Por Evandro Oliveira* – Estamos experimentando uma revolução dentro da revolução informacional, onde em menos de um ano, novas tecnologias aparecem e causam furor. Entretanto, não falaremos destas evoluções e novidades neste texto, abordaremos sobre os humanos que sobreviverão no comando das redes. Falaremos, portanto, de uma profissão que vai sobreviver e dominar muitas outras: O capataz digital. Em outras palavras, trataremos daquele que vai receber um bom dinheiro de ricaços como Musk, Mark e outros para tomar conta de espaços digitais.
Na área de conhecimento denominada Tecnologia da Informação ( TI ) existem ciclos de evolução e transformação. Alan Turing, desde 1950, fazia previsões de evolução para 50 anos depois, na virada do Século XX para o Século XXI. Certamente, o gênio inglês errou em muitas das suas previsões, tinha este direito. Em meados dos anos 1960, Gordon Moore estimou que os circuitos eletrônicos dobrariam de capacidade a cada dois anos. Antes que os computadores pessoais (PCs) ganhassem o mundo a Lei de Moore já indicava que 18 meses era um ciclo factível.
Liga da Justiça
Pouco mais de um ano atrás, publiquei um texto sobre o documentário “Coded Bias” (1). Certamente, documentários e textos que não sejam sinopses atraem poucos leitores. Desse modo, não me surpreendi com a baixa repercussão e com o pouco avanço das ideias.
Em suma, “Coded Bias” é um documentário que, a partir de algoritmos de IA, onipresentes nas mais diversas áreas, tiravam “conclusões”. Os resultados destes algoritmos têm a capacidade de perpetuar as desigualdades de raça, classe e gênero existentes na sociedade. Assim sendo, naquele momento o que não apresentava uma definição clara, um ano depois mostra as suas garras. Desta forma, quem pensa que Elon Musk. Zuckerberg e outros vigiam você, está enganado, eles pagam profissionais para serem um capataz digital.
Claro que a Liga da Justiça Algorítmica que poderia ajudar nas injustiças do capataz digital e seu senhor, está à serviço de quem paga mais.
Naquele momento, não deram atenção, como no poema “No caminho com Maiakóvski“, e quando você acordar para a realidade será tarde demais.
Capataz Digital
Surpreendentemente, muitas profissões estão sendo extintas com o avanço de IA e outras tecnologias e plataformas. As Big Techs, estão promovendo, após a pandemia, demissões em massa ( Musk e Zuck à frente de todos ). Algumas plataformas de aplicativos de entrega, por exemplo, estão saindo de circulação ou mudando de país. Os governos estão utilizando plataformas digitais cada vez mais autônomas e gerenciadas por parceiros (partners) privados.
A questão, durante muito tempo, foi em relação à segurança e “quem vigia o vigia“. Agora as grandes empresas de tecnologia e plataformas dos mais variados assuntos e especialidades estão com seus especialistas em moderação. Em outras palavras, o capataz digital está no comando.
Privacidade e Fake News
O debate ampliou-se no último ano, sobretudo pelas eleições nacionais no Brasil. O que era uma arma nas mãos de propagadores de mentiras em 2018, explodiu em 2022. Embora os condutores das eleições tenham dito que não permitiriam abusos, o que constatamos são os abusos ainda maiores. Desse modo, começam as teorias de mudar o Marco Civil, aplicar multas por fake news e ampliar a atuação da LGPD. Enfim, o arcabouço legal é suficiente, mas a capacidade de entendimento e ações operacionais de auditoria e fiscalização está uns vinte anos atrasada.
O debate ideológico, após as eleições, está no campo da regulação e ideais, e muito distante da tecnologia e conteúdo de interesse comercial. De um lado os que são contrários a qualquer tipo de regulação e controle. Outro grupo acredita ser possível a regulação através de instâncias com a participação da sociedade civil. Por outro lado, existem aqueles que acreditam na legislação, o suficiente para defender a autorregulação.
Em qualquer uma das três opções haverá sempre um capataz digital, com seu algoritmo de IA fazendo o que bem entender ou serem mandados a fazer.
Plataformas Livres
A princípio, as plataformas, provedores de Internet e similares são livres para fazerem o que quiserem. As suspensões e advertências aplicadas pelo STF, por exemplo, ficaram limitadas a questões eleitorais, na maioria dos casos. Algumas condenações são atípicas e possibilitaram leis de maneira tímida e específica.
Por outro lado, uma grande massa de pessoas vêm sendo bombardeada com ilegalidades e não tem como reagir.
