Responsável por contrato da PwC com sobrepreço de 56% assume a presidência do Serpro (atualizado)

O Ministério da Economia anunciou a escolha de Gileno Gurjão Barreto para ocupar a presidência do Serpro no lugar de Caio Paes de Andrade, novo Secretário Especial de Desburocratização e Governo Digital. Gileno era o Diretor Jurídico e de Governança da empresa e foi o principal responsável pela validação da contratação emergencial, sem licitação, da PricewaterhouseCoopers (PwC) no valor de R$ 12.317.301,14.

O contrato, assinado em fevereiro deste ano, acabou anulado pela empresa por ordem do Tribunal de Contas da União. Auditoria feita pela Secretaria de Fiscalização de TI, a partir de denúncia da Procuradoria do Ministério Público junto ao TCU, concluiu que a contratação emergencial da PwC gerou um sobrepreço de 56% no valor total a ser pago pelo Serpro (R$ 12,3 milhões). Os ministros do TCU em sessão plenária do dia 22 de julho votaram para que o Serpro, ou repactuasse esse valor com a PwC ou anulasse o acordo comercial.

Os ministros não viram elementos que pudessem comprovar a necessidade emergencial da estatal para dispensar uma licitação para a contratação de consultoria. O Serpro apenas cotou preços de outras consultorias e chegou à conclusão que o da PwC era o melhor, inclusive do ponto de vista técnico. O preço, entretanto foi identificado como irregular pelo tribunal, a partir da verificação de outro contrato similar da PwC com o Banco Central, que era muito menor.

No entanto, a decisão do tribunal não tocou num ponto que chegou a ser levantado pelo Ministério Público junto ao TCU. Acabou ficando sem uma conclusão final: quais foram as responsabilidades dos diretores envolvidos no contrato que gerou esse sobrepreço de 56%. Entre eles, Gileno Gurjão Barreto, que foi funcionário e sócio na PwC no período 2006/2011? Ele atuou ativamente no processo de contratação da consultoria, na qualidade de Diretor Jurídico e de Governança do Serpro e feriu o disposto no artigo 5º do Regulamento de Licitações e Contratos do Serpro.

Em relatório propondo a suspensão do contrato, que serviu de base para o Acórdão do ministro Bruno Dantas no dia 22 de julho, o especialista em controle externo, Marcelo Meireles de Souza, entendeu que a presença de Gileno Gurjão Barreto no processo de escolha da dispensa de licitação para a contratação de consultoria foi irregular.

Segundo o auditor, Gileno não observou o Regulamento de Licitações e Contratos do Serpro que determina que: “em observância ao princípio da segregação de funções, não poderão ser atribuídas ao mesmo profissional ou órgão a prática de atos e, posteriormente, a fiscalização desses mesmos atos”. Gileno assinou parecer jurídico no qual avalizou a contratação por dispensa de licitação, sendo que caberia depois ao departamento dele fiscalizar o cumprimento desse contrato.

“Razão pela qual o Parecer Jurídico 93/2020 foi elaborado por parte interessada na contratação, uma vez que o Diretor Jurídico e de Governança e Gestão do Serpro, outrora funcionário da contratada, participou ativamente da condução do processo de contratação, com potencial inobservância ao princípio da segregação de funções, boa prática usualmente adotada em sistemas de governança corporativa, e ao princípio da impessoalidade”, declarou o auditor Marcelo Meireles de Souza em seu relatório.

O parecer jurídico 93/2020 que dispensou a licitação guarda outra peculiaridade. Ele foi assinado apenas pelo Diretor Jurídico Gileno Gurjão. Nenhum outro Advogado da Superintendência Jurídica do Serpro (SUPJU) assinou o documento como testemunha ou endossou o mesmo. Apenas consta uma declaração vaga, em que algum advogado informa que o parecer estava “apto à finalidade que se propõe”.

Mas o mesmo relatou que não avaliou a proposta técnica e no documento não constava o espaço necessário para a sua assinatura e de testemunhas. “Logo, observados os apontamentos e recomendações exaradas neste Parecer, temos que a presente Minuta – a qual não contempla campo para assinatura de testemunhas, fato este que deve ser ponderado e eventualmente adaptado pela Administração – encontra-se apta à finalidade a que se propõe”.

Velocidade

Com o parecer jurídico resolvido, o Serpro teve um comportamento administrativo fora do normal. No mesmo dia de emitido o parecer de Gileno (31 de janeiro), as demais áreas administrativas do Serpro correram com o andamento do processo de contratação da PwC.

A primeira medida ocorreu às 11h29 na SUPCD (Superintendência de Produtos e Serviços – Centro de Dados). Alguém, que o Serpro omitiu o nome nos documentos entregues a este site via Lei de Acesso à Informação (LAI), solicitou ao diretor de Administração, Antônio de Pádua Ferreira Passos, a liberação de R$ 12.317.301,14 para a contratação emergencial da Price (PwC).

Pádua autorizou a liberação do dinheiro às 14h44, em resposta ao pedido do funcionário da SUPCD, que não pode ter o nome revelado. É o que confirma cópia de mensagem encaminhada por Pádua para os diretores Antonino Guerra (Operações) e Gileno Gurjão (Jurídico e Governança). Estes não gozaram do privilégio do anonimato.

Liberado o dinheiro pela área administrativa, o processo de contratação disparou ainda mais. No mesmo dia 31 foram feitas a consulta de regularidade da Price (16h08), o protocolo de empenho (16h27), o encaminhamento do empenho ao Siafi (16h51).

O contrato seguiu para a assinatura entre as partes no dia 4 de fevereiro e a publicação no Diário Oficial da União no dia 5.

Nada disso contou para o Acórdão do ministro Bruno Dantas, na sessão plenária do TCU, sobre a interferência de Gileno no processo. Dantas se ateve apenas em impedir que o contrato continuasse com sobrepreço de 56%, por razões “emergenciais”.

Apesar de tudo, o Serpro ainda insiste em contratar uma consultoria para avaliar 10 sistemas críticos. Tal decisão foi anunciada pela estatal no Diário Oficial da União no ultimo dia 12, quando foi publicada uma nova “Consulta Pública“.

*O interessante agora é que, quem poderá assinar o próximo contrato com uma consultoria, na qualidade de presidente do Serpro, tem tudo para ser o mesmo diretor jurídico que o TCU “aliviou” de sofrer alguma punição administrativa em seu Acórdão.