Em troca, a multinacional sugere conceder prazeres inenarráveis na transformação digital brasileira, através do fornecimento de sua tecnologia, de infraestrutura em redes de transporte, cidades inteligentes e Internet das Coisas.
Tudo isso, entretanto, está contido num mero “Memorando de Entendimento”, assinado no dia 27 de maio, que ainda carecerá de novos acordos mais claros entre o governo brasileiro e a multinacional, antes de começar a se tornar realidade.
Tal documento sugere que foi escrito às pressas para um evento do MCTI, que deveria ter contado com a presença do presidente Jair Bolsonaro, com o objetivo de salvar o pescoço do ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes. Num momento em que a pasta tinha entrado na barganha política com o Centrão, em troca de apoio político contra eventual pedido de impeachment do presidente no Congresso.
O Memorando, embora seja uma simples “carta de intenções”, tem sido tratado como “secreto” pelo astronauta por pura birra ministerial, já que o acordo não tem cláusula de confidencialidade.
O documento define o interesse da União em “utilizar e alavancar” projetos como o “Plano Nacional de Internet das Coisas”, Cidades Inteligentes e a “Estratégia Brasileira para a Transformação Digital”, através do uso tecnologia Cisco.
Nenhum desses planos foi concebido no Governo Bolsonaro. No Governo Temer e, em alguns casos até antes dele, já se falava em integração de bancos de dados, serviços digitais, além da internet das coisas e cidades inteligentes. A atual equipe da Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia foi a responsável pela elaboração desta estratégia no Governo Temer e a revisão do conteúdo no Governo Bolsonaro.
A proposta não nasceu, portanto, no MCTI conforme sugere Marcos Pontes. Ele apenas criou um evento com a Cisco para mostrar serviço ao presidente e escapar da degola ministerial.
Entrega de Dados
Uma prova de que os projetos foram concebidos muito antes de Pontes sonhar em ser ministro, está na temporalidade de alguns pontos descritos no Memorando. A Cisco deixa claro sua vontade de ser o principal agente da implantação da estratégia digital brasileira, com a integração e compartilhamento de bancos de dados de diversos organismos públicos num ambiente único em nuvem.
A empresa promete “ajudar” o governo a coletar dados acadêmicos, de pesquisas científicas, de educação, saúde, dos cadastros sociais, entre outros. E através das suas ferramentas de “mineração de dados”, dar ao governo condições de traçar estratégias futuras de políticas públicas.
Porém, isso já vem sendo feito pela Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia com o suporte das estatais, sem depender necessariamente da Cisco. Já existem outros “parceiros” bem intencionados como a Microsoft, AWS, Oracle, Google, IBM, Embratel/Primesys fazendo o mesmo nos bancos de dados sob custódia do governo.
Com um detalhe preocupante: a Lei Geral de Proteção de Dados, que entrará em vigor no próximo mês, continua sem boa parte dos seus dispositivos estar regulamentada. A aplicação de punições para eventuais abusos, por exemplo, ficou para o ano que vem. Não há sequer uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados em atividade, para regulamentar o que falta e evitar o uso indiscriminado dos dados de cidadãos brasileiros.
Veja a íntegra do Memorando de Entendimento Cisco/MCTI.