Por Jeovani Salomão* – Os meus amigos do sexo masculino, otimistas que são, provavelmente leram o título com esperanças de que eu fosse defender algum tipo de democracia nos nossos lares, em especial, nessa época de confinamento. Infelizmente, mesmo que fosse capaz de argumentar sobre esse tema, de nada valeria, as mulheres vão continuar mandando em casa.
Por outro lado, fizeram a associação correta entre voto e democracia. É por meio das escolhas do povo que devem ser eleitos os políticos que lideram as nações democráticas. O sufrágio universal, direito de cada cidadão de participar do processo eleitoral, deveria prevalecer sobre as alternativas de cunho totalitário. Historicamente, embora a corrente principal de estudiosos aponte para o surgimento do voto em V a.c. em Atenas, onde apenas 20% da população, somente homens, tinha a possibilidade de escolha, há hipótese que a prática tenha surgido com celtas e hindus.
No Brasil, a primeira eleição aconteceu em 1532, na vila de São Vicente, para escolher o Conselho Administrativo local. Da mesma forma que ocorreu em cada democracia, com as variações esperadas, atravessamos diversas fases e vencemos inúmeros preconceitos. De certo, a constituição de 1988, que incluiu os analfabetos, é a conquista mais significativa nesse campo, ao universalizar o direito.
Sob o ponto de vista tecnológico, em 1996, iniciou-se o procedimento eletrônico, implantado em todas as capitais e nas cidades com mais de 200 mil habitantes. Em 1998, atingiu 67% da população brasileira e, finalmente, nas eleições municipais de 2000, a urna eletrônica foi utilizada na totalidade dos municípios brasileiros.
Embora ao longo dos anos sempre tenha havido polêmica sobre fraudes, em nenhum momento existiu qualquer prova concreta de falha que tenha interferido na vontade popular. O Tribunal Superior Eleitoral – TSE construiu uma estratégia eficaz para garantir a higidez da votação, a qual envolve não somente diversos dispositivos tecnológicos, mas processos bem estruturados, profundo conhecimento estatístico, segregação adequada de informações e uma gestão participativa de milhares de colaboradores altamente comprometidos. Conheço o assunto bastante bem, já tendo acompanhado de perto o desenrolar das ações, e tenho orgulho em dizer que nosso país é líder mundial no assunto.
Uma das evoluções recentes é a expansão do uso da biometria – estudo estatístico das características físicas dos seres vivos, que torna ainda mais segura a correta identificação do eleitor. Provavelmente, o leitor deve se lembrar que em sua mais recente participação como votante, teve que colocar o seu dedo em uma máquina que reconheceu que você era você mesmo. Fundamental que na manifestação de vontade, exista absoluta certeza quanto à autoria.
Nos aproximamos das eleições de 2020 sob a égide de uma condição singular. Os efeitos da COVID-19 deixam dúvidas sob a possibilidade de se sustentar as datas predefinidas. Há movimentos, de diversos segmentos, propondo que as eleições sejam postergadas. Se fosse possível vislumbrar o voto em casa, certamente não estaríamos vivendo este dilema.
Em um ambiente mais controlado, como é o caso do Congresso Nacional, para evitar aglomerações, adotou-se a votação remota. Como o número de parlamentares, comparado a população de eleitores, é ínfimo, pôde-se rapidamente criar condições para garantir a segurança do voto. Esse episódio traz à tona duas reflexões distintas e extremamente poderosas.
A primeira diz respeito à possibilidade real de ocorrer uma eleição nacional, cada um de sua casa. Há que se garantir acesso a cada cidadão, a autoria da manifestação e a ausência de coação. O Brasil possui hoje 220 milhões de celulares em funcionamento, segundo o IBGE e 306 milhões de aparelhos portáteis, incluindo smartphones, notebooks e tablets, segundo a 29º Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação nas Empresas da FGV. A análise dos números permite concluir que a questão do acesso pode ser resolvida em horizonte próximo.
Restam as questões de autoria e coação. Ambos os pontos envolvem os riscos de fraude. Não é só garantir que você é você mesmo e votou de livre e espontânea vontade, mas que seu voto não foi interceptado no meio do caminho e adulterado. Uma conjugação entre biometria, salas de votação virtual e VPN, sigla em inglês para Rede Privada Virtual, parece ser a combinação adequada para endereçar os problemas.
O confinamento obrigou um avanço significativo das capacidades de salas virtuais e o avanço do número de fornecedores, e consequentemente de melhorias, no segmento de VPN. Para os leigos, uma VPN, resumidamente, criptografa a informação que você mandou para a Internet em pacotes de dados seguros. Se alguém, que não seja seu receptor desejado, bisbilhotar sua remessa, vai encontrar apenas um emaranhado de informações sem sentido.
Para completar, devemos chamar para o centro das eleições a Estatística. Já há em uso uma enormidade de modelos para evitar fraudes de diversas naturezas. Os bancos, as seguradoras, as previdências públicas e privadas gastam dezenas de milhões com isso anualmente. Quanto maior o número de votos, maior a probabilidade de o resultado final estar correto. Isso porque uma fraude de grandes proporções seria facilmente descoberta e fraudes menores não teriam o poder de modificar o todo.
Embora acredite na competência do TSE, minha opinião é que esse é um cenário ainda distante, seja pelos desafios tecnológicos seja, e talvez principalmente, pelas questões culturais.
A segunda reflexão, talvez mais importante, refere-se à possibilidade de um número menor e mais controlado de indivíduos poder votar em casa, como no caso do Congresso Nacional. Atualmente, temos 81 senadores e 513 deputados, que estão desfrutando da experiência de votar virtualmente assuntos de alta relevância, inclusive, para o combate da pandemia.
Em teoria, são os representantes da vontade popular. Em essência, em um mundo perfeito, a votação do parlamentar deveria representar as opiniões daqueles que o elegeram. Mesmo sem considerar interesses pessoais e desvios de conduta, tal ideal é inalcançável. Isso porque apenas 594 pessoas não podem traduzir corretamente o anseio de 211 milhões de indivíduos, na grande maioria dos casos. Uma alternativa seria ampliar de forma significativa o número de representantes. A priori isso deveria acarretar um aumento estrondoso de despesas e um incremento de confusões políticas em Brasília, coisas que certamente nenhum de nós aprovaria. No entanto, estamos pensando em um paradigma em que o parlamentar precisa estar presente no Congresso Nacional. Ao invés disso, com o uso de tecnologia, deixaríamos os políticos em sua cidade natal, próximos do seu eleitor. As reuniões seriam virtuais e gravadas. As remunerações, as viagens e os assessores seriam drasticamente reduzidos. Possivelmente, com o mesmo padrão de gastos atuais, poderíamos multiplicar por 10 o número de parlamentares. Adotaríamos o voto distrital, garantindo a proximidade de eleito e eleitor. Nesse cenário, muito provavelmente, seríamos melhor representados.
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.