Por Jeovani Salomão* – A cultura brasileira não é favorável ao empreendedorismo. Na maioria das famílias, a solução de futuro para os filhos é estudar e conseguir um emprego estável. Esse é o sonho de pais e mães que batalham diariamente pela sobrevivência da sua prole. Empreender ocorre, em geral, por necessidade e não por vocação.
Quando um empreendedor vai mal, a família torce para que ele deixe essa loucura de lado e consiga um emprego. Quando vai muito bem, a sociedade aponta o dedo com adjetivos inadequados que vão desde exploração do trabalhador, mesquinharia, sorte e até desonestidade. Aparentemente, para o brasileiro médio, não existem bons empresários.
Ocorre que as empresas é que movimentam a economia, geram emprego e renda. Só existem porque alguém assume o risco de cria-las. As consequências econômicas da crise que vivemos serão profundas. As previsões variam entre 5% e 7% de queda do PIB no país. A retomada somente será possível por intermédio dos empreendedores. São esses que precisam tomar o risco para prosseguir, investir – mesmo sem ter – e navegar pelo novo normal que se aproxima.
Propositadamente, utilizei-me duas vezes do termo “risco” no parágrafo anterior. Isso porque não há empreendimento sem risco. O dono paga antes de receber, paga para os outros antes de pagar para si, tira do seu bolso para construir algo. Vive de projeções futuras, da crença de que vai dar certo, um ser otimista por natureza, que deveria ser mais valorizado em nossa cultura.
Eventualmente, para quem nunca construiu um negócio, pode parecer que, por necessariamente ter que correr riscos, o fundador de uma empresa gosta disso, da adrenalina, de estar em situação de perigo. Essa é uma compreensão equivocada.
No começo dos anos 90, eu ingressei no serviço público. Fiz um concurso e fui chamado para o Conselho da Justiça Federal como programador. Deparei-me com uma linguagem de desenvolvimento chamada MUMPS. Naquele momento do tempo, era impossível para mim predizer o que ocorreria com o futuro da tecnologia da informação, mesmo assim, era divertido escrever comandos naquela sopa de letras procedural.
Durantes os três anos que remanesci servidor, descobri que não era minha vocação e entrei em conflito comigo mesmo, afinal, de origem humilde, tinha atingido o sonho de criança, um emprego sólido, com boa remuneração e com o futuro garantido. Contra tudo e contra todos, decidi sair do serviço público e me aventurar na iniciativa privada. Comecei uma primeira tentativa de empreender que foi interrompida pelas necessidades familiares. Antes do tempo previsto, a primeira filha, Bianca, estava encaminhada para nascer.
Consegui um emprego para ter estabilidade. A carreira no privado decolou rapidamente e com poucos anos de empresa, eu já tinha assumido uma função de diretoria. Por característica dos contratos firmados com os clientes, cujo potencial de continuidade era quase garantido, em meados de 2003, era possível vislumbrar o cumprimento das metas, não só do ano corrente, mas também de 2004. Pois bem, mas eu já tinha decidido que minha vocação era empreender, então em outubro pedi demissão, mais uma vez contrariando o senso comum.
Quem observa a história, além de maluquice, pode atribuir minhas decisões ao fato de eu gostar de correr riscos, o que está longe de ser verdade. Somente assumo risco quando estritamente necessário, mas também não me imobilizo por eles. Até hoje, a grande maioria dos riscos que assumi foram calculados e valeram à pena. Que fique claro, são uma necessidade não uma motivação.
O empreendedor não é aquele que ama o risco, mas aquele que consegue conviver com ele para construir algo em que acredita!
O momento atual, em que convivemos com ameaças diárias de contaminação, é propício a esse debate. Os profissionais de saúde, pessoas da área de alimentação, do comércio, do transporte e de outros setores econômicos são obrigados a se expor em prol do coletivo. Correm o risco porque é necessário, não porque gostam dele. Se você está inserido nessa lista, meu muito obrigado. Se você não está, evite correr risco o máximo que você puder.
O confinamento nos afeta de muitas formas, sentimos falta dos amigos, dos parentes, das festas, dos bares, do cinema. Somos seres sociais e queremos viver em convívio com os outros. As chamadas de vídeo não substituem o abraço, o aperto de mão, o olho no olho, o carinho e o calor da interação pessoal. Eu sei disso, mas passei a vida calculando riscos. É muito melhor ficar em casa e viver com essa carência, do que descobrir que um amado foi contaminado por sua causa e veio a óbito.
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.