Nelson Simões segue para 23 anos de mandato, numa caixa preta chamada RNP

Hoje seria o último dia de mandato do diretor-presidente da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, Nelson Simões. Porém, ele já está cumprindo um novo período de quatro anos desde o ano passado. Simões comanda essa organização social “sem fins lucrativos” – vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações – há 19 anos, desde o final do governo Fernando Henrique Cardoso. Sua capacidade de sobrevivência em governos ideologicamente tão distintos merecia ser estudada pela Ciência.

As circunstâncias em que se deram essa “reeleição” são, no mínimo, estranhas, porque em condições normais, numa diretoria de uma empresa privada ou mesmo pública, Simões não teria permanecido no cargo. Ao contrário, já deveria ter saído sob a acusação de má gestão.

Insolvência da RNP

A manutenção de Nelson Simões no cargo ocorreu num momento em que a própria organização social constatou que estava convivendo com o fantasma da insolvência.

Em um determinado período do ano passado, em pleno problema da pandemia (a data precisa em que ocorreu o episódio não é conhecida, pois a entidade não mostra suas Atas de reuniões; apenas as registra em cartório no Rio de Janeiro) o Conselho de Administração da RNP foi chamado pelo compliance para uma reunião extraordinária.

Nessa reunião, os controladores das atividades da entidade, após avaliarem as contas da RNP, informaram que a organização social tinha um problema financeiro grave. O caixa da RNP estava vazio. Os recursos em caixa apenas pagariam os compromissos operacionais da entidade no mês de exercício das contas. Se fossem canalizados (desviados) para qualquer nova atividade, a RNP passaria a operar no vermelho.

O alerta teria sido dado em virtude do fato de a direção da RNP ter por regra gastar antecipadamente com projetos de interesse do governo, mesmo tendo apenas uma mera expectativa de receita futura.

No afã de agradar politicamente ministros e subordinados, a entidade banca com recursos do seu caixa a operação. Isso permite a ministros ávidos por mostrar serviço badalar na mídia e anunciarem projetos duvidosos.

A situação chegou a tal ponto que o compliance teve de intervir e dar um alerta: como a RNP só tinha dinheiro em caixa para bancar os compromissos do mês, se porventura algum projeto novo entrasse na pauta de execução antecipada pela direção, a entidade entraria no vermelho e passaria a dever fornecedores ou deixaria de pagar salários e outros compromissos.

E o compliance foi taxativo: nesse cenário, a dissolução da organização social seria imediata e os bens dos associados e integrantes do conselho de Administração teriam de ressarcir o caixa da RNP para cobrir o eventual rombo e sacramentar o fechamento da organização social.

Pânico

É curioso como uma organização social “sem fins lucrativos”, após 27 anos de existência, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, e mantida com recursos dos ministérios da Educação (MEC), Turismo, Saúde (MS) e Defesa (MD), que participam do Programa Interministerial RNP (PRO-RNP), pode se encontrar numa situação de insolvência.

Ainda mais quando consta no Portal da Transparência do Governo Federal que ela recebeu aportes de mais de R$ 1,9 bilhão desses órgãos públicos:

Mas o alerta do compliance caiu como um raio nas cabeças dos conselheiros responsáveis pela administração da RNP. Tirar do próprio patrimônio para pagar as contas da entidade que administravam?

O Conselho de Administração da RNP é formado pelos seguintes representantes: Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – MCTIC (preside), Ministério da Educação – MEC; Sociedade Brasileira de Computação – SBC; Laboratório Nacional de Redes de Computadores – LARC; Pontos de Presença – PoPs; Associados – AsRNP
Comitê de Usuários – ComUsu.

Em condições normais, esperava-se que os conselheiros, preocupados com a própria pele, tratariam de escolher um novo presidente para a RNP. Mas não foi bem assim, outros fatores pesaram no processo de escolha.

Medo do “general”

Nas reuniões seguintes os conselheiros começaram a debater a sucessão, que poderia ser antecipada para alguma data entre setembro e novembro do ano passado (o timing não é conhecido, porque a entidade não divulga suas Atas, mas isso ocorreu).

Desde 2017 o MCTI vinha sinalizando que estava disposto a trocar, já que entendia que Nelson Simões estava há 19 anos no cargo e a entidade precisava reciclar. Entretanto Simões conseguiu se segurar no cargo graças ao apoio que recebeu do MEC, ainda no Governo Temer. Na reeleição de 2017 Simões já pavimentou a estrada para o futuro.

Fez constar no edital, com base numa mudança que fez no estatuto de 2015, que ele poderia ser reconduzido ao cargo desde que cumpridas as formalidades legais de processo eleitoral.

Indaga-se: alguém viu tal processo eleitoral ocorrer no ano passado?

No site da RNP não consta nenhuma informação. Teoricamente o mandato de Nelson Simões terminaria neste dia 31 de março de 2021 e um novo processo eleitoral também deveria ter sido aberto. Nada consta sobre isso na página da organização social.

Os conselheiros mantiveram, por unanimidade, Nelson Simões para mais um novo mandato, que agora terminará oficialmente em 2024. Mesmo sob a ótica da má gestão que pairava sobre a cabeça de Simões, os conselheiros optaram por preservar a presenta dele pelo simples instinto de preservação dos seus pescoços.

Os conselheiros avaliaram o seguinte cenário: se Nelson Simões saísse, não estava garantido que a própria entidade poderia escolher o sucessor. Sendo assim, todo o conselho estaria sujeito a receber qualquer nome vindo do governo, sem poder interferir na nomeação.

E se um general linha dura entrar para o comando da RNP e constatar por meio de uma auditoria interna a situação financeira da organização social?

Diante desse cenário, a campanha “fica Nelson” acabou ganhando na escolha do conselho. A fantasiosa “lista tríplice” que em anos eleitorais a organização social monta para justificar a lisura do processo foi acionada mais uma vez. Mas é óbvio que todos no meio científico e acadêmico já sabiam de antemão que Simões seria reconduzido ao cargo.

Nos bastidores da organização já existe até a versão de que toda a situação não passou de uma estratégia montada pelo próprio Nelson Simões para mais uma vez se perpetuar no cargo. Uma vez que ele sabia que desde 2017 o MCTI tinha a intenção de trocá-lo.

Segundo essa versão, Simões jogou com o pânico dos demais conselheiros, ao se colocar numa situação de que “se era ruim com ele”, talvez pudesse “ser muito pior, sem ele”. Na avaliação de uma fonte ligada à entidade, o conselho de administração da RNP votou de olho no próprio bolso e na preservação do seu pescoço.

A situação financeira de lá para cá não melhorou, apenas adiou o problema da insolvência. Hoje ela vive com uma pequena folga de caixa que assegura que se mantenha em operação por apenas três meses. Ou seja, se o governo não aplicar novos recursos, se por restrições orçamentárias tiver de cortar ainda mais, a RNP quebra.

*Vida longa, Nelson Simões.