Migração do CNIS para AWS começa com infiltração de 130 temporários na Dataprev

Já está em curso a manobra que será tentada pela Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia, com apoio da direção do INSS, que visa retirar o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) do controle da Dataprev.

A SGD pretende infiltrar remotamente na estatal 130 trabalhadores temporários, recém contratados pelo Ministério da Economia que poderão, pela primeira vez na história da estatal, ganhar o acesso ao sistema, sabe-se lá para fazer o quê em termos de desenvolvimento.

Mas com certeza irão aprender muito sobre como a Dataprev opera o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) e, com isso, dar à SGD força para transferir esse gigantesco bancos de dados para a iniciativa privada.

O controle do CNIS era uma atribuição conferida somente a um pequeno grupo de analistas, funcionários da Dataprev, regidos por um forte código de conduta interno e credenciais de segurança máxima. Esse abertura para funcionários temporários da SGD acessarem remotamente o CNIS tem tudo para se transformar num rumoroso caso de quebra de Segurança da Informação no futuro.

A decisão aparentemente já está tomada e foi sutilmente anunciada internamente na estatal, através de um comunicado que não é aberto para a imprensa. Com o sugestivo título: “Presidente Gustavo Canuto detalha papel da empresa a novos servidores”.

Como não se tem notícias de que a Dataprev andou fazendo concurso público recentemente para contratar analistas, soa estranho que o presidente da Dataprev tenha tempo disponível para “detalhar” o papel da empresa à “novos servidores” que não contratou.

O mais provável é que Gustavo Canuto esteja engolindo goela abaixo a infiltração dos temporários da Secretaria de Governo Digital, pois como diz o próprio comunicado no final, esse encontro serviu para “promover a integração dos profissionais, além do alinhamento com os principais métodos e produtos”, conduzidos pela SGD. Até onde conste, além do fato do secretário Luiz Felipe Monteiro interferir no andamento da empresa, através da vaga que ocupa no Conselho de Administração da Dataprev, a SGD nunca mandou diretamente na estatal. Tem influência, mas só.

Núcleo do INSS

É evidente que a Dataprev está sendo empurrada pelo secretário de Governo Digital, Luis Felipe Monteiro, a ceder espaço e deixar que os 130 temporários trabalhem diretamente para o INSS desenvolver seus aplicativos, sem a necessidade de contar com as equipes de desenvolvimento da estatal. Um sonho que o órgão do Ministério da Previdência acalenta há anos.

Sempre houve atritos entre o INSS e a Dataprev nessa questão. E esse impedimento de ter o seu próprio núcleo de desenvolvimento de aplicativos vem crescendo ultimamente e aumentando o desconforto no relacionamento do órgão com a estatal. O INSS sempre ficou na incômoda posição de não ter como justificar perante os organismos de controle, o porquê de criar tal área, se ao mesmo tempo dispõe de uma estatal para lhe prestar o mesmo serviço.

Bigtchs

O problema dessa histórica disputa e que talvez os dois lados ainda não estejam prestado a atenção é que já existem outros interessados em controlar o CNIS e passar a ter um cadastro único para o pagamento de benefícios sociais e emergenciais sem a necessidade de ter de passar pela validação dos beneficiários pela Dataprev ou mesmo do INSS.

Em fevereiro deste ano vazou a notícia de que ocorreu uma reunião a portas fechadas no Ministério da Cidadania (na época sob o comando do então ministro Onyx Lorenzoni), em que foi discutida a criação de um sistema para auto inscrição de cidadãos no Cadastro Único de Programas Sociais (CadÚnico). Foram convidadas para a reunião as empresas AWS (Amazon Web Services), Microsoft, Google e até o TikTok.

A ideia discutida nessa reunião seria criar o aplicativo do CadÚnico, no qual todos os beneficiários de programas sociais seriam cadastrados, inclusive aqueles que receberem auxilio emergencial. Aliás, a proposta foi debatida com base justamente no sucesso do Auxilio Emergencial criado para minimizar os efeitos econômicos gerados pela pandemia do Covid-19.

O sistema de cadastramento poderia ainda contar com a expertise de empresas especializadas em criação de bancos de dados de empregos como a Catho e o Linkedin.

Pedra no sapato

Ocorre que qualquer aplicativo de cadastramento de brasileiros que possa vir a ser feita pelas Bigtechs, para concessão de bolsas ou auxílios sociais pelo governo, invariavelmente terá passar pela Dataprev. É a estatal que, que graças ao Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) é capaz de validar as informações prestadas pelos candidatos aos benefícios e impedir que haja fraudes no pagamento.

Então, para quê serviriam as Bigtechs nesse processo, se o Auxílio Emergencial, por exemplo, já foi desenvolvido sem a necessidade delas? É aí que entra o discurso do “menos Estado” da área econômica do Governo Bolsonaro, para gerar essa demanda para a iniciativa privada, sob o argumento de que a presença de estatais só geram serviços ineficientes e caros.

Curiosamente a partir dessa reunião foi que se passou a cogitar de tirar a Dataprev _ na lista de privatizações do governo – do circuito. Ficou evidente a partir desse encontro, que será preciso eliminar a presença da Dataprev no processo de validação de cadastro de benefícios sociais, para dar esse mercado para as empresas de tecnologia privadas e não necessariamente nacionais.

Para tanto, só se tirarem o CNIS do controle da estatal e repassá-lo para uma BigTech. Hoje a candidata mais provável seria a AWS, que goza de “grande prestígio” na Secretaria de Governo Digital, comandada por Luis Felipe Monteiro, que não por acaso participa do Conselho de Administração da Dataprev e do Serpro.

A AWS já ganhou duas licitações de nuvem organizadas pela SGD. E foi a primeira nuvem contratada pelo Serpro, quando a estatal era comandada por Caio Paes de Andrade, hoje na Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia. Ele é o chefe de Luis Felipe Monteiro.

Talvez nem a Dataprev, nem tampouco o INSS, tenham se dado conta que essa briga no seio do Ministério da Previdência, já pode estar levando a cúpula do governo a ganhar um discurso e questionar o papel e a relevância de ambos para a máquina pública. A Dataprev pelo menos sabe que o seu destino foi traçado há dois anos com o processo de privatização. A novidade agora seria uma possível extinção.

*E o INSS? O futuro dirá o que pretende a área econômica para esse polêmico órgão, que já deu grandes dores de cabeças de imagem para o governo diante dos velhinhos da Previdência.