Liberação dos dados de aposentados e pensionistas facilitou escândalos

Os dois escândalos de corrupção que agora povoam as páginas de jornais e o noticiário em geral, que tratam de cobranças indevidas de contribuições sindicais e empréstimos consignados não solicitados por aposentados e pensionistas do INSS – processos que já somam mais de R$ 96 bilhões – foram facilitados em 2019, quando o acesso aos dados financeiros dos beneficiários acabaram franqueados para empresas de marketing e instituições interessadas em fazer publicidade de oferta de empréstimos.

Naquele ano o presidente Jair Bolsonaro sancionou, com vetos, a  Lei 13.846 aprovada pelo Congresso Nacional, resultante da Medida Provisória MP 871/2019, que por ironia tinha o objetivo de “criar um programa de revisão de benefícios do INSS para combate a fraudes”. O Congresso tentou impedir o assédio aos aposentados e pensionistas, mas Bolsonaro vetou um artigo abrindo caminho para acesso aos dados dos beneficiários da Previdência pelas empresas de Marketing e Publicidade, ou qualquer outra que tivesse essa atividade como secundária no ramo que atua no mercado.

O artigo que tentou impedir o acesso aos dados e foi vetado por Bolsonaro, por recomendação do Ministério da Economia e do Banco Central era o 124-E:

“É vedada a transmissão de informações de benefícios e de informações pessoais, trabalhistas e financeiras de segurados e beneficiários do INSS a qualquer pessoa física ou jurídica, diretamente ou por meio de interposta pessoa, física ou jurídica, para a prática de qualquer atividade de marketing, oferta comercial, proposta, publicidade direcionada a beneficiário específico ou qualquer tipo de atividade tendente a convencer o beneficiário do INSS a celebrar contratos e obter captação de clientela.”

Nas “razões do veto” fo explicado que essa proposição da proteção de dados já estava definida na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e que pela Lei Complementar nº 95, o Congresso não poderia disciplinar um mesmo assunto. Além disso, Tanto o Ministério da Economia, quanto o Banco Central, foram contra a proposta legislativa por entender que “o impedimento de realização de oferta de qualquer tipo de crédito pessoal por parte das instituições conveniadas ao INSS, tem o potencial de estimular a divulgação de produtos por instituições não conveniadas, causando um desequilíbrio concorrencial no mercado em ofensa ao princípio da livre iniciativa”, citando neste caso o Artigo 170 da Constituição.

A partir daí, aposentados e pensionistas não tiveram mais paz com o recebimento de inúmeras propostas de empréstimos consignados, sem contar que os seus dados financeiros estavam em toda e qualquer empresa que tenha como atividade Marketing, Publicidade e Propaganda, ou que simplesmente tenha essa atividade como “secundária” no ramo de negócios em que opera.

“Vazamentos”

Outro fato nunca considerado e que sempre chamou a atenção deste blog, foi que essa decisão derruba a tese propagada a partir de 2019 por diversas denúncias e notícias na imprensa sobre “vazamentos ilícitos” de dados no INSS ou na Dataprev (seu braço de tecnologia). Como poderia haver “vazamentos”, se uma lei permitia o livre acesso às informações dos beneficiários da Previdência?

Lei assinada por Bolsonaro; o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes; e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que continua em vigor até hoje?

Sem contar que durante o Governo Bolsonaro, a antiga direção da Dataprev repassou todo o banco de dados de informações sociais para o Serpro, sem nenhum contrato ou previsão legal para isso. O que foi feito com ele até hoje ninguém sabe, além do fato dos dados dos aposentados e pensionistas terem sido inseridos como “novos entrantes” no portal de serviços gov.br. Escândalo denunciado por esse blog. Nenhum gestor na época foi responsablizado por isso. A Controladoria-Geral da União simplesmente deixou essa rapinagem passar.

Os escândalos de agora, que a imprensa trata como uma “novidade”, se averiguados ao longo dos últimos anos apenas mostram duas coisas: 1 – O INSS é um balaio de gatos, não tem controle algum e vive sujeito aos interesses políticos de uma máfia acostumada a lucrar em cima de aposentados e pensionistas. 2 – Houve vários sinais de que a gestão do INSS era caótica, mas ninguém deu bola para isso. Este blog publicou várias reportagens sobre os problemas encontrados na Tecnologia do órgão, busquem no link: https://capitaldigital.com.br/?s=INSS.

Dataprev

Agora a “bola da vez” é a Dataprev, envolvida oficialmente a partir de onterm no escândalo dos empréstimos indevidos do consignado do INSS, fraude que pode ter retirado do bolso de aposentados e pensionaistas em torno de R$ 90 bilhões.

Nas 34 páginas do processo do Tribunal de Contas da União de uma auditoria realizada no INSS e na Dataprev, sob relatoria do ministro Aroldo Cedraz, a empresa estatal é citada 29 vezes. Em nenhuma parte do processo a Dataprev é acusada de compactuar ou participar do escândalo das contribuições sindicais e do consignado.

A empresa apenas foi instruída pelo TCU a implantar um sistema de assinatura eletrônica avançada e de biometria para impedir fraudes. Não há categoricamente no processo do TCU, ou nas 9 páginas do voto de Aroldo Cedraz ou nas três páginas do Acórdão do Tribunal, nenhuma acusação formal contra a Dataprev. Apenas apontam falhas operacionais na implementação dos sistemas, mas até isso a empresa somente é responsável pelas determinações que recebe do INSS.

No momento é bastante prematuro afirmar que a Dataprev esteja diretamente ligada aos escândalos ou que tenha sido incompetente em implementar um sistema de validação de empréstimos. A mesma empresa que conseguiu pagar benefícios de auxílios para milhões de pessoas durante a pandemia, não seria capaz de implantar um sistema de biometria? Essas questões ainda esta semana pretendo esclarecer com o presidente da Dataprev, Rodrigo Assumpção.