Independência ou Sorte?

*Por um funcionário do Serpro, impedido pela empresa de se manifestar livremente – Neste ano o 7 de Setembro foi bem atípico por conta da pandemia e muita gente sentiu falta dos desfiles militares onde geralmente se exalta o patriotismo e a independência do país marcado pelos desfiles militares para comemorar a data que marca o início da luta pela independência do Brasil!

Porém, falar de independência não podemos deixar de usar o momento para falar de algo que deveria ser visto com maior atenção e que atenta contra a independência do país! É um projeto em curso que pouca gente está dando a devida atenção e que tem tudo a ver com o oposto de independência, ou seja: dependência!

Quando o governo anunciou que o SERPRO e a DATAPREV faziam parte do primeiro grupo de empresas a serem privatizadas, o governo aceitou o desafio de começar este projeto de privatizações incluindo nesta primeira lista as empresas que seriam as mais complicadas de se privatizar! Seria uma demonstração de ousadia ou de irresponsabilidade?

O assunto privatizações traz muitas controvérsias e obviamente o foco não é discutir se são boas ou ruins, mas considerar qual é o modelo a ser praticado e se o governo está preparado para conduzir um projeto tão complexo, especialmente para o caso de privatização destas empresas.

Para quem defende a ideia de que se deve privatizar tudo, inclusive estas empresas, ao menos deveríamos começar esta discussão considerando duas questões fundamentais sobre este assunto:
Primeiro: Privatização mal feita pode conduzir a uma situação pior do que a anterior!
Segundo: Tão ruim quanto um monopólio público é um monopólio privado! E isto vale em qualquer situação!

Para quem ainda não entendeu e acha que isto é uma situação impossível ou improvável porque acredita que o setor privado sempre fornecerá serviços melhores e mais baratos, vale chamar a atenção para o caso da privatização da DATAMEC que ocorreu no final da década de 90. A DATAMEC era uma empresa pública que desenvolvia e operava os sistemas críticos do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). Basicamente era uma empresa pública de TI similar ao SERPRO e a DATAPREV só que em escala de atuação bem menor.

A empresa que adquiriu a DATAMEC passou a desenvolver os sistemas que atendiam o Estado utilizando uma tecnologia proprietária, o que forçava os contratos a serem renovados sem licitação devido a dependência tecnológica que foi criada propositalmente pela empresa. Desta forma, uma vez que o governo estava totalmente dependente da empresa, ela passou a cobrar cada vez mais caro pelos serviços prestados, fazendo com que a longo prazo o governo se tornasse praticamente refém da empresa!

A empresa acabou garantindo uma espécie de monopólio nos contratos apenas com base na dependência tecnológica! Este poder de monopólio aumenta significativamente quando a empresa possui também a infraestrutura física de datacenters necessária para hospedar os sistemas.

No caso DATAMEC, em 2007 foi necessário a intervenção do Ministério Público Federal e os sistemas tiveram que ser praticamente “arrancados” à força e entregues para a DATAPREV que assumiu a implantação dos serviços a toque de caixa e no fim garantiu a continuidade dos serviços.

Este é um bom exemplo de privatização mal feita que infelizmente parece que o governo não aprendeu a lição com os erros do passado e parece que está disposto a se aventurar a cometer os mesmos erros novamente só que em uma escala significativamente maior que a anterior!

Será que os envolvidos no processo de privatização do SERPRO e da DATAPREV possuem alguma capacidade para responder a uma simples pergunta do tipo: “Como o governo está trabalhando para evitar que uma situação semelhante a que ocorreu no caso DATAMEC não venha a ocorrer novamente?”

A impressão que se tem é que as equipes do governo que estão à frente desta iniciativa de privatização das duas empresas estão focados unicamente em vendê-las de forma mais rápida possível e para isto tentam de todo modo fugir da necessidade de depender de autorização do congresso para concretizar esta venda!

Será que fazem isto por que sabem que terão dificuldades em responder a esta pergunta e por isto fogem a todo custo deste debate no congresso?

Até quem defende as privatizações destas empresas por crer que a prestação dos serviços seria melhor e mais baratas, deveria ao menos concordar que é necessário ter esta pergunta respondida para não acabar acontecendo o caso de amargarmos as consequências de mais uma privatização mal feita!

Esse tipo de problema até atrapalha quem defende estas ideias!

Além do problema neste caso ser em escala maior, afinal se somarmos a quantidade de sistemas que as duas empresas juntas lidam, temos aproximadamente 7.000 sistemas. Neste novo cenário de privatização não existirá nenhuma outra empresa pública de tecnologia como a DATAPREV atuou no passado para resolver os problemas de absorver os contratos desse tipo!

Quem vai apoiar depois se algo do tipo der errado? Os militares das Forças Armadas?

Se alguém tem uma resposta simples e fácil para este problema como algo do tipo: “Se der problema é só contratar outra empresa que assume o serviço e pronto!”, de certo esta pessoa não conhece absolutamente nada sobre como funcionam os contratos públicos e suas complexidades!

De fato o que o futuro nos reserva? Devemos contar com a sorte de que não teremos um caso similar ao da DATAMEC no futuro? Se acontecer novamente seria mais um ‘acidente’ de percurso? Ou será algo que foi intencionalmente construído e projetado para ser assim?

*O funcionário está proibido de se manifestar publicamente pela estatal, que a partir de agora está monitorando o comportamento deles nas redes sociais e na imprensa em geral. Razão pela qual, decidimos preservar o nome da fonte desse artigo.