Dataprev: Auditoria não viu ilegalidade em aquisição do SUSE/Linux. Presidente da estatal se calou

Cópia da Ata de uma reunião da Diretoria Executiva da Dataprev, mostra que a estatal vem passando por uma grave crise de governança. Na memória dessa reunião, ocorrida em outubro de 2021, ficou claro que a Auditoria Interna da empresa “analisou” o processo de contratação da versão SUSE do sistema operacional Linux e não encontrou nenhum indício de irregularidade. Nem contra o fornecedor, nem tampouco contra o funcionário responsável pelo estudo da contratação, que depois levou demissão por justa causa da Controladoria-Geral da União, supostamente por ter havido “divergência de opiniões” dele com subalternos.

Mesmo sabendo disso, o presidente da Dataprev, Gustavo Canuto, não tomou nenhuma atitude para impedir que fosse cometida uma injustiça contra o seu funcionário.

A reunião ocorreu em 28 de outubro de 2021, praticamente faltando um mês para o processo ser avocado pela Controladoria-Geral da União, que tomou para si o encargo de definir a demissão por justa causa contra o funcionário José Claudio de Lima Siqueira. Sob alegação de “desídia” e “mau procedimento”. Uma decisão polêmica, levando em conta os “achados” feitos por Auditoria e Corregedoria da Dataprev, após uma Comissão de Sindicância Interna na estatal.

Na reunião da Diretoria Executiva da Dataprev, o então chefe da Auditoria, Gil Loja, deixou claro que o órgão, após investigar o contrato SUSE, em 2020, não encontrou “evidências de irregularidades, fatos novos ou indícios” que indicassem, por exemplo, a necessidade de realização de uma nova ação para aprofundar a investigação. Na época essa auditoria foi criada com o objetivo de investigar o motivo das licenças SUSE não estarem sendo instaladas na empresa. Esse fato foi explicado pelo blog, ao tocar na decisão da ex-presidente da Dataprev, Christiane Edington, que “nomeou” e deu poderes a um diretor, que sequer teve seu nome aprovado pela Casa Civil da Presidência da República.

A Diretoria da Dataprev questionou junto ao Auditor, se havia algum indício de que a empresa fornecedora do SUSE Linux teria atuado de alguma forma, para induzir a contratação. Gil Loja negou tal fato, isentando a empresa de qualquer má conduta. Disse apenas que havia um documento, no qual mostrava divergência entre técnicos sobre a necessidade da contratação (divulgado ontem por esse blog).

E que o não uso das licenças ocorreu por suspensão da execução do contrato, após os técnicos acharem que o processo de compra não passou pelos trâmites normais da empresa. Os trâmites seriam decorrentes da decisão de comissão especial, criada para acelerar a execução do Plano de Ação de 2018, cujo objetivo era justamente reduzir a dependência tecnológica Red Hat e de outros serviços em execução na estatal.

O presidente da Dataprev, Gustavo Canuto, insistiu se, aos olhos da Auditoria, o processo de contratação SUSE seguiu de forma “adequada” e dentro dos procedimentos legais. O auditor Gil Loja se limitou a dizer que os procedimentos adotados “não eram compatíveis com as melhores práticas, mas legalmente defensáveis”, segundo a transcrição feita em Ata da reunião.

Melhores práticas

Pelas declarações do auditor, dá para se concluir que a Dataprev passou os últimos anos discutindo a legalidade de um contrato obtido após a realização de um pregão, cujo resultado não foi questionado por ninguém, com a participação de vários fornecedores e que gerou preço final 47% mais barato que a versão Linux implantada na empresa. Sem contar que as funcionalidades descritas na versão Linux obtida também seriam melhores.

