Escolas Rurais, Elon Musk e a Conexão à Internet das comunidades amazônicas

Por André Fernandes* – Na semana passada a imprensa noticiou com fatura de detalhes a vinda do CEO da Tesla e da Starlink – Elon Musk – ao Brasil, para um encontro com o governo brasileiro, onde foi divulgado um acordo para a utilização da rede de satélites da Starlink para integrar as escolas rurais da região amazônica a Internet além de realizar o monitoramento das atividades de desmatamento na região. Vamos lembrar que hoje em dia já temos um farto monitoramento por satélite em relação ao desmatamento da Amazônia (inclusive com satélites brasileiros) e, por isso, vamos focar na questão da integração das escolas rurais à Internet.

A situação do aprendizado foi duramente atingida nos últimos anos com a Covid e a necessidade de implantação do ensino remoto, mas isso, apesar de gerar problemas no aprendizado, é algo temporário para as grandes cidades, no entanto nas zonas rurais, em que não se tem nem mesmo uma sala de aula para cada turma (uso de sistema multisseriado), este quadro só inviabiliza ainda mais o aprendizado e provoca um enorme abismo entre os estudantes.
Este blog já mencionou em outro artigo [1] que, segundo a ANATEL existem em operação hoje aproximadamente 13.500 escolas rurais na Amazônia e, portanto, este serviço iria ser responsável pela disponibilização de acesso à Internet para este número de escolas e não para as 19.000 que foram alardeadas pelo governo para a imprensa.

Em uma matéria do jornal amazonense ACritica.com [2] que traz dados de um relatório elaborado pela Fundação Amazonia Sustentável – FAS em parceria com a Unicef, temos um quadro da situação das escolas rurais no Amazonas (que pode nos servir de base para uma análise da situação das escolas rurais em toda a região). Vamos então a alguns dados sobre a realidade das escolas rurais no Amazonas segundo o relatório da FAS-Unicef:

Espaços físicos e infraestrutura das escolas

Segundo o levantamento da FAS-UNICEF, 74% das escolas rurais do amazonas, utilizam o conceito de salas de aula multisseriadas (ou seja, agrupam em uma mesma sala de aula alunos de diversas series ao mesmo tempo), o que com certeza gera problemas na evolução educacional dos alunos.
Devemos considerar ainda que cerca de 6% destas escolas funcionam em salas improvisadas em Templos/Igrejas, Centro Socias e até mesmo em casas de pessoas das comunidades.
Vale Ressaltar ainda que, somente 34% das escolas rurais possuem acesso à rede de energia elétrica e mesmo neste grupo somente 24% informaram que não tiveram problemas de abastecimento no último ano.

Internet e tecnologias

No levantamento da FAS-Unicef ficou constatado que nas escolas analisadas e geridas pelas Secretarias Municipais de Educação a internet ainda é uma realidade distante (97% destas escolas não tinham acesso à rede) e o uso de computadores ainda está “engatinhando”.

Isto nos mostra o quão importante seria a adoção de um programa sério de interligação das escolas a Internet. A rede de satélites de propriedade de Elon Musk, seria realmente bem vinda para estas escolas, mas isso só pode ser concretizado a médio e longo prazos e tudo vai depender do andamento das eleições e de seu resultado.
Vale salientar que hoje já temos um programa em andamento para possibilitar esta conexão de localidades remotas do Brasil (entre eles as escolas rurais amazônicas) à Internet (tocado pela Telebras e pela Viasat Comunicações em parceria com o Ministério das Comunicações), e a entrada da Starlink faria que todo o esforço realizado até o momento fosse colocado de lado e tudo tivesse de ser feito desde o início novamente.

Sendo assim é sempre bom lembrar que Elon Musk não é um pequeno empresário que está empolgado com as possibilidades de negócio com do governo brasileiro, ele é um megainvestidor e, com certeza, só irá embarcar nesta empreitada se tiver certeza de retorno financeiro. Outra consideração importante a se fazer é que, nada saíra do papel antes de 2023, ou seja antes do início do novo governo (seja em um novo mandato do governo atual, seja em um novo governo eleito).

Em escolas onde mal temos acesso à energia elétrica e onde várias series compartilham a mesma sala de aula ao mesmo tempo, como esperar que a conexão com a internet se torne rapidamente uma realidade. Vamos então continuar a ter as enormes discrepâncias entre as escolas dos grandes centros (onde existem laboratórios equipados e conexão fácil a Internet) e as escolas “perdidas” nas áreas rurais do país (onde não se tem a infraestrutura mínima de salas de aula, muito menos a conexão com a Internet), e sendo assim os alunos das regiões mais afastadas do Brasil continuarão a ter dificuldades para atingir os mesmos níveis de aprendizado que os alunos das grandes idades conseguem.

Vamos então torcer e cobrar que o governo brasileiro realmente consiga fazer uma política de integração das escolas rurais (não só da região amazônica, mas de todo o país) à Internet e que, independentemente da tecnologia que seja usada, nós possamos um dia ter as mesmas condições de aprendizado para nossos estudantes tanto nas grandes cidades como nas áreas mais ermas do interior do nosso querido país.

Referencias:

[1] “Musk irá “conectar” com satélites mais de cinco mil escolas amazônicas sem atividade”, Luiz Queiroz, Capital Digital, em 23/05/2022 (https://capitaldigital.com.br/musk-ira-conectar-com-satelites-mais-de-cinco-mil-escolas-amazonicas-sem-atividade/)
[2] “’Censo escolar da floresta’ revela realidade da educação rural no interior do Amazonas “, ACritica.com em 23/05/2022 (https://www.acritica.com/amazonia/censo-escolar-da-floresta-revela-realidade-da-educac-o-rural-no-interior-do-amazonas-1.78819)

*André Fernandes é Analista de Sistemas do SERPRO, Especialista em Segurança da Informação e aluno do MBA em Formação de DPO em LGPD e GDPR do IESB.