, escreveu o ministro. “A Abin é instituição de Estado e continuará cumprindo seu dever em eventos, no Brasil e no exterior.”

O coronel Adriano fez parte desse grupo formado por quatro “agentes secretos”, na qualidade de “assessor de confiança” do general Heleno. Na época o coronel ocupava o cargo de assessor de Planejamento e Assuntos Estratégicos do GSI.

Já o coronel José Plácido Matias dos Santos, sabe-se menos ainda sobre suas experiências seja na área de Segurança da Informação ou Proteção de Dados. Na Internet tem apenas uma menção de que cursou a Escola de Comando do Estado Maior do Exercito, em 2006, quando teria feito “Mestrado” em um “Curso de Altos Estudos Militares”. E foi orientado numa dissertação de Mestrado na qual ele escreveu sobre “a importância da cooptação de elementos civis, especialmente ex-militares, desde os tempos de paz, como potenciais integrantes das redes de inteligência na estratégia de resistência”.

Representatividade

Há ainda o peculiar caso da Advogada, Patrícia Peck Pinheiro, que do ponto de vista de conhecimento técnico e preparo para debater proteção de dados, não há reparos a fazer. A advogada milita há anos no debate público sobre segurança da informação, crimes cibernéticos, etc. Porém sua participação no Conselho Nacional de Proteção de Dados é questionável sob a ótica da representatividade. Ela vai defender o debate em nome de quem?

Patrícia tentou a vaga em três categorias e ganhou na menos provável delas: a de Entidades Representativas do Setor Laboral. Disputou a participação no CNPD como representante da ANAPRI- Associação Nacional dos Profissionais de Relações Internacionais.

E acabou ganhando na preferência, de uma relação de representantes sindicais de entidades como a Força Sindical; ABEPH- Associação Brasileira das Entidades Portuárias e Hidroviárias; SINAGÊNCIAS- Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação; SINTHORESP- Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis, Apart Hotéis, Motéis, Flats, etc; além do CRA-DF- Conselho Regional de Administração.

Os critérios de escolha dos primeiros integrantes do Conselho Nacional de Proteção de Dados não foram claros e deixam margens para dúvidas. Por exemplo, por que foi vetado o representante da Proteste, que vem protagonizando um papel importante para a defesa do consumidor no Brasil? Ou por que foi escolhido o representante do Conselho Federal da OAB para uma organismo que já conta com inúmeros advogados? A própria Patrícia Peck também estava representando a OAB-SP.

No processo de escolha verifica-se até alguns “penetras” em áreas que não deveriam estar representando. Pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, por exemplo, ao invés de ter sido escolhido um legítimo representante da sociedade civil, quem levou a vaga foi Marcio Nobre Migon, que vem a ser assessor do ministro astronauta Marcos Pontes. O que eleva a voz do governo, que já é grande.

Enfim, saiu o tão esperado Conselho Nacional de Proteção de Dados. Resta saber o que fará e que rumos tomará, quando forem discutir temas tão importantes para o cidadão brasileiro, ainda não acostumado com a proteção dos seus dados. Se resta algum consolo, pelo menos o candidato do Facebook dançou, o que não deixa de ser uma luz no fim do túnel.

*Salve-se quem puder.