É curioso como nenhum organismo interno de controle, tal como a Auditoria comandada por Gil Loja, decidiu não ampliar o escopo dessa investigação, para tentar entender como uma nova versão de sistema operacional Linux pode custar quase a metade do preço da que vem pagando há anos pela versão Red Hat. Cujo único benefício encontrado até agora foi o fato do fornecedor gozar do “prestígio” da maioria da equipe técnica, por sinal, a mesma que teve participação ativa na elaboração de um relatório para desqualificar a compra da versão SUSE e levar um colega de trabalho à demissão por justa causa.

A “desídia” e o “mau procedimento” alegada pela sindicância contra esse funcionário foi motivada pelo fato dele ter tomado para si o encargo de realizar e aprovar sozinho os estudos técnicos para subsidiar o edital para aquisição de licenças de Linux de um segundo fornecedor. José Claudio é acusado pela sindicância de agir sozinho, mesmo sabendo que a equipe se negou a ajudá-lo na tarefa, alegando estar “sobrecarregada” com outras demandas internas da empresa. Era caso, então, de demitir por justa causa um funcionário, pelo fato dele se ver obrigado a cumprir sozinho os prazos para entrega de um estudo para compra de software, que não trouxe prejuízo algum para a Dataprev? Onde está a improbidade administrativa, a má-fé, que seria o verdadeiro agravante para convalidar uma demissão sumária?

Presidente foi omisso

O que chama a atenção nesse episódio é a conduta do presidente da Dataprev, Gustavo Canuto. Mesmo depois de ouvir do auditor em reunião, que não havia indícios de improbidade administrativa, talvez no máximo um gerente de quarto escalão não adotou procedimentos não eram considerados “boas práticas” pela estatal, Gustavo Canuto ficou estático, não decidiu a questão e encerrou o processo. Poderia ter aplicado uma pena disciplinar menor do que a adotada pela CGU. Uma advertência ou uma suspensão, talvez.

Mas ao contrário, o presidente da Dataprev não assumiu a responsabilidade que o cargo exige. Parece que petrificou e aparentemente sentou em cima do processo decidindo não decidir. Isso abriu margem para outras instâncias vinculadas ao Conselho de Administração interessadas em cancelar o contrato da SUSE, trabalhar politicamente para continuar mantendo o processo de cassação do funcionário ativo, fato que acabaria respingando também no contrato com o fornecedor.

E essa alternativa veio um mês depois pela Controladoria-Geral da União, que interveio no processo e avocou para si em dezembro de 2021 a tarefa de proferir a decisão final quanto ao destino do funcionário. Levou oito meses para se pronunciar oficialmente, curiosamente o mesmo tempo levado para o contrato SUSE encerrar sem uso. Em agosto deste ano, aplicou a CGU aplicou a demissão por justa causa contra José Claudio Siqueira, sob alegação de “desídia” e “mau procedimento” num processo de compra de software. Ótima decisão para Canuto, porque agora ele pode alegar publicamente e dentro da empresa, que só está demitindo um funcionário, mesmo que saiba que ele é inocente, porque recebeu a determinação da Controladoria-Geral da União.

Se confirmada a decisão, pois está em fase de recurso,na CGU, José Claudio terá sua carreira na Dataprev encerrada, por ter encontrado uma versão de sistema operacional 47% mais barata que a da Red Hat Linux instalada desde 2011 na empresa. E essa constatação não é deste blog. Conforme publicado ontem, vem do atual Diretor de Tecnologia e Operações, Antonio Hobmeir, com base no estudo técnico que ele fez com apoio da sua equipe “Red Hat”, para desqualificar a compra da versão SUSE e arrumar provas para Sindicância condenar o funcionário José Claudio Siqueira:

Versão Red Hat:

Até agora as três únicas “boas práticas” constatadas por esse blog na Dataprev foram:

1- Ter demitido dois diretores que não assinaram contrato com a Red Hat, conforme desejava a presidente do Conselho de Administração;

2 -Ter demitido por justa causa um funcionário de quarto escalão, por ter elaborado estudo técnico que permitiu o ingresso da versão SUSE Linux mesmo não havendo indício de corrupção;

3 -Ter um presidente na estatal que não preside.