InterID: fundador explica seus pontos de vista sobre acordo que envolve a Carteira de Identidade Nacional

O ex-assessor da presidência da Dataprev e fundador da InterID (Instituto Internacional de Identificação), Claudio Machado, procurou o blog para uma longa entrevista, em que expôs todos os seus pontos de vista sobre o processo de construção da nova Carteira de Identidade Nacional, sua participação na entidade e os desdobramentos desse assunto publicados por esse veículo. Claudio chegou a ser procurado previamente para explicar a sua participção na InterID, mas preferiu não ser entrevistado. Decisão revista por ele após a publicação da reportagem ” O lobby que atrapalha o avanço tecnológico na identificação do cidadão.

Claudio Machado começou explicando o seu papel na instituição, que se limitava a contribuir para estudos e debates sobre a identidade digital, dada a sua longa experiência no governo e fora dele nos ultimos 20 anos em que atuou nas atividades ligadas ao ecossistema da identificação do cidadão (Registro Civil, os cadastros ddministrativos e a Identidade Digital).

Claudio afirma que na época não conhecia pessoalmente os demais fundadores da InterID, Célio Ribeiro e Carlos Collodoro. Que ao receber o convite para junto com eles fundar a instituição, procurou deixar claro sobre a “necessidade de se ter clareza da separação do que é atividade que possa ter algum tipo de remuneração, daquilo que não tem nenhum pagamento por prestação de seviço”. E que no seu caso avisou que não tinha “disponibilidade e nem interesse” de participar de atividades remuneradas.

Claudio disse que ficou estabelecido desde a fundação da InterID, que todos os pontos de vista seriam respeitados pela instituição.

Integração

Claudio Machado também disse que desde a implantação do projeto RIC defendia a integração das bases de dados. “O Brasil é único país da América Latina em que o sistema de registro civil não é integrado com o sistema de identidade civil”, destacou. Para ele, isso tem “graves consequências” para a estruturação dos dois serviços.

“Tecnicamente essa integração é muito necessária e sempre defendi isso, mesmo quando na época isso não era entendido e aceito nem no governo. As lideranças do governo não entendiam a necessidade de integração com os cartorios”, afirmou. Claudio se recorda de longos debates travados sobre o tema quando trabalhou na antiga SLTI (Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação), que hoje é a Secretaria de Governo Digital.

Dataprev/ARPEN

Por ter esse pensamento da necessidade de integração das bases de dados do governo com os cartórios de registro civil, Claudio disse que considerava normal o acordo da Dataprev com a associação que reúne os cartórios de registro civil (ARPEN). “Eu não tenho nenhuma mudança de ponto de vista em relação ao que aconteceu”, declarou.

Porém, ao ser procurado por Célio Ribeiro, que apresentou um PowerPoint no qual a integradora Confia se apresentava ao mercado como empresa capaz de realizar serviços de identificação segura, pois era parceira da Dataprev e da Arpen no projeto da integração dos bancos de dados, considerou que havia algo estranho no projeto. Não parecia ser a proposta que viu nascer dentro do governo ao longo dos anos.

Com base nisso, entende que existem dois pontos no projeto que precisam ser esclarecidos, pois não estariam aderentes com o que proõe a legislação vigente no país. O primeiro seria a utilização de dados da Carteira de Identidade Nacional ou de qualquer outra base de dados de identificação, para a ARPEN criar uma própria Identidade Civil, uma Identidade Digital própria. “Isso está nas publicações institucionais da ARPEN. E sempre me coloquei como achando que isso não era coisa que faria sentido. Mas isso é uma questão que fica para eles decidirem. Desde 2019 eu não mantenho nenhuma relação com a ARPEN, quando a gente encerrou as atividades”, afirmou.

A segunda discordância de Claudio era a criação de uma empresa voltada para vender serviços (a Confia), baseados em dados do cidadão. Disse que concordou com os termos da nota que a InterID publicou e que ela não tinha o sentido de denúncia. “Acho que a nota não tem acusações, tem um pedido de informações, não é uma denúncia sequer (…) Dou o maior mérito ao Célio ter feito isso, porque ele afinal produziu essa discussão. Que estava passando meio que desapercebido”, afirmou.

Repúdio

É um direito do executivo defender a nota de uma instituição a qual faz parte. Mas essa questão é bastante controversa. A nota oficial da InterID publicada em 23 de novembro do ano passado não era apenas um pedido público de esclarecimentos aos organismos governamentais envolvidos com o tema da implantação da Carteira de Nacional Identidade (CIN). Deu uma conotação de denúncia de um escândalo, de uma possível negociata pelo governo e os cartórios.

