
Empurrado pela onda da IA, Brasil reúne condições raras — conectividade internacional, rede elétrica confiável e grande oferta de renováveis — para atrair investimentos de bilhões de dólares em data centers. Na visão da representante da Voltalia, Carolyne Dias, o país pode ocupar papel central nessa cadeia, desde que avance rapidamente na expansão da transmissão e ofereça previsibilidade regulatória para conexões de carga de grande porte.
de acordo com a executiva, para empreendimentos menores de data centers, São Paulo e Sul seguem competitivos. Mas, quando a conta é consumo em larga escala, a empresa vê o Nordeste despontar. Nesse mapa, o Porto do Pecém (CE) aparece como “lugar excepcional” para instalação de campi de data center, combinando:
-Logística: porto marítimo internacional e acesso rodoviário a 1h de Fortaleza;
-Conectividade: proximidade de um importante polo de cabos submarinos;
-Ambiente fiscal: ZPE do Pecém com incentivos para exportação;
-Projetos ancorados: 62 hectares já pré-contratados na Zona 2 da ZPE, licenciamento ambiental em curso, contratos de reúso de água e infraestrutura física de conectividade prevista;
-Fila de acesso: posição entre os primeiros, com garantias aportadas, mirando 1,0–1,6 GW de carga a partir de 2028.
A via-crúcis da conexão
O cronograma vem sofrendo idas e vindas, segundo Carolyne e já chegou aos tribunais. Em setembro de 2024, o PDE indicava 2–4 GW de margem de conexão para a região ligada a Pecém. A Voltalia protocolou 26 GW em autorizações (cinco projetos) e esperava 1 GW de conexão no início de 2025. Em jan/2025, porém, o ONS negou pedidos de data centers, hidrogênio verde e amônia, por razões conjunturais.
Em fevereiro de 2025, estudos do ONS recomendaram compensadores síncronos em João Câmara 3 e SU3 (RN), para reforçar estabilidade de tensão no Nordeste. A empresa reatou pedidos; em maio de 2025, mas com a Resolução ANEEL 1.122, os pareceres voltaram a ser negados. A Voltalia, então, reapresentou as solicitações dentro das novas regras, com garantias financeiras. Hoje, diz estar na fila com ~2,5 GW, dos quais ~1,6 GW em Pecém. O cenário seguiu dinâmico, segundo ela. Em 25 de junho, uma medida cautelar (caso Solatico) levou o tema a nova rodada de ajustes; em setembro o ONS abriu consulta pública (prazo curto) sobre Procedimentos de Rede vinculados à Res. 1.122.
“Gargalo é acesso — e garantias pesam”
Do lado empresarial, a dor principal é o acesso à Rede Básica. A Res. 1.122 manteve a análise de viabilidade do ONS no horizonte de 4 anos e aplicou imediatamente garantias ao consumo — na ordem de dezenas de EUSTs (encargos de uso da transmissão) — além da inversão de fases (primeiro o acesso, depois a autorização da ANEEL).
Carolyne disse que a norma também criou uma sinalização de longo prazo com garantia adicional, que pode priorizar projetos para horizontes além dos quatro anos. A Voltalia alerta para riscos à fila existente e pede coordenação fina entre ANEEL, ONS, Ministério de Minas e Energia e a EPE, para evitar interpretações divergentes.
O recado ao governo
A empresa afirma aceitar as novas regras e aportar garantias, mas sustenta que negar margem de conexão de forma recorrente envia “péssimo sinal” ao mercado global justamente quando o Brasil poderia capturar data centers de escala giga entre 2028 e 2030.
A aposta é no diálogo colaborativo para destravar margem de acesso no ritmo que a demanda exige — sem perder investimentos e mantendo estabilidade regulatória para negócios já em andamento.
Números-chave (Voltalia/Pecém)
1,0–1,6 GW: alvo de carga a partir de 2028 no hub de Pecém (CE)
62 ha: área pré-contratada na ZPE do Pecém
~2,5 GW: volume total na fila (cinco projetos)
26 GW: solicitações de conexão apresentadas em 2024 (cinco projetos)
Medidas sistêmicas: recomendação de compensadores síncronos em RN para estabilidade de tensão
Em síntese: o Brasil tem os ingredientes segundo Carolyne Dias, como os cabos, rede, renováveis e custos para virar plataforma de data centers da era da IA. O que decidirá o jogo entretanto é acesso: regras claras, garantias proporcionais e expansão de transmissão no tempo do mercado, alertou a executiva.
Carolyne Dias participou do workshop “Horizonte Renovável: A era dos Data Centers no Brasil”, promovido pela Aneel.