Por Walter Aranha Capanema* – Fiz uma rápida análise do Projeto de Lei das Fake News (2.630/20), tendo como base a versão do dia 29 de junho, aprovada pelo Senado Federal:
O PL não trata apenas das fake news. Na realidade, visa regular toda a Internet brasileira, estabelecendo uma quantidade gigantesca de formalidades e deveres para redes sociais. Cria-se a “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”.
E, por impor tais deveres à iniciativa privada e impactar a vida dos usuários, deveria ouvir os atores envolvidos. Seria democrático e sensato. Na realidade, a votação no Senado foi rápida, com poucos debates e muitos hashtags no Twitter.
Qual a razão de tanta rapidez? Duas possibilidades:
a) ter uma lei “sobre fake news” já para as eleições desse ano, o que irá causar uma verdadeira guerra digital tendo como palco a Justiça Eleitoral;
b). ter um instrumento legal a ser utilizado contra o governo, especialmente em relação às acusações de disseminação de fake news pelo “Gabinete do Ódio”.
Mas, caso o PL seja sancionado, já poderia ser utilizado nas eleições de 2020?
O art. 16 da Constituição Federal estabelece que “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”.
Não há aqui uma alteração ao processo eleitoral. Quando muito, há deveres aos provedores “de redes sociais” (os “provedores de aplicação”, na terminologia do Marco Civil) que impulsionem propaganda eleitoral (art. 15).
Assim, pode-se dizer que, quando muito, apenas aperfeiçoa o processo legislativo, razão pela qual o PL estaria afastado da limitação temporal do art. 16, CF (nesse sentido, vide STF-ADI 3.741, sobre a minirreforma eleitoral de 2006).
Cria um sistema de governança estatal da Internet: a Internet nasceu da Arpanet, a rede do Departamento de Defesa do governo americano, mas amadureceu e evoluiu. Gradualmente, a iniciativa privada foi tomando conta da sua governança, de que passou a ser multissetorial, envolvendo, em escala mundial, a ICANN, o IETF, o W3C e outros grupos e entidades. Esse modelo foi adaptado no Brasil com o Comitê Gestor da Internet (CGI.br).
Retrocesso
Pois bem, o PL 2630 é um retrocesso: estabelece o “Conselho de Transparência e Responsabilidade da Internet” (arts. 26 a 30), a ser criado pelo Congresso Nacional, com uma série de atribuições muito semelhantes ao do CGI.br.
Mas o legislador foi além, e, em um momento de empolgação, definiu que esse “Conselho de Sábios da Internet Brasileira” pode, veja só, “elaborar e sugerir código de conduta a redes sociais e serviços de mensageria privada (…) dispondo sobre fenômenos relevantes no uso de plataformas por terceiros, incluindo, no mínimo, desinformação, discurso de incitação à violência, ataques à honra e intimidação vexatória” (art. 26, II).
Trata-se de uma absurda ingerência na livre iniciativa e uma clara tentativa de controle da liberdade de expressão na Internet.
Triste ironia: o PL que fala em liberdade na Internet, torna a nossa vida mais regulada e controlada.
*O Advogado Walter Aranha Capanema é Diretor de Inovação e Ensino na Smart3 Consultoria e Treinamento