RNP entra pela janela no comitê que formulará a “Estratégia Nacional de Educação Conectada”

A “Estratégia Nacional de Educação Conectada” (Enec), lançada pelo presidente Lula no dia 26 de setembro, numa solenidade em que parecia não estar muito satisfeito com o programa, contará com a presença da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). Apesar de ser uma “organização social sem fins lucrativos”, mas vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, a RNP ganhou assento privilegiado no Comitê Executivo, que irá definir toda a política pública de conectividade de 138 mil escolas públicas, além do conteúdo a ser distribuído em salas de aula. Programa que o governo tem orçamento estimado de R$ 8 bilhões, mas que certamente ultrapassará esses valores ao término dele, previsto para 2026.

Desde o término do Governo Bolsonaro não se ouvia falar de RNP. A organização social sem fins lucrativos, mas vinculada ao MCTI, andava meio no limbo político, sem nenhuma participação aparente nos programas de conectividade do Governo Lula. Embora tenha sido mantida como a gestora do programa “Amazônia Conectada”, que vem construindo uma rede fluvial de fibras ópticas cujo valor estimado do investimento é da ordem de R$ 1,9 bilhão e os recursos são provenientes de contrapartidas com as operadoras móveis que compraram frequências no leilão do 5G.

Mas se existe algum organismo paraestatal no país com capacidade de sobrevivência e de se reinventar para surfar na crista de todos os governos, desde a sua criação em 1989, essa é a RNP.

Com a assinatura pelo presidente Lula no último dia 26 de setembro do Decreto 11.713, que criou a “Estratégia Nacional de Educação Conectada”, a organização preferida de ministérios também “voltou”. E em grande estilo, pois poderá dar os seus palpites na construção da estratégia de Lula da nova rede de conexão de escolas públicas à internet com qualidade e velocidade, além ser a janela por onde passarão oferta de conteúdos educacionais através de diversas organizações já citadas por esse blog na reportagem abaixo:

Juntem a esse grupo, fornecedores de bens e serviços tecnologia da informação, além dos grandes provedores de nuvem. A RNP levou no Governo Bolsonaro para as universidades federais seus “parceiros” AWS (Amazon Web Services), Microsoft, Oracle, Huawei, IBM entre outros. E provavelmente fará isso novamente, para garantir que a rede escolar tenha os seus conteúdos no data center de algum desses provedores.

Promotores

Os dois ministérios que mais incentivam a participação da RNP na estratégia de educação conectada do Governo Lula são os de Camilo Santana (MEC) e o de Juscelino Filho (Comunicações). A organização inclusive acabou de receber uma injeção de recursos do Comitê Gestor do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) no valor de R$ 25 milhões, que deverão ser aplicados via BNDES no financiamento de projetos para a construção de redes de telecomunicações.

A presença dessa organização na Estratégia Nacional de Educação Conectada, entretanto, é questionável. A RNP, embora seja uma organização de caráter privado, ao mesmo tempo vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, ela não tem em seu contrato de gestão com o MCTI nada que diga respeito à projetos de conectividade de escolas. Porém funciona como uma espécie de “avalista”, para abrir espaço ao Ministério das Comunicações e ao MEC se valerem dela nos seus programas de conectividade escolar.

Isso ficou claro durante uma audiência pública realizada há duas semanas na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, quando a diretora de Popularização da Ciência, Tecnologia e Educação Científica, Juliana Nunes Pereira declarou que “não há nenhuma ação de conectividade em escolas públicas. O contrato de gestão está baseado na rede RNP, que faz a conexão de universidades e institutos federais”.

Neste caso, como a RNP é parceira do Ministério das Comunicações e o MEC para atuar em programa conexão de escolas públicas? Como uma Organização Social de natureza privada? Se no escopo do seu contrato de gestão estipulado há anos com o MCTI não há nada previsto fora do âmbito acadêmico e científico, como a RNP poderia atuar dentro do governo como se fosse um órgão público para opinar e depois eventualmente participar de um programa nacional de conectividade escolar?

Sem controle

Talvez a sua preferência pelos demais ministérios se explique pelo fato de a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa gozar de alguns privilégios como, por exemplo, não ter suas contas auditadas pelo Tribunal de Contas da União, não ser auditada pelos ministérios contratantes dos seus serviços durante a execução orçamentária e ainda poder escapar da obrigatoriedade de realizar processos de compras amarrados pela Lei de Licitações.

Como é ente público-privado, uma “organização social”, a RNP pode dispensar a licitação, desde que realize uma “RFP” (Request For Proposal). Que basicamente seria um pedido que ela faz para empresas de TI e Telecomunicações do mercado apresentarem propostas de preços para eventual fornecimento de bens ou serviços. Isso é uma grande vantagem para os ministérios, porque através da RNP escapam de realizar licitações públicas. Ninguém dos organismos de controle fiscaliza os procedimentos de compras dessas organizações. Muito menos a execução financeira desses contratos.

