O contrato de versão Linux SUSE, que acabou gerando uma sindicância interna na Dataprev e culminou com a decisão da Controladoria-Geral da União, que interveio no processo e demitiu um funcionário da estatal por justa causa, tem contornos políticos e claros indícios de envolvimento de funcionários em disputa comercial. Um relatório de análise da contratação – que instruiu o processo administrativo contra o funcionário, concluído em 2021 – mostra claramente que o documento não é isento. Foi montado com o claro objetivo de desqualificar a necessidade da contratação da SUSE, por técnicos que atuaram na implantação do software concorrente Red Hat na estatal.
Em janeiro de 2020 o então Superintendente de Arquitetura e Serviços de Infraestrutura de TIC da Dataprev, Antonio Hobmeir Neto, encaminhou uma “Análise da contratação de subscrição SUSE Linux Enterprise Server e SUSE Manager”, ocorrida em 2018, para o então Corregedor da Dataprev, Wesley Ferreira. Como cópia de um mesmo documento elaborado anteriormente a pedido do então Diretor de Tecnologia, Thiago Carlos de Sousa Oliveira.
Diversos pontos foram abordados por Hobmeir e sua equipe técnica para contestar os benefícios da contratação da versão SUSE Linux que, à despeito de toda a qualificação que pudessem ter para chegar às conclusões que chegaram, havia uma questão ética a ser levada em conta pelo Corregedor ou a Comissão de Sindicância que puniu o funcionário José Claudio Siqueira. Tanto Hobmeir e boa parte da sua equipe, não deveriam levantar questionamentos contra uma versão de sistema operacional Linux, quando nos últimos anos foram alguns dos responsáveis pela implantação da solução Red Hat na empresa. O resultado dessa análise nitidamente não foi isenta.
O documento produzido por Hobmeir contou com as revisões feitas por pelo menos três dos cinco funcionários que tinham ligações com ele ao longo dos últimos anos e atuaram no projeto Red Hat: Tiago Martins, Rodrigo Morgado e Leandro Rodas.
Esses mesmos funcionários, coincidência ou não, depois participaram do levantamento técnico que justificou o edital de pregão da subscrição SUSE. Foi nesse período que chegaram a ter alguns desentendimentos pessoais com o chefe, José Claudio de Lima Siqueira, por conta de questões como, remanejamento de cargo, por exemplo. Dentro de uma estatal isso vira mágoa pessoal que, se puder “terá troco”.
O que ocorreu com a Sindicância criada para investigar a contratação SUSE, na qual misteriosamente apenas o funcionário José Claudio de Lima Siqueira, o “ex-chefe”, foi o único investigado e punido com demissão, tem nítida característica de vingança de funcionário. Porque os argumentos técnicos usados junto com os do Superintendente de Arquitetura, Antonio Hobmeir, são risíveis e beiram o absurdo.
“Análise da Contratação“
Na época em que tomaram a atitude de criar um relatório contrário à versão SUSE, em 2020, a versão Red Hat instalada na Dataprev já dominava o parque computacional da estatal. Cerca de 83% das mais de 6.300 máquinas virtuais usavam Red Hat. O Superintendente de Arquitetura, Antonio Hobmeir, começou por desqualificar o propósito da contratação pela questão preço das licenças. Uma incongruência tanto técnica, quanto política.
Isso porque o preço sempre foi preponderante no discurso interno durante a implantação do Red Hat, em 2011. Naquela época os defensores do Software Livre conseguiram entrar para o poder no Governo Federal. Toda a direção da Dataprev trabalhava na época com um único discurso, para justificar a presença do software livre: o fim da dependência tecnológica e a possibilidade de obter uma solução de sistema operacional muito mais barata do que o Windows da Microsoft. Era quase um mantra: buscar no mercado soluções em código aberto que não exijam o pagamento por licenças caras de software. Hobmeir sabia dessa política, já que entrou para a Dataprev em 2013, no auge da implantação do Red Hat pela fornecedora Ação Informática.
