Telebrás: As Teles provam do seu próprio veneno

144053.gif* Texto da colega Karla Mendes – Blog da Vida Moderna – que eu reproduzo aqui. Não teria feito melhor do que ela:

“As veias expostas do conflito de interesse”

A reativação da Telebrás acendeu o barril de pólvora de uma questão bastante polêmica, que estava adormecida há tempos no país: o conflito de interesses e o uso de informações privilegiadas por funcionários oriundos de agências reguladoras que passam a ocupar, em prazo relâmpago, importantes cargos de direção de empresas antes “vigiadas” pelos órgãos em que trabalhavam. O estopim para o ressurgimento dessa discussão foi detonado pela Abrafix, associação que representa as operadoras de telefonia fixa.

Em carta encaminhada à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Abrafix questionou o retorno à Telebrás de 179 funcionários que estavam cedidos ao órgão desde a privatização do sistema de telefonia, há 12 anos. Para a entidade, não é justo que pessoas conhecedoras de dados estratégicos do mercado voltem para uma empresa que será forte concorrente no setor. Dentro do governo, diz-se que as empresas privadas provarão do próprio veneno, pois não tiveram o menor pudor em recrutar ex-dirigentes da Anatel para seus quadros, muitos para funções decisivas.

Basta fazer uma busca por executivos de companhias privadas para constatar que vários deles passaram por agências reguladoras. O caso mais recente foi de Jerson Kelman, que, depois da quarentena (de quatro meses) prevista em lei, assumiu a presidência da Light, empresa fiscalizada quando ele era o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) por consecutivos apagões no Rio de Janeiro. No segmento de aviação, o caso mais emblemático é o de Milton Zuanazzi, que deixou a presidência da Anac em meio a um enorme tiroteio contra a agência, foi para uma diretoria da empresa de turismo CVC, mas acabou demitido por pressão de parentes das vítimas do acidente do voo 3054 da Gol.

Consultoria

É no setor de telecomunicações, porém, que a dança das cadeiras é mais comum. Diante das críticas de reincorporação dos funcionários da Telebrás que estão na Anatel, Rogério Santanna, presidente da estatal, lembrou o caso de Fernando Xavier, que era presidente da Telebrás até o momento da privatização do sistema de telefonia e, logo depois, tornou-se comandante da Telefonica. Outro caso destacado por Santanna foi o do atual presidente da Telefonica, Antonio Carlos Valente, ex-conselheiro da Anatel. “Estou estranhando que, agora, quando se trata de técnicos retornam à empresa de origem, surja a acusação de conflito de interesse”, provocou.

Quando não vão direto ao “colo” das empresas privadas, muitos ex-dirigentes de agências reguladoras passam a integrar associações que defendem os interesses das companhias. Foi o que aconteceu com Paulo Pedrosa, ex-diretor da Aneel, que preside a Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel). Também é muito comum que ex-diretores e conselheiros de órgão reguladores criem consultorias que prestam serviço às empresas antes fiscalizadas pelas agências em que trabalhavam. O ex-diretor-geral da Aneel José Mário Abdo e o ex-diretor Eduardo Ellery inauguraram a Abdo, Ellery & Associados. O ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), David Zylberstein, montou a DZ Negócios com Energia. O ex-presidente da Anatel Renato Guerreiro, por sua vez, é dono da Guerreiro Consult.

Quarentena em debate

O trampolim que permite a transição quase que imediata de ex-dirigentes das agências reguladoras para o setor privado é facilitado pela lei, que fixa em quatro meses o período de quarentena que separa a mudança de emprego. Nos Estados Unidos, por exemplo, o período de impedimento em que um diretor ou conselheiro deve ficar de fora do setor privado é de cinco anos. Do 5º ano ao 10º, é permitido que ele dê aulas. Trabalhar em uma empresa antes regulada por ele, só em uma década.

Na visão do professor Márcio Iorio Aranha, coordenador do Grupo de Estudos em Direito das Telecomunicações (Getel) da Universidade de Brasília (UnB), a quarentena de cinco anos é um prazo razoável, mas, devido à dificuldade de se encontrar especialistas no Brasil, o período de dois a três anos seria satisfatório. “Quatro meses não são suficientes para garantir a lisura e a isenção, tanto por parte da pessoa que sai, quanto da pessoa que permanece no trato com quem exercia uma função dominante dentro de uma agência”, sustenta.

Ronaldo Sardenberg, presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), pensa diferente, mas assegura que não se oporia a uma mudança na lei. “Não sou contra que se aumente para um ano ou seis meses o prazo da quarentena. Mas pondero o fato de a nossa ‘comunidade’ ser reduzida. E todo mundo passou por empresa privada, um número de pessoas passou pela Anatel ou por estatais. Pode haver alguma ampliação. Agora, pensar em imitar os Estados Unidos é irreal. São realidades distintas”, disse.

Comigo pode

Veja alguns casos de ex-dirigentes de estatais e de órgãos reguladores que caíram no colo das companhias privadas

Fernando Xavier
Ajudou a privatizar o sistema Telebrás e foi
ser presidente da Telefonica no Brasil

Antonio Carlos Valente
Ex-conselheiro da Anatel, é o atual presidente da Telefonica

Marcos Bafutto
Ex-conselheiro da Anatel, responde hoje pela diretoria de regulamentação da Telefonica

Energia Elétrica

Jerson Kelman
Ex-diretor-geral da Aneel, assumiu a presidência da Light, concessionária do Rio de Janeiro

Luciano Pacheco
Ex-diretor da Aneel, foi para a Duke Energy. Atualmente, é diretor da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace)

Paulo Pedrosa
Ex-diretor da Aneel, é hoje é presidente da Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel)

Aviação Civil

Milton Zuanazzi
Ex-presidente da Anac, assumiu uma diretoria da CVC para a América Latina, mas perdeu o posto diante da reação da Associação de Familiares e Amigos das Vítimas do Voo 3054 da TAM

Venâncio Grossi
Ex-diretor-geral do extinto Departamento de Aviação Civil (DAC), assinou em tempo recorde o início das operações da Gol no país e, depois, virou consultor da companhia aérea

O que diz a lei

Ex-dirigentes de agências reguladoras estão impedidos de exercer atividades ou de prestar qualquer serviço no setor regulado pelo respectivo órgão a que esteve vinculado, por um período de quatro meses, contados da exoneração ou do término do mandato. Durante o impedimento, o ex-dirigente ficará vinculado à agência, recebendo remuneração compensatória equivalente à do cargo que exerceu, incluindo os benefícios. Na hipótese de o ex-dirigente ser servidor público, poderá optar pelo período de impedimento remunerado, retornar às antigas funções ou assumir outro cargo no governo, desde que não haja conflito de interesse. É caracterizado crime de advocacia administrativa, sujeitando-se às penas da lei, violar o impedimento previsto, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, administrativas e civis.