Mais um vexame do Brasil em cibersegurança

É incrível, mas se algum dia souberem disso lá fora, certamente iremos virar mais um motivo para piadas. Isso, se já não somos. No pais que teve uma ex-presidente espionada pelo governo norte-americano, fato que agora se repete internamente com o escândalo da ABIN, passamos a última semana assistindo a incompetência governamental para ministrar um curso online de cibersegurança. Um curso que irá custar aos cofres públicos R$ 33 milhões, pois são impostos federais que deixarão de serem recolhidos por empresas incentivadas pela Lei de Informática (atual Lei de TICs).

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, cuja atribuição é questionável em relação a promover tal curso, gerou para o governo ao longo da semana um festival de críticas nas redes sociais e até um abaixo-assinado de profissionais e estudantes de informática barrados no programa “Hacker do Bem”. Um curso de cibersegurança badalado pelo ministério com apoio da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) e contou com a chancela da Softex – outra organização social questionável – além do Senai e empresas.

O curso micou, foi transferido agora para o dia 25 de março, para novas inscrições. Mas o estrago na credibilidade do governo já é evidente. A RNP não foi capaz de dimensionar ou estimar o tamanho da procura pelo curso. Não satisfeita, depois ainda usou uma plataforma para curso online que estava desatualizada desde 2002.

Esse vexame é o retrato da incompetência da ministra Luciana Santos para ocupar uma pasta do nível da Ciência e Tecnologia. Aliás, como nunca houve reação contrária de cientistas à nomeação dela, entende-se que Luciana foi tratada no mesmo nível intelectual desta turma que ocupa as entidades que supostamente representam esses cientistas. Uma casta de picaretas que nunca pisou num laboratório ou, se pisou, não produziram nada que tenha sido tão relevante quanto a pesquisa do feijão que o astronauta Marcos Pontes levou ao espaço.

A RNP não é uma entidade estranha para este blog. Criada no Governo FHC, há anos vem sendo denunciada como a porta de entrada para vazamento de recursos públicos através de projetos de caráter duvidosos. Não sofre nenhum controle externo. Nem o TCU, nem a CGU e muito menos o Ministério Público Federal se deram ao trabalho até hoje de checar as contas da RNP. O MCTI, MEC, Ministério da Defesa e o Ministério das Comunicações, insistem em mantê-la em operação, com um vínculo que vem desde o Governo Fernando Henrique Cardoso.

Ela cresceu graças ao infame discurso de cientistas que criticaram o controle público aos pesquisadores. Alegaram que esses cientistas “não tinham tempo para ficarem recolhendo notas fiscais”. Como se por trás de um cientista não tivesse toda uma estrutura administrativa para isso, dentro dos institutos credenciados pelo MCTI. Sem poderes para intervir, os organismos de controle lavaram as mãos, “menos trabalho”, provavelmente.

Agora vamos aguardar que uma entidade que tem contratos de R$ 2 bilhões com o MCTI; de R$ 1,9 bilhão com o Ministério das Comunicações para gerir o programa “Norte Conectado” e alguns milhões do MEC e do Ministério da Defesa, consiga, enfim, colocar um curso online no ar. Só a título de debate: o Serpro, a Dataprev, a Enap, o Ministério da Gestão entre outros inúmeros organismos federais e estatais fazem cursos online para centenas e milhares de alunos.

*Enquanto convivemos com essa lambança no MCTI, somos obrigados a acreditar que este governo reluta em investir na criação de uma Agência Nacional de Cibersegurança. “Muito caro”, alegam alguns idiotas.

Expertise

Enquanto se vira para criar um cursinho online de cibersegurança ao custo de R$ 33 milhões, a RNP senta-se confortavelmente para dar palpites no programa de conectividade das 139 mil escolas públicas do país; no Comitê Gestor da Estratégia Nacional de Educação Conectada (Enec), comandado pelo MEC.

*Socorro!

Titularidade no Serpro

Me perguntaram por que não faço uma entrevista exclusiva com o presidente do Serpro, tal como fiz com o presidente da Dataprev, Rodrigo Assumpção. Por dois motivos: 1 – A Comunicação do Serpro não quer. 2 – Dia sim é o Alexandre Amorim; dia não é André de Cesero, da diretoria de Relacionamento com clientes. Talvez fosse melhor entrevistar a Glória Guimarães, conhece o Serpro melhor do que esses dois.

Sobre entrevistas

Estou pedindo uma série delas com autoridades de TICs do governo. Já tenho agendada uma com o Secretário de Governo Digital, Rogério Mascarenhas. Acho que será legal ouvi-lo pela primeira vez após um ano de Governo Lula. O resto, por enquanto, está fugindo de mim que nem o diabo da cruz. Gente estranha…

Monetização de dados

Com a volta dos deputados e senadores para o ano legislativo neste mês de fevereiro, o projeto de Lei Complementar de Arlindo Chináglia (234/2023), que permite ao dono dos dados negociar essas informações com as plataformas digitais deverá começar a andar. Por enquanto está parado, mas já se sabe que haverá uma grande reação contrária à proposta. A turma está quieta, porque ninguém perderia tempo agora com o Congresso Nacional parado, com os políticos ainda de férias. Mas a gritaria certamente virá.

Perguntar não ofende

Depois de tirar o meu certificado digital através de uma pequena empresa de informática fiquei com as seguintes dúvidas: 1 – O que ela faz com os meus dados depois com eles? 2 – Quem controla a atuação dela no mercado? 3 – Não pode estar ocorrendo vazamento de dados por meio delas? 4 – Por que somente quando os meus dados chegam na Receita Federal é que eles supostamente vazariam? Cadê a ANPD para investigar isso?

Satélites e garimpos

Um ano depois e descobre-se que os garimpos continuam operando em terras Ianomâmi. Fica a indagação para o ministro Juscelino Filho, das Comunicações: Qual foi o balanço das supostas investigações da Anatel, que ninguém viu, contra empresas que estão vendendo equipamentos e conexão via satélite naquela região?

Anotem

As empresas de telefonia móvel Algar, Claro, Vivo e TIM estão fazendo de tudo para impedir que o governo utilize os R$ 3,1 bilhões que elas têm de investir em conectividade escolar. Continuam achando que esse dinheiro é delas. Não é, foi assinado contrato com a Anatel após o leilão do 5G e elas assumiram esse compromisso previsto em edital. E aí Juscelino, quando você dará um soco final na mesa contra essas empresas?

Ceitec perdulária

O governo decidiu colocar no Portal da Transparência a renúncia fiscal que vem ocorrendo num país que precisa de dinheiro para investir em diversas áreas. Por enquanto, as informações são de 2021. Por curiosidade decidi olhar o tamanho da renúncia fiscal de empresas do setor de semicondutores naquele ano, quando o governo Bolsonaro discutia a extinção da Ceitec, porque a empresa gastava demais. Descobri, por exemplo, que a Smart Modular deixou de recolher impostos num total de R$ 65 milhões. Comparando com a Ceitec, a estatal dos chips só experimentou um orçamento maior que a renúncia fiscal da Smart no ano de 2015, quando teve para gastar R$ 75,6 milhões.