IA no Mercado e Regulação: Perspectivas para o Brasil

Por Daniel Dore Lage, Cláudio Roberto Santos e Gustavo Carvalho Machado* – Publicações nacionais e estrangeiras costumam divulgar ao final de cada ano as suas listas de tendências tecnológicas e de mercado combinadas com as propensões regulatórias para o país no período seguinte.  Neste ano, todas foram unânimes em indicar o desenvolvimento da Inteligência Artificial generativa como uma forte tendência, com impactos relevantes no mercado e na sociedade. Estão certas nesta recomendação, pois não há dúvidas sobre o potencial de modificação do uso desta (nem tão nova) tecnologia. Dentre alguns pontos de impacto, vale destacar:

Transformação do Mercado de Trabalho: Essa é sem dúvida uma das grandes preocupações, já que a IA generativa pode automatizar e acelerar tarefas que atualmente requerem habilidades criativas e técnicas; não apenas aquelas atividades meramente repetitivas, potencialmente deslocando profissionais em campos como design gráfico, redação de conteúdo, e desenvolvimento de software. Por outro lado, isso também pode criar novos empregos especializados, focados na supervisão, manutenção e melhoramento desses sistemas de IA.

Inovação e Desenvolvimento de Produtos: Empresas podem utilizar a IA generativa para acelerar o desenvolvimento de produtos, desde a concepção de ideias até o design final. Isso pode levar a um ciclo de inovação mais rápido e a produtos mais personalizados para atender às demandas específicas dos consumidores.

Impacto na Propriedade Intelectual: A geração de conteúdo por IA já tem levantado questões sobre direitos autorais e propriedade intelectual, a exemplo da recente disputa entre o NY Times e OpenAI, além de outras disputas na fila. Determinar a titularidade de obras criadas por máquinas e os direitos associados será um desafio legal e ético significativo.

Mudanças no Marketing e Publicidade: A IA generativa pode criar conteúdo de marketing altamente personalizado e eficaz, mudando a forma como as empresas interagem com os consumidores. Isso inclui a criação de anúncios, conteúdo de mídia social, e até mesmo experiências de usuário personalizadas.

Educação e Treinamento: A disponibilidade de ferramentas baseadas em IA generativa pode transformar a educação e o treinamento, oferecendo recursos personalizados e interativos que se adaptam ao estilo de aprendizagem do usuário. Isso pode democratizar o acesso à educação de qualidade.

Desafios Éticos e Sociais: A adoção generalizada de IA generativa levanta questões éticas, como o potencial para a criação de desinformação e conteúdo prejudicial em maior escala. A regulação e o monitoramento dessas tecnologias serão cruciais para mitigar riscos sociais.

Implicações na Privacidade de Dados: Sistemas de IA que coletam e analisam grandes volumes de dados podem levantar preocupações com a privacidade. As empresas devem equilibrar a inovação com a responsabilidade de proteger os dados dos usuários.

Competitividade Empresarial: Empresas que adotarem efetivamente a IA generativa podem ganhar vantagens competitivas significativas, enquanto aquelas que não se adaptarem podem ficar para trás. Isso pode levar a uma reestruturação do panorama competitivo em muitos setores.

Na esteira de projetos de lei em discussão e que tendem a serem aprovados neste ano, duas regulações impactam diretamente neste contexto, e cujos efeitos ainda serão potencializados por outras duas leis já bastante conhecidas. Trata-se dos projetos de lei nº 2630, que busca instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, mas que ficou conhecido como o “PL das Fake News”, e o PL nº 2338, que pretende regular o uso e desenvolvimento inteligência artificial. 

Ambos os PL’s são ótimos candidatos a ocuparem parte das pautas do Congresso tendo em vista seus efeitos no processo eleitoral e em ano de eleições municipais. 

Outras duas regulações são o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Essas quatro normas em conjunto formam um arcabouço regulatório altamente relevante para o mercado, não somente o de tecnologia, mas especialmente o que faz uso de tecnologia, ou seja, todo ele.

Seguindo a tendência líder, de que 2024 será o ano da IA generativa no Brasil (e no mundo), é possível listarmos também os potenciais impactos da proposta de regulação da IA caso venha a ser aprovada nos termos atuais. Lembrando que alterações em um projeto de lei são praticamente a regra, e é possível, embora não desejado, que tenhamos mudanças no texto atual até sua aprovação final e sanção. 

Inovação e Competitividade: A necessidade de conformidade legal com o projeto pode estimular a inovação e melhorar a qualidade dos produtos de IA, mas também pode aumentar os custos de desenvolvimento e retardar a entrada no mercado de novas tecnologias. 

Transparência e Confiança do Consumidor: As medidas de transparência e explicabilidade podem aumentar a confiança do consumidor em produtos e serviços de IA, mas exigem investimentos adicionais em comunicação e desenvolvimento de sistemas. 

Custos de Conformidade: Empresas terão que investir em processos de avaliação e adaptação de riscos, o que pode ser especialmente desafiador para startups e pequenas empresas. 

Impacto na Inclusão Digital e Social: A regulação pode ajudar a prevenir vieses e discriminação em sistemas de IA promovendo uma inclusão digital mais equitativa. 

Desafios Legais e Éticos: A necessidade de avaliação de impacto algorítmico e categorização de riscos implica em desafios legais e éticos, requerendo uma abordagem multidisciplinar para a implementação de soluções de IA. 

Embora possa impor algumas restrições, a regulação é essencial para orientar o desenvolvimento responsável da IA, equilibrando inovação e proteção. O ano já começou e o momento requer muito trabalho para que as boas tendências se confirmem e que ajustes sejam feitos para minimizar, ou eliminar, os impactos negativos de outras.

*Daniel Dore Lage, Advogado. Sócio-fundador do DMS Advogados. CIPT (IAPP). DPO e CISO (Exin). Mestrando em Direito da Regulação (FGV Rio). Pós-graduado em Direito Digital (CERS), Direito Urbanístico e Ambiental (PUC Minas), Direito Público (PUC Minas) e em Ciências Penais (UFJF). Bacharel em Direito pela UFJF

*Cláudio Roberto Santos, Advogado. Sócio-fundador do DMS Advogados. CIPM | CDPO/BR (IAPP). Doutorando em Direito (PUC Rio). Mestre em Direito Privado (PUC Minas). Professor universitário

*Gustavo Carvalho Machado, Advogado. Sócio-fundador do DMS Advogados. Mestre em Direito e Inovação (UFJF). Pós-graduado em Compliance e Integridade Corporativa (PUC Minas) e em Direito do Trabalho (PUC Minas). Bacharel em Direito pela UFV.