Lealdade a quem?

Às vezes me dá vontade de cruzar os braços, comprar o saco de pipocas e assistir comodamente numa poltrona uma empresa estatal como Serpro ou Dataprev ir para o ralo.

Não faço por uma razão simples. Acredito num modelo consagrado por mais de 50 anos no Brasil, um país tão cheio de desigualdades, que a presença do Estado se faz mais que necessária. No mínimo tão necessária que está na Constituição de 1988, assim como esteve nas Cartas anteriores.

Mas o que tenho visto e ouvido de alguns funcionários me assusta. A frase mais recorrente é: “tenho um dever de lealdade para com o meu chefe, por isso não posso denunciar o que eu vejo, mesmo que tenha o sigilo assegurado por você”.

Fantástica essa lógica.

Quando se é “leal” a alguém, então você está deixando de ser leal, por exemplo, ao Artigo 10 da Lei nº 8.429 de 02 de Junho de 1992, que trata da Improbidade Administrativa. Entre tantas outras que você deveria seguir.

Vocês precisam entender que cada vez que se calam, tornam-se cúmplices. E não apenas do suposto crime, em si. Tornam-se responsáveis finais por tudo de bom ou ruim que acontecerá no futuro com a empresa a quem vocês deveriam servir. Sem contar o contribuinte que paga o seu salário, o tal “povo brasileiro”.

Se preferem ser “leais” às pessoas que foram postas em cargos de confiança por alguém que não está nem aí para você, apenas lembrem-se que isso tem um preço e será cobrado no futuro.

Você deveria ser melhor do que eles, deveria pensar nos seus colegas, na empresa que escolheu trabalhar, criar seus filhos, sua família, enfim, viver.

Mas não.

O que tenho visto é que escolhem o caminho mais fácil do salário melhor, da posição de comando, que deveria ser um mérito da carreira que investiu e não apenas por uma escolha política. Se esquece que tudo um dia acaba, inclusive a empresa que você ajudou a desconstruir.

Pessoas passam, governos também passam. E chegará o dia que a empresa também terá o seu fim. Porque você, com o seu silêncio, deixou que a tornassem “desnecessária ou corrupta”, até em seus princípios. Lembre-se: você, ao olhar apenas para você, concorreu para esse dia chegar.

Não estou pedindo que você “traia” ninguém que não mereça. Que vaze para mim documentos comprometedores.

Posso sobreviver muito bem apenas com informações que esses idiotas produzem e me dão de graça diariamente em seus atos oficiais. Ou quando abrem a boca para revelar o que pretendem fazer.

Estou pedindo que você impeça que esse idiota esteja tão à vontade para fazer o que quiser dentro da empresa, ou o que desejar algum político corrupto.

Que ele não se sinta tão confortável, até para dizer publicamente que vai “melhorar os serviços” da sua empresa, de forma que ela se torne numa bela peça de filé que interesse a quem queira comprá-la.

Vocês têm instrumentos legais para impedir isso e os organismos de controle para ajudá-los. Não se calem, denunciem.

Não sejam moralmente igual ou pior que este “chefe” que está passando pela empresa. Porque ele apenas passará. No fim, você é quem vai ficar para recolher os escombros do que sobrou.

*E depois ainda ser obrigado a ouvir publicamente que é “ineficiente ou corrupto”.