O próprio título da nota já trazia embutido o interesse da entidade de denunciar um acordo, um convênio oficial, que sequer foi assinado ou se tornou público. A nota levanta a suspeita de que o acordo da Dataprev com a ARPEN resultará na venda de dados por uma empresa privada de TI. Informação baseada apenas num PowerPoint de prospecção de clientes feita de forma inadivertida pela Confia, que não há registro de que tenha contado com a anuência da ARPEN, do governo ou da empresa estatal. A própria empresa depois em contato com o blog reconheceu que errou.

Tanto que os termos em que a instituição tratou a questão com a palavra “repúdio” no título da nota oficial soou como se tal informação já fosse verídica. Induzindo o leitor a acreditar que há algum claro sinal de negociata entre uma estatal, cartórios e empresa privada. Situação que foi corroborada depois pela Folha de São Paulo, com base nas mesmas denúncias da InterID.

A nota oficial a InterID mistura o anúncio de um acordo entre a Dataprev e a ARPEN, que o próprio Claudio Machado considera legítimo e foi informado numa revista interna da empresa estatal; com a ação da Confia. Que por iniciativa própria foi ao mercado prospectar clientes se fazendo passar por uma empresa vinculada ao governo. Também se vale de informações divulgadas pela ARPEN em sua página, para inferir que o governo decidiu permitir a venda de dados dos cidadãos, através de uma identidade paralela a ser confeccionada pelos cartórios.

Indagado pelo blog, se não teria sido melhor ou mais produtivo para estabelecer essa “discussão que estava passando despercebida”, a InterID buscar junto à Dataprev e à ARPEN informações mais claras e detalhadas, se possível até os termos do acordo, Machado disse que chegou a indagar de Célio, se ele tinha o teor desse convênio. “Está se falando desse convênio ARPEN/Dataprev, mas o que é ele? Ninguém viu”, afirmou.

Segundo ele, o presidente da InterID, Celio Ribeiro (que este blog entende que tenha se baseado apenas num PowerPoint) encaminhou seus questionamentos ao Ministério da Justiça, ao CNJ e a organismos federais. Machado disse que os órgãos federais não se manifestaram. O CNJ recebeu e convocou Célio para prestar maiores esclarecimentos. “Ele prestou; as outras partes se manifestaram e agora o CNJ decidirá a questão”, afirmou.

Ou seja, Célio Ribeiro, mesmo sem ter informações claras ou a confirmação de que estaria em curso tal projeto, com a anuência do governo, foi à público “repudiar” algo apenas com base num PowerPoint de empresa privada ou notícias veiculadas pela ARPEN em sua página na Internet.

“Não sou contra um convênio entre Arpen e Dataprev para integração e qualificação dos dados do registro civil. Sou contra a criação de uma identidade digital paralela pela ARPEN”, pontuou Claudio Machado. Este blog concorda com o executivo, não faz sentido algum se criar uma Identidade Nacional e ter uma paralela feita pelos cartórios.

Mas daí repudiar algo que ainda não foi oficialmente anunciado por ninguém? A Dataprev pelo menos já esboçou o que seria em tese esse acordo em sua revista interna e o presidente Rodrigo Assumpção e diretoria, já conversaram com o blog sobre o projeto em linhas gerais. Foram mais transparentes, por exemplo, que o Serpro.

Esta estatal desde o Governo Bolsonaro vem mantendo um acordo com os bancos privados comandados pela Febraban (que na época foi chamado de “degustação”), em que não se sabe até hoje os termos dele, nem tampouco quem ganha quanto com ele. A ANPD chegou a verificar o acordo, mas produziu uma resposta pífia, pois sequer saiu da cadeira para ir fiscalizar os sistemas e verificar como estavam sendo tratados os dados dos contribuintes e se havia algum movimento dessas informações armazenadas em nome da Receita Federal saindo das bases de dados para fora da estatal.

Diálogo

O fundador da InterID também defende que haja a partir de agora – e isso vem faltando realmente – um diálogo mais transparente entre todos os envolvidos com o projeto da Carteira de Identidade Nacional. “As pessoas que estão envolvidas aqui nesse tema deveriam de fato fazer uma discussão mais transparente sobre isso, sobre o que é responsabilidade de cada uma das instituições e o que é intenção delas em termos de projetos futuros”, destacou Claudio Machado.

Essa falta de uma discussão nacional tem levado o Brasil, segundo ele, a “patinar” na questão de se ter uma identidade única. “Se comparado com outros países da América Latina, o Brasil é o mais atrasado em relação ao Registro Civil, em relação às Identificação Civil e a Identidade Digital”, afirmou.