Governo enxuga metas da Transformação Digital e festeja mudanças que não passam de cumprimento de ordens do TCU

Saiu hoje (15) o novo decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, que traz uma revisão da Estratégia de Transformação Digital do Poder Executivo. Nele, além do governo cair na real em algumas metas megalômanas, insere determinações feitas pelo Tribunal de Contas da União, que em parecer proferido pelo ministro Aroldo Cedraz, após acompanhamento realizado em 2019/2020, pela Secretaria de Fiscalização de Tecnologia da Informação (Sefti) do tribunal, chegou a qualificar o projeto de “reforma de fachada de prédio com problemas estruturais“.

Paternidade

Em primeiro lugar, a questão da paternidade da “Transformação Digital”, que o Governo Bolsonaro avoca para si, na realidade é o aprimoramento de uma ideia iniciada no Governo Michel Temer. Pela mesma equipe técnica que atuava no extinto Ministério do Planejamento e acabou migrando para o Ministério da Economia.

Mesmo assim, a “ideia” gestada no Governo Temer fazia parte de um processo que se iniciou em 2015 (ainda no Governo Dilma Rousseff), e era fundamentado no seguinte arcabouço legal, que convergia para uma série de iniciativas denominadas na época de “Governo 100% Digital”.

Portanto, a Transformação Digital” brasileira, que ganhou notoriedade no Governo Bolsonaro, já tinha outros “pais e mães antes dele”, se a questão for essa. A proposta também foi contestada pelo TCU, porque no cenário inicial, vendido no início deste governo como um recorde de eficiência, numa avaliação mais concreta continha a informação de que tudo não passava de um projeto de digitalização.

Novas mudanças

O novo decreto assinado agora por Bolsonaro, na realidade trata de uma readequação à proposta original do projeto que foi contestada pelo TCU. Não há nele nenhum “quê” de inovação. Apenas o texto e as metas estão sendo aprimorados para condições reais de temperatura e pressão, desidratando o marketing pessoal do Secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Caio Paes de Andrade, que correu para a imprensa parceira para anunciar algo como sendo um novo marco no processo de Transformação Digital.

Caio Paes de Andrade anunciou como novidade, por exemplo, a inclusão das GovTechs no programa de Transformação Digital da sua secretaria, através do estímulo à competições e parcerias voltadas ao fomento do ecossistema das startups criadas com o foco em gestão pública. “A inclusão das GovTechs em nossa Estratégia facilita as ações do próprio governo que, para superar seus desafios nas mais diversas áreas, como saúde, educação, agricultura, meio ambiente e infraestrutura, por exemplo, agora pode contar com essas empresas focadas em tecnologia e em soluções rápidas”, afirmou o secretário.

Papo furado, isso não é novo, não foi uma iniciativa dele lançada agora. A inclusão de startups no processo de Transformação Digital do governo foi iniciada em 2021, quando o então secretário e seu subordinado Luiz Felipe Salim Monteiro, publicou no Diário Oficial da União a Portaria nº 2.496/21, que instituiu o “Programa Startup gov.br”. O próprio TCU já via a iniciativa como positiva.

Para 2022, o governo decidiu cair na real. Anunciou agora como meta a apresentação de 600 sistemas interoperáveis quando até o ano passado bradava que chegaria a 900. Isso, só depois do tranco que levou do TCU no Acórdão 3145/2020 aprovado em plenário.

Acórdão que, segundo o item 9.3, o governo deveria “revisar as dotações orçamentárias destinadas às iniciativas vinculadas à implementação da Plataforma de Cidadania Digital, em especial aquelas relacionadas à ferramenta de automação, ao mecanismo de autenticação do cidadão, à unificação dos sites do governo e às soluções de interoperabilidade, de forma a considerar a revisão das premissas que balizam o planejamento das iniciativas de transformação digital em função do ritmo de digitalização de serviços públicos esperado para 2020 e para os próximos anos”.

LGPD

Outra cascata do secretário Caio Paes de Andrade. O governo não tomou a iniciativa de atualizar o texto agora, por conta da implantação da Lei Geral de Proteção de Dados ( Lei nº 13.709). Desde esse acórdão do TCU, que é de 2020, o governo já havia sido “recomendado” a atualizar o texto (item 9.4 do Acórdão), e inclusive avaliar “a conveniência e oportunidade de estabelecer interface com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) , entidade criada com a advento do Decreto 10.474/2020, que regulamenta a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, na intenção de garantir os direitos de liberdade e privacidade nas ações afetas à Plataforma de Cidadania Digital e na implementação da Política de Governança Digital”.

Levou quase dois anos para chegar a tanto e no meio disso, muita coisa inexplicável ocorreu no âmbito do Ministério da Economia, com o silêncio obsequioso da ANPD. Temos abaixo alguns exemplos:

*Governo renova acordo com bancos para acesso aos dados de 117 milhões de brasileiros

*Febraban também “degusta” dados biométricos do cidadão e renovará acordo com governo até o próximo dia 20

*Serpro passa a operar a “degustação” de dados de 117 milhões de brasileiros que já está sendo feita pelos bancos

*Receita Federal atropela ANPD e decide liberar dados de contribuintes no mercado

Por fim, a meta de contratar dois mil novos profissionais para a TI federal executar o programa acabou caindo por terra. Agora o secretário apenas admite que contratará de acordo com a demanda.