LGPD: é mais fácil falar com Lula do que os encarregados de proteção dos dados pessoais

Seis anos depois de sancionada a Lei Geral de Proteção de Dados, parte do governo ainda vem descumprindo a legislação. Alguns ministérios não têm uma página com informações sobre os direitos dos titulares e quem é o encarregado de proteção dos dados que o cidadão deve procurar para exigir esse direito. Não há uma padronização para disponibilizar essas informações, cada órgão segue a sua intuição. No geral, a LGPD parece ser uma lei que não pegou no governo, já que os órgãos dão mais valor a divulgar as suas ações nas redes sociais, do que criarem um canal de contato com a população.

A LGPD (Lei nº13.709/18) define no Artigo 41 a obrigação dos controladores, públicos ou privados de indicarem o nome e o contato do responsável pelo tratamento de dados pessoais, “de forma clara e objetiva, preferencialmente no sítio eletrônico do controlador”. E no parágrafo segundo desse artigo são estabelecidas as quatro principais atribuições do DPO:

I – aceitar reclamações e comunicações dos titulares, prestar esclarecimentos e adotar providências;
II – receber comunicações da autoridade nacional e adotar providências;
III – orientar os funcionários e os contratados da entidade a respeito das práticas a serem tomadas em relação à proteção de dados pessoais; e
IV – executar as demais atribuições determinadas pelo controlador ou estabelecidas em normas complementares.

“A autoridade Nacional poderá estabelecer normas complementares sobre a definição e as atribuições do encarregado, inclusive hipóteses de dispensa da necessidade de sua indicação, conforme a natureza e o porte da entidade ou o volume de operações de tratamento de dados”, informa ainda o parágrafo terceiro do Artigo 41 da LGPD.

Isso foi feito, ainda que tardiamente pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), quando foi publicada a Resolução CD/ANPD nº 18, de 16 de julho de 2024. Essa resolução criou o regulamento sobre a atuação do encarregado pelo tratamento de dados pessoais. Há ainda um guia sobre a atuação do encarregado pelo tratamento de dados pessoais, que pouco acrescenta à discussão.

Falhas

A primeira falha constatada pelo blog sobre as informações disponíveis no governo dos encarregados é justamente a falta de uma relação de todos os profissionais designados para essa função dentro do governo federal. Não há em canto algum das páginas oficiais do governo, nem mesmo na da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, um ponto de referência contendo os nomes dos DPOs e como encontrá-los nas páginas dos ministérios. O cidadão é obrigado a entrar página por página para tentar identificá-los, espalhados em links no rodapé delas. Também não há um padrão. Muitos usam o link “LGPD”, outros “Tratamento de Dados Pessoais” e tem ainda “Prestação de Contas” ou “Proteção de Dados”.

Já a segunda falha, na avaliação deste blog, é a forma de contato do cidadão com os DPOs. O canal “Fala BR” é o mais sugerido pelos órgãos públicos, mas entrar nele para buscar as informações não é tarefa fácil, pois não há um link, banner ou botão na página que dedicada à proteção de dados pessoais.

A página foi configurada para um cidadão se comunicar apenas com a Ouvidoria (Externa e Interna) no caso de querer registrar “um pedido de acesso à informação, fazer denúncias, elogios, reclamações, solicitações ou enviar sugestões”, conforme descrito os serviços pela própria plataforma.

O uso apenas da Plataforma Fala.br como meio de comunicação entre o internauta e o encarregado, contraria o previsto no Artigo 9º do regulamento da ANPD sobre a atuação do Encarregado de Proteção de Dados. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados em seu guia que trata da “atuação do encarregado pelo tratamento de dados pessoais“, recomenda que: “as informações de contato deverão abranger, no mínimo, os dados referentes aos meios de comunicação que viabilizem o exercício dos direitos dos titulares junto ao controlador e possibilitem o recebimento de comunicações da ANPD“. (Artigos 40 e 41 da LGPD)

A ANPD considera em seu guia de orientações ser “essencial que os titulares (cidadãos) consigam se comunicar com o encarregado, a fim de buscar seus direitos previstos na LGPD. Além disso, a ANPD precisa ter acesso facilitado a essas informações a fim de subsidiar a sua atuação fiscalizatória”.

E vai além ao informar que: “ainda que o endereço de e-mail ou o telefone sejam as informações de contato frequentemente adotadas, isso não obsta que outras formas sejam utilizadas, desde que garanta uma comunicação efetiva“.

Fale com Lula, deixe seus dados, mas não tentem o DPO

A página oficial da Presidência da República no gov.br (Planalto) não tem um canal de acesso para informações sobre a LGPD ou quem atue como o responsável pelo tratamento dos dados pessoais das pessoas que buscam enviar mensagens para Lula. Mas há uma nítida preocupação em informar as ações diárias do presidente, diversos canais com informações dos órgãos vinculados, mas nada que indique o cumprimento desta lei.

Foi criado o canal “FalePR” na plataforma “Fala Brasil” exclusivamente para o “contato” com o presidente Lula por meio de uma mensagem eletrônica (e-mail). Nesse canal, o cidadão deixa a sua mensagem, que pode ser redigida em português, inglês, francês ou espanhol. Ela será respondida depois pelos funcionários do gabinete pessoal de Lula.

Para encaminhar a mensagem, o cidadão tem de cumprir alguns requisitos.

  1. Preencher o formulário.
  2. Clicar no botão enviar (pela Tecla de Atalho Enter).
  3. Acessar a caixa de mensagens no seu e-mail e seguir as instruções para confirmar ou cancelar a mensagem que enviou.
  4. Só após essa confirmação da mensagem eletrônica é que ela será encaminhada ao Gabinete Pessoal do Presidente da República

No acesso à essa página na plataforma “Fala BR” a pessoa é informada previamente que haverá coleta de suas informações pessoais. O que será feito com elas não é informado, além do fato das mensagens ao presidente ficarem guardadas depois no seu acervo pessoal. Para prosseguir com a mensagem que deseja encaminhar ao presidente Lula, o cidadão tem de manifestar que entendeu que seus dados ficarão registrados no governo. Há dois tipos de encaminhamentos dessas mensagens. As que forem direcionadas diretamente ao presidente seguirão para a equipe do seu gabinete pessoal. Já as que forem denúncias, reclamações elogios ou sugestões para o governo serão destinadas à Ouvidoria da Presidência da República.

O cidadão terá que deixar registrado no banco de dados da Presidência da República uma série de informações pessoais. Nem todas são obrigatórias e nem o governo exige dados como o CPF das pessoas. As informações consideradas obrigatórias são as que tratam do nome, sexo, faixa etária e o e-mail pessoal.

O que pressupõe que depois haverá um tratamento dos dados não obrigatórios (endereço, telefone, cidade, etc) e eles poderão ser descartados. Mas não há informação na página que assegure se este será o procedimento padrão ou não.

Ministérios

A maioria dos ministérios e órgãos federais, cujo titular tem status de ministro, já cumpre em parte a determinação de manter na página oficial da pasta um link de acesso para uma área detinada a informar sobre a LGPD e fornece o nome e contato do Encarregado de Proteção de Dados designado que será o canal de atendimento com o público. Normalmente o link da página direcionada para LGPD e o DPO está na relação dos serviços que dão “Acesso à Informação”.

Apenas nove ministérios cumprem a determinação de disponibilizarem em suas páginas os nomes dos encarregados, assim como um telefone e o e-mail para um eventual contao direto, embora o padrão governamental exige que as demandas sejam encaminhadas pela plataforma “Fala BR”:

Advocacia Geral da União (DPO é o Ouvidor e tem telefone e e-mail)
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (DPO tem telefone e e-mail)
Ministério das Comunicações (DPO tem telefone e e-mail)
Ministério da Justiça e Segurança Pública (DPO é a Secretária de Direitos Digitais, telefone e e-mail)
Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (DPO telefone e e-mail)
Ministério do Planejamento e Orçamento (DPO tem telefone e e-mail)
Ministério da Previdência Social (DPO tem contato por e-mail ou telefone)
Ministério do Trabalho e Emprego (DPO tem e-mail e telefone)
Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (DPO tem telefone e e-mail)

Ministérios com página sobre LGPD e DPO, mas contato somente via “Fala BR”

Banco Central do Brasil (Tem página. Contato do DPO é via e-mail no “fale conosco”)
Casa Civil da Presidência (Tem página. Contato do DPO no Fala BR)
Controladoria Geral da União (Tem página. Contato do DPO é no Fala BR)
Ministério das Cidades (Tem página LGPD e acesso ao DPO é pelo Fala BR)
Ministério da Cultura (Tem página e DPO tem e-mail, mas o contato é no Fala BR)
Ministério da Defesa (Tem página e DPO tem e-mail, mas contato é via Fala BR)
Ministério do Esporte (Tem página bem completa sobre LGPD e DPO tem e-mail. Contato no Fala BR)
Ministério da Fazenda (Tem página e DPO. Contato pelo Fala BR)
Ministério da Pesca e Aquicultura (Tem página e DPO tem e-mail. Mas acesso é via Fala BR)
Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Tem página e DPO e-mail. Contato é via Fala BR)
Ministério de Minas e Energia (Tem página e DPO. Contato Fala BR)
Ministério da Saúde (Tem página e DPO. Contato só via Fala BR)
Ministério do Turismo (Tem página e DPO. Contato por e-mail)

Ministério da Educação (Tem página e DPO. Contato Fala BR)

*Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (Tem duas páginas sobre LGPD, sendo que uma foi iniciada mas abandonada depois. Na página oficial sobre LGPD consta o DPO, mas o contato não é claro, via Fala BR)

Sem página e nem DPO

Planalto (Não tem página e nem DPO)
Ministério da Igualdade Racial (Não tem página e nem DPO)
Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (Não tem página e nem DPO)
Ministério das Mulheres (Não tem DPO. Página “em construção”, desde novembro de 2023
Ministério de Portos e Aeroportos (Não tem página e nem DPO)
Ministério dos Povos Indígenas (Não tem página e nem DPO)
Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Não tem DPO. Tem página LGPD escondida num “Canal Digital RSC”)
*MRE (Página principal dá acesso à política de proteção de dados, que só informa a portaria e não o DPO)
*Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (Sem DPO, página da LGPD escondida na Ouvioria e só traz informações gerais)
**Ministério do Esporte (Até tem uma página, mas não informa nada sobre LGPD ou o DPO)

Secretarias vinculadas à Presidência da República

*Com status de ministério, mas não trabalham com dados pessoais.

Secretaria de Comunicação Social
Secretaria de Relações Institucionais
Secretaria-Geral da Presidência da República
Secretaria para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul.