ENEC: só 177 escolas conectadas e R$ 3,1 bilhões voando sem prestação de contas

Daqui a dois meses o governo estará comemorando oficialmente um ano do lançamento da “Estratégia Nacional de Educação Conectada”, criado por meio do Decreto nº 11.713, em 26 de setembro de 2023. Teve festa no lançamento com a presença do presidente Lula, promessas de conectar 139 mil escolas públicas com internet de qualidade e discursos. Dez meses depois, o que se vê são 177 escolas públicas com internet, nenhuma rede contratada ainda, muita discussão sobre uso de satélite e nenhum computador comprado pelo MEC. Some-se à isso, o pior: ninguém no controle externo fiscaliza e não há nenhuma informação disponível sobre o que andam fazendo com R$ 3,1 bilhões do dinheiro do leilão do 5G destinado para as unidades de ensino.

Meses após o lançamento houve uma revisão das metas, já que seria impossível contratar rede de Internet e computadores para 139 mil escolas até 2026. Sem bravatas, a nova proposta é fechar esse prazo conectando 40 mil que não dispõem de Internet ou essa conectividade ainda é precária – o que já será uma vitória e o resgate de um compromisso de mais de 30 anos. Até porque, o dinheiro do leilão do 5G destinado à esse fim não conseguiria atender 139 mil escolas. A meta de 40 mil parece mais factível.

Ata da 27ª reunião ordinária do dia 17 de maio, do grupo que acompanha a execução do programa “Aprender Conectado”, que é executado por uma entidade criada pela Anatel com a participação das operadoras móveis que adquiriram frequências do 5G, mostra que tudo continua encalhado, sem perspectivas concretas de no dia 26 de setembro o presidente Lula inaugurar a internet numa escola do Amazonas, por exemplo. A não ser que até lá se monte um “cineminha político”, tal como ocorreu em Santarém (PA), em 2023, quando inauguraram um trecho de infovia com cabo de fibra óptica, mas quem forneceu a internet para Lula, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho; e a ministra da Saúde, Nísia Trindade, fazerem aparições foi a Starlink, de Elon Musk.

Na reunião de maio, o presidente da EACE – Entidade Administradora da Conectividade de Escolas, Flavio