Colcha de Retalhos

Por Jeovani Salomão*  Na minha tenra infância, costumava passar a maior parte das férias acompanhando meu pai, seu José Miguel Salomão (96), em sua oficina de consertos de eletrodomésticos. Íamos da nossa casa para o trabalho ora de carro ora de ônibus, levando a marmita feita por minha mãe que era deliciosamente devorada no almoço.

Meu pai, um apreciador de música caipira, passava com frequência em um local utilizado como palco por um sanfoneiro cego. Ele adorava muitas canções, mas a interpretação do artista mais apreciada por ele era “Colcha de Retalhos”, de autoria de Raul Torres, um dos grandes compositores do estilo musical. A letra associa o título a uma vida pobre, onde os protagonistas reúnem trapos para fazer uma colcha que vai protegê-los do frio. A amada, no entanto, consegue um outro companheiro, mais abonado, e passa a se utilizar de um material mais nobre: o cetim. A melodia nunca me saiu da cabeça.

O termo “colcha de retalhos” é utilizado, além é claro do significado original, para algo construído  com várias coisas diferentes, normalmente, não harmoniosas e não planejadas. Remete a ideia de improvisação, de gambiarra, de arranjos descoordenados e impensados. Uma mistura feita de última hora para resolver de maneira provisória, paliativa, algum problema ou objetivo que merecia uma atenção mais cuidadosa.

Os jogos olímpicos, que se encerraram neste final de semana, trouxeram para o Brasil o melhor resultado histórico em número de medalhas, bem como a sua melhor colocação histórica: 12º lugar, com 7 ouros, 6 pratas e 8 bronzes. Apesar da alegria pelas conquistas e a emoção que aflora nos momentos decisivos, infelizmente não estamos nos deparando com uma evolução consistente do esporte no país. A equipe verde-amarela é uma verdadeira colcha de retalhos, composta de pessoas maravilhosas, batalhadores incansáveis, atletas extraordinários, heróis desconhecidos, mas isto é o melhor que se pode falar. Não são fruto de uma política de estado planejada, cujo objetivo deveria ser o aprimoramento constante e a busca de resultados consistentes.

O esporte, por si só, já é de alta relevância social. Tanto pelos aspectos da saúde, do lazer, da integração, quanto pelos ensinamentos de dedicação, concentração, desempenho e busca pela vitória. Deveria ser, no nosso país, um forte pilar de educação, organizado para ser inclusivo, integrador e, ao mesmo tempo, competitivo.

Quando se trata das Olimpíadas, o esporte ganha seu ápice de relevância. A atenção do mundo inteiro se volta para a entrega dos atletas, para a superação, para a mais pura emoção de patriotismo, mas também de admiração pelos gestos nobres que representam o ponto mais alto do espírito olímpico. Nada melhor que ouvir nosso hino enquanto vemos nossos atletas recebendo uma medalha dourada.

Não é para menos, o momento glorifica meninos, veja nossa “fadinha” – Rayssa Leal de apenas 13 anos, prata no skate, e, também, personalidades reconhecidas mundialmente, já extremamente bem-sucedidas, como Daniel Alves (38), ouro no futebol masculino. Coloca no palco, e depois no pódio, pessoas de todas as raças, crenças e culturas. Altos, baixos, esbeltos, robustos, magros e gordos. Não há discriminação que supere o melhor desempenho. A medalha vai para o peito daqueles com a performance superior.

Vários países já compreenderam a importância do evento como mensagem de propaganda e endomarketing. Não é atoa que, por exemplo, os Estados Unidos, em sua mídia interna, subverteram a regra de classificação do COI – Comitê Olímpico Internacional, que classifica os competidores pelo número de medalhas de ouro, e colocou a si próprio na frente da China considerando o número total de medalhas, quando estava perdendo no critério original. No último dia das competições, conseguiram chegar ao topo mesmo no quesito correto, proporcionando uma virada emocionante que nunca será apreciada pelos seus cidadãos, os quais já acreditam estar ganhando.

Políticas  de estado são as únicas capazes de tratar problemas como o de transformar o Brasil em potência olímpica ou organizar setores econômicos inteiros. É o caso da agricultura. Temos condições propícias para produzir, como amplitude territorial, clima e terras de boa qualidade, mas apenas isso é insuficiente. Para chegarmos no padrão atual, batendo recordes de produção de grãos a cada ano, foi preciso um movimento conjunto de longo prazo. As pesquisas, o zoneamento agrícola, o atendimento ao produtor rural e a informatização das lavouras nos permitem produzir mais por hectare que os Estados Unidos (3,517 Kg/ha x 3,379 Kg/há, segundo dados da Embrapa de 2021).

Em menor escala, conseguimos resultados localizados no setor de tecnologia da informação, especificamente em cidades que organizaram seu ecossistema (governo, empresas e academia) independente da política do momento, como é o caso de Florianópolis e Recife. Infelizmente, o caso de Brasília, que excluiu as empresas do projeto do BIOTIC, demonstra, com seu fraquíssimo desempenho, que não podemos nos submeter aos sabores momentâneos da política.

Espero que a compreensão da necessidade de pensar no longo prazo no Brasil, e deixar de lado desavenças pontuais político-partidárias, seja incorporada pelos nossos governantes. Assim, o exemplo da agricultura poderá ser seguido por outras áreas, proporcionando mais alegrias nas próximas Olimpíadas, mas principalmente o desenvolvimento pleno de setores econômicos relevantes para o país, como o de tecnologia da informação.

*Jeovani Salomão é fundador e presidente do Conselho de Administração da Memora Processos SA e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.