“Os recursos que são repassados à RNP são registrados no Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira), mas a execução financeira não é registrada, porque ela não integra a Administração Pública”, explicou Pedro Lucas da Cruz Pereira Araújo, diretor do Departamento de Investimento e Inovação do Ministério das Comunicações, na mesma audiência pública da Câmara de que participou a servidora do MCTI.

Ou seja, embora receba recursos públicos e ter vinculação com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, a RNP está dispensada de seguir a lei de licitações para a contratação de bens e serviços de TICs, assim como não será acompanhada na execução orçamentária de determinado programa, como qualquer outro órgão vinculado a um ministério ou uma empresa estatal.

No programa “Amazônia Conectada”, por exemplo, sabe-se que terão sido repassados pelo governo para a organização social ao término dessa política pública um montante estimado hoje em R$ 1,9 bilhão. Só que ninguém do governo saberá explicar como foi feita a contabilidade desse projeto, porque não há como acompanhar as contas da RNP através da execução orçamentária dele no Siafi. Entendem o que isso poderá significar?

Talvez isso se explique o fato do ex-presidente da Anatel, Leonardo Euler de Morais, ter se posicionado contra a indicação da RNP para executar a gestão das obras de fibras óptcas nos rios amazônicos.

Durante o Governo Bolsonaro, o então ministro/astronauta, Marcos Pontes, anunciou no dia 7 de abril de 2020 um repasse de R$ 38 milhões para a RNP executar conexão à Internet em 16,2 mil unidades básicas de saúde que não tinham acesso à rede no início da pandemia do Coronavírus. Somente 302 postos foram conectados três meses após o lançamento desse programa. Depois disso, nunca mais se ouviu falar dele, nem tampouco se houve o repasse integral desses recursos à RNP.

Longevidade

Se você perguntar quem é a autoridade a ficar mais tempo em posição de comando dento do governo federal este blog te responderá: Nelson Simões, o presidente vitalício da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). E olha que ele continua por lá até hoje, sem intenção de sair.

Simões vem presidido a RNP desde 2002, quando o MCTI transformou esse órgão vinculado à pasta numa Organização Social de caráter público/privada. Não se tem notícias de outro executivo com tanto tempo ocupando um posto de liderança num organismo paraestatal de governo. Pois Nelson Simões foi capaz de conviver e sobreviver sem ser ejetado do cargo durante os governos Fernando Henrique Cardoso, Lula (1 e 2), Dilma Rousseff (primeiro mandato e metade do segundo), Temer, Bolsonaro e agora o Governo Lula novamente.

Eventualmente informam que Simões não renovará seus sucessivos mandatos, mas aí ocorre o “dia do fico” e ele acaba sendo reconduzido para mais uma gestão. O Conselho de Administração da RNP conta com representantes dos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações, da Educação e das Comunicações. Mas, apesar de por várias vezes terem manifestado interesse em destituir Simões, este acaba angariando apoios através dos demais conselheiros que representam as seguintes entidades:

Sociedade Brasileira de Computação – SBC
Laboratório Nacional de Redes de Computadores – LARC
Pontos de Presença – PoPs
Associados – Associação RNP
Comitê de Usuários do Sistema RNP – ComUsu
Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa – CONFAP
Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores – ANPROTEC

Histórico

A Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) tem perfil e um histórico bastante interessante. Foi criada em 1989 pelo então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) do governo Sarney, com o objetivo de criar uma infraestrutura nacional acadêmica de internet, antes da chegada oficial da rede mundial de computadores como a conhecemos, em 1992, na mudança dos governos Collor para Itamar Franco. Seus objetivo era construir uma rede para atender a universidades, institutos educacionais e culturais, agências de pesquisa, hospitais de ensino, parques e pólos tecnológicos.

Em 1885 ela foi impulsionada por grandes fornecedores de bens de informática (Compaq, Equitel, IBM, Philips) que forneceram equipamentos, software e, mesmo, financiando atividades diretas do projeto. Havia um interesse claro das empresas já naquela época: por intermédio da RNP poderiam entrar para o o meio acadêmico com a venda e a prestação de serviços sem licitação para universidades federais. Afinal de contas elas eram “parceiras” de um órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

Esse perfil de órgão vinculado ao MCT perdurou até o ano de 2002, último ano de governo de Fernando Henrique Cardoso (1995/2002), quando passou para a condição de “Organização Social sem fins lucrativos”, tornando numa entidade paraestatal. A história da RNP é contada em sua página no seguinte link:

https://www.rnp.br/sobre/nossa-historia