Podemos citar o caso das concessionárias de telefonia que vendem cadastros com telefones para empresas de cobrança ou aquelas que oferecem empréstimo consignado. É provável que algumas pessoas ou pequenos grupos recebam alguma indenização pela importunação. Com toda a certeza, indivíduos, como é meu caso, não terão oportunidade de receber nenhum ressarcimento pela afronta que sofremos.
Por trás desta cadeia de oportunistas, existem capatazes digitais manipulando computadores para fazerem a primeira ligação. Não existe Liga da Justiça Algorítmica que nos salve.
Plataformas profissionais
O tratamento que o cidadão comum recebe é muito ruim. Aposentados, pensionistas e outros cidadãos, verdadeiramente de bem, estão à mercê da sorte no mundo digital. Se sofremos algum golpe virtual, com PIX, por exemplo, nenhum dos bancos (emissor e receptor) se responsabilizam. O criminoso virtual, com toda a certeza, teve apoio num dos bancos para abrir uma conta. E algum capataz digital aprovou a ficha do cidadão-criminoso no banco em troca de algum serviço ou pontuação de produtividade.
A situação fica pior quando chega em plataformas profissionais que nada tem a ver com transações em dinheiro. Cito, por exemplo, o LinkedIn que deveria ser uma plataforma de oportunidades de emprego e relacionamento profissional. Entretanto, a plataforma permitiu que o assunto política tomasse conta da pior forma possível.
Desse modo, qualquer pessoa que paga a plataforma, não importa se o perfil é falso ou não tem prerrogativas. Inclusive de denunciar quem eles não querem ver refutando questões políticas ou polemizando questões de economia.
Seja no LinkedIn, Twitter ou qualquer outra plataforma, o “Influencer“, “Top Voice” tem preferência e não pode sofrer questionamento. Embora seja compreensível que os capatazes da plataforma protejam aqueles que pagam, os mecanismos de equilíbrio e de justiça não funcionam.
Inquestionavelmente, se não funcionam indivíduo a indivíduo, como será possível controlar grupos ou setores de interesse?
Certamente, eles bancarão financeiramente para ter seus perfis e de seus profissionais remunerados “no ar”?
O capataz digital é um profissional protegido ao extremo por quem lhe paga regiamente. Esconde-se atrás das “políticas” que toda plataforma obriga o usuário a assinar, não tem seu nome verdadeiro divulgado, não tem seu e-mail profissional acessível. E nem adianta reclamar pois canais de reclamação e e-mails de abuse@nome-de-dominio são inúteis.
Dizem por aí, que para cada rede social existe um pecado capital associado. Particularmente, acho um grande despropósito associar e fazer analogias entre editorias diferentes como política, futebol, religião e trabalho. O LinkedIn (2) é o representante da soberba nestas redes e fico assustado com a falta de respeito de seus capatazes.
Lucro e ódio
A proposta de regulação da rede para contrapor à disseminação do ódio e a lucratividade na venda de dados pessoais, parece ser boa. Contudo, regular via legislação e não deter tecnologia eficiente, transparente e aberta é inútil.
O caso da MC Pipokinha parece ser um exemplo interessante. A artista andou falando de forma pejorativa, arrogante e estúpida da profissão de professores. Fez inclusive comparações sobre salários dos profissionais da educação e os cachês que ela recebe. Sem entrar no mérito da ignorância da pseudoartista, as plataformas e redes sociais cuidaram de protegê-la. Ou seja, ela tem um capataz digital para afastar haters e aqueles que poderiam diminuir o faturamento e audiência.
As empresas por trás das plataformas, dos apps, portais e afins estão preocupadas com o lucro. Se o ódio aumenta a visibilidade, as taxas de visitação, as curtidas e os lucros, que se alimente o ódio. Sempre “respeitando” a lei ou atribuindo a responsabilidade a alguma “capataz” da vez.
Enfim, parece que nas plataformas e redes sociais o ódio e o lucro estão em vantagem. E, de fato, não existe IA que seja capaz de atuar a favor do cidadão-usuário sob o jugo de capatazes digitais nas trincheiras.
Sem dúvida, os processos de evolução utilizando IA não vão esperar nem seis meses para revolucionar empregos e formas de observar as pessoas.
Qualquer que sejam os caminhos e escolhas, é essencial atentar para a falta de neutralidade dos capatazes digitais. Se não for assim, perderemos de “7 a 1” novamente !
(1) “Coded Bias e a Liga da Justiça Algorítmica“
(2) “Pecados digitais – A soberba“
*Evandro Oliveira – Sociall Br Participações, Empreendimentos e Consultorias Ltda