“Não foi considerado como Motivação a redução do valor da Subscrição”, alegou Hobmeir sobre os objetivos da contratação SUSE. Que, segundo ele, na descrição da “Motivação da Demanda”, a diretoria em 2018 não deixou claro que essa aquisição atenderia apenas aos princípios da “adequação às boas práticas de mercado e Estratégia de independência tecnológica e/ou fornecimento de suporte a serviços críticos e atender à estratégia de diversificação de tecnologia balizados pelo Plano Diretor de Tecnologia, refletido no Plano de Ação 2018”.
Curiosa essa argumentação de Hobmeir, que deixa margem para dúvidas se ele chegou a ler o Plano de Ação 2018. Pois lá estava escrito que uma de suas principais estratégias seria “reduzir as dependências das tecnologias e seus recursos e respectivos fornecedores identificadas no plano de independência tecnológica, (…) para flexibilizar as arquiteturas das aplicações e viabilizar melhores condições de negociação de renovação e aquisição de infraestrutura de hardware e software”.
Não bastasse essa contradição o próprio Hobmeir, mais à frente em seu relatório, admite que o preço das licenças SUSE adquiridas em pregão ficou 47% mais barata que as da Red Hat implantadas na maioria da Dataprev. Então, essa versão de que o preço não era fator preponderante para se ter um novo fornecedor Linux em concorrência dentro da Dataprev, talvez explique o porquê das licenças Red Hat serem tão mais caras que as da SUSE.
Outra questão levantada pelo Superintendente de Arquitetura da Dataprev, diz respeito à uma suposta desnecessidade de adquirir a versão SUSE porque na Dataprev, além do Red Hat instalado na estatal, já contava com o Oracle Linux para rodar nos seus servidores físicos (hexadatas). Não é bem assim. Hobmeir levantou a presença do Oracle Linux, mesmo sabendo que se tratava de situações distintas, já que o sistema operacional adquirido rodava em máquinas virtuais e esses não estavam previstos no contrato com a Oracle. E, no caso do pregão SUSE, a Oracle sequer entrou na estimativa de preço por duas razões. Primeiro, porque não vendia diretamente ao cliente, se valia de suas revendas. Segundo, o preço seria muito mais alto do que a faixa mínima dos R$ 9 milhões sugeridas pelas revendas em pregão.
“Atualização a quente”
No relatório que desqualifica a versão SUSE Linux, fica evidenciado que, no somatório dos benefícios, ela poderia até acabar sendo melhor do que a hegemônica Red Hat, dentro da Dataprev. Um dos fatores técnicos que contribuiriam para indicar que a versão SUSE atende com maior eficiência que a da Red Hat, estaria no processo de “atualização a quente”. Hobmeir aparentemente apresentou essa questão num gráfico de avaliação das funcionalidades entre versões Linux mas, ‘esqueceu-se’ de dizer que a que estava sendo comprada e ele não concordava era a única com esse benefício técnico.
Essa terminologia “a quente” usada pelos programadores e analistas, significa que o sistema operacional Linux não precisa ser paralisado para receber um novo “patch” de atualização. Trabalharia numa espécie de “segundo plano”, não obrigando quem está usando o sistema na Dataprev ter de paralisar o serviço e ficar esperando que primeiro ocorra a atualização, para depois dar um “reboot” e voltar a trabalhar. Hoje a Dataprev é obrigada a parar suas atividades em manutenções programadas com o Red Hat, que não dispõe dessa capacitação técnica.
No quadro comparativo que o Superintendente Hobmeir usou para desqualificar a presença da SUSE Linux, não destacou essa funcionalidade sobre a versão. Dentre as possíveis soluções Linux a serem usadas pela empresa, no estudo dele ficou claro que a versão que estava sendo comprada atenderia a esse requisito. Inclusive ganhando da versão Red Hat utilizada atualmente na estatal em 83% das máquinas virtuais. Detalhe, o Oracle Linux não foi comparado com as demais soluções:
Crista da Onda
Quanto mais se investiga essa confusão criada dentro da Dataprev por ordem da ex-presidente, Christiane Edington, mais aparecem indícios de que o único funcionário demitido por justa causa num processo administrativo de resultados duvidosos, está sendo cassado politicamente pela direção da empresa. Não foi identificada nenhuma improbidade da parte dele para justificar tamanha punição, que acaba com a sua carreira na estatal.
Ao contrário, já existem sobra de provas suficientes de que após a contratação da SUSE, a Auditoria e o Compliance da Dataprev deveriam ter investigado por que continuaram contratando novas licenças Red Hat, se o custo identificado acaba gerando um sobrepreço de 47%.
E as alegações de “desídia” e “mau procedimento” contra José Claudio Siqueira também chegam a ser fora de propósito, já que nenhuma prova robusta sobre a participação do funcionário na elaboração de estudos técnicos para a compra da Versão SUSE foi apresentada pela sindicância interna, de forma a identificá-lo claramente como alguém que agiu de má-fé e interesse de auferir algum lucro com a compra.
O que ficou evidente é que existe um grupo de funcionários que vem se perpetuando dentro da Dataprev graças a elaboração de estudos técnicos para compras de bens e serviços de informática, que agem de acordo com os interesses de diretorias que estiverem no poder, no comandando a Dataprev. E não importa o viés ideológico delas. Desde que continuem na “crista da onda”, mandando e atuando na sombra em favor dos seus “parceiros comerciais”, pouco importa se a direção é do PT, do MDB ou do Governo Bolsonaro.
Antonio Hobmeir entrou para a Dataprev em abril de 2013, oriundo do Ministério do Turismo. Na época quem comandava a Dataprev era Rodrigo Assumpção e o Governo do PT. A versão Linux de sistema Operacional da Red Hat já estava implantada na empresa quando ele chegou, pois ocorreu após a primeira compra em 2011. O contrato na época foi assinado com a empresa Ação Informática. Hobmeir foi crescendo dentro da empresa graças ao apoio que ganhou do então Diretor de Tecnologia e Operações, Daniel Darlen. O mesmo que hoje atua como Diretor de Relações Governamentais da Oracle.
Independentemente de governos, Hobmeir sempre ocupou cargos de destaque na estatal, mostrando sua capacidade de sobreviver internamente graças ao bom relacionamento com as chefias imediatas e um conhecimento profundo das estratégias que a empresa adotou em todo o período.
Foi Assessor na Superintendência de Operações (2013;2014); Gerente de Departamento de Gestão de Serviços de TIC (2014/2015); Superintendente de Arquitetura e Serviços de Infraestrutura de TIC (2015/2017); Assessor da Presidência (2017/2018); Assessor da Diretoria de Tecnologia e Operações (2018/2019); ficou quatro meses ainda em 2019 como Superintendente de Produtos e Serviços de Infraestrutura; Superintendente de Arquitetura e Serviços de Infraestrutura (2019/2022).
Hoje Antonio Hobmeir virou Diretor de Tecnologia e Operações da Dataprev. E desde que assumiu essa diretoria, o contrato de R$ 11 milhões assinado em 2019 por Christiane Edington já sofreu um reajuste. Agora alcançou a quantia de R$ 15 milhões. Detalhe, o contrato assinado por ele logo que assumiu a DIT ocorreu apenas 30 dias depois da queda do seu antecessor Gustavo Sanches.
O mesmo que internamente defendeu a tese de que o funcionário José Claudio não merecia receber uma pena de justa causa pelo processo de compra do SUSE e se negou assinar um novo aditivo ao contrato Red Hat de Christiane, sob alegação de que a empresa deveria apostar na versão mais barata que contratou com a SUSE.
*Esse assunto ainda deverá voltar em nova reportagem, à medida que novas informações estão surgindo.