Realidade virtual e clone digital. É tanta!

Por Gloria Guimarães e Jeovani Salomão* – É tanta tecnologia e toda hora se ouve falar… que a tecnologia existe para melhorar a nossa vida, que os robôs irão nos substituir nas tarefas cotidianas e nos proporcionar tempo livre.

 Então a gente pensa: Como aproveitar essa onda para facilitar o nosso dia a dia, para melhorar nossos vínculos pessoais, nossas relações de trabalho, solucionar os problemas sociais que sonhamos resolver na infância.

Imaginar clones digitais já não é mais filme de ficção, faz parte de uma realidade virtual que começa a se encontrar com a realidade cotidiana.  A hipótese de treinar robôs não é mais exclusividade de Perdidos no Espaço, nem tão pouco restrita aos livros de Arthur Clarke, que a propósito escreve sobre isso em Richter 10, de coautoria Mike Mcquay.

O tema é tão sério e atual que se encontra em destaque no relatório de tendência do Gartner para 2020 e já é alvo de algumas startups com é o caso da Replika, liderada pela russa Eugênia Kuyda.

Robôs que aprendem a partir dos nossos aprendizados, podendo utilizar recursos de IA para melhoras as conexões e dar repostas. O processamento de grandes quantidades de informação, com aplicação de técnicas adequadas, abre a perspectiva de simular o comportamento de um indivíduo. Essa foi a inspiração de Eugênia Kuyda, depois de perder prematuramente um amigo.

No campo lúdico, poderíamos conviver com nossos ídolos no esporte, o jogo FIFA já tem simulado jogadores reais em suas características físicas e habilidades, construindo jogos de futebol, cada vez mais próximos da realidade. Se o leitor pudesse criar sua própria réplica virtual, poderia entrar em campo com as maiores estrelas do mundo e esperar, é claro, que isso não se transforme em um verdadeiro vexame.

Para os aficionados do Bridge, caso de um dos autores, seria esplêndido poder ter os dublês digitais dos grandes jogadores. No Brasil, temos o privilégio de conviver com três campeões do torneio Bermuda Bowl, equivalente a copa do mundo: Gabriel Chagas, Marcelo Branco e Roberto Mello. Eles estariam disponíveis para uma disputa ou para nos ensinar algumas lições.

Mas vamos ampliar as possibilidades, imagine você conseguir deixar em um lugar tudo que você mais aprecia na sua família por exemplo: voz, receitas, troca de experiências… Já pensou que a partir daqui pode-se pensar em clones daquilo que se considera importante para sua vida, para saúde, para educação e por aí vai.  

Imagine, ainda, os grandes pensadores, poetas, filósofos e cientistas. Eu adoraria ouvir uma nova canção de Tom Jobim ou mais uma poesia de Mario Quinta. O clone de Kant talvez pudesse fazer contribuições gigantes para a filosofia moderna, estudando os filósofos que o sucederam e a imensa quantidade de informações acessíveis hoje. O dublê de Einstein poderia rever seu posicionamento e se alinhar com os teóricos da física quântica.

Além disso, durante muitos anos se falou em “bases de conhecimento” e como as explorar para tomadas de decisão e resolução de problemas. Talvez esse seja um excelente caminho para se construir bases de experiências vividas, portanto bem mais ricas no momento da ação. As possibilidades são infinitas, inimagináveis e empolgantes.

Muito bem!  Já abordamos o que é divertido e interessante do clone. Por outro lado, temos alguns aspectos sobre esta questão: segurança da informação, risco de exposição em redes sociais e a questão ética. Há riscos de manipulação e ausência de transparência em processos como esse.

Quando estamos falando de informações que são de conhecimento público, sem problemas. Mas e se estivermos lidando com estratégias e experiências pessoais a serem clonadas. Será que efetivamente temos o direito de divulgar ou correr o risco de haver um vazamento desse tipo de informação?

Outro aspecto importante, é que temos uma imagem mental daqueles que nos são caros e cada ser humano tem sua própria interpretação dos fatos, portanto, quando existirem clones, eles terão que ser “ensinados” por você, com todo cuidado, porque nós somos a “inteligência” das máquinas.

Risco adicional, é que podemos querer ser “Deus” e manipular o sentimento das pessoas em função de conhecer os hábitos e histórias daqueles que já não se encontram mais conosco.

De forma empolgante ou aterrorizante, as tendências apontam para esse rumo, Clones Digitais serão uma realidade em breve. Nesse cenário, torna-se mandatório criar mecanismos de proteção dentro da nova realidade.

E como proteger o dublê digital, se estamos todos em nuvem, se estamos em redes sociais e ainda mais considerando que, certamente, este clone não estará trancado numa gaveta como um boneco que fala? Essa é a grande questão, já temos enormes desafios de segurança para garantir que os dados das empresas e das pessoas se mantenham em absoluto sigilo, com severas leis, como a LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados – que não permitem que seus dados sejam utilizados sem a sua autorização.

Vazamento de dados pessoais podem gerar danos graves, pois abrem espaço para possibilidades de utilização indevida para fins ilícitos, tais como fraudes de identificação que poderão gerar prejuízos financeiros e de imagem.  Portanto, teremos que pensar em mecanismo de segurança digital, por exemplo, combinações complexas de algoritmos e inteligência artificial para diminuir os riscos de vazamentos e suas consequências.

Por fim, essa equação deverá ser muito equilibrada para que um simples ato de lembrança ou de querer ajudar não se torne um grande problema. Enquanto o futuro não chega, podemos colecionar informações sobre nossos entes queridos ou sobre nós mesmos com a esperança de eternizar encontros. Mas se há algo mais valioso que as perspectivas do que está por vir, são os relacionamentos que temos no presente. Então, mesmo que você decida sonhar com clones digitais, talvez seja a hora de terminar a leitura e ir falar com quem você ama.

*Glória Guimarães é Vice Presidente da Unidade de Negócio de Financial Service no Brasil na Capgemini

*Jeovani Salomão é membro do Conselho na Memora Processos Inovadores S/A, ex-presidente do Sinfor-DF e da Assespro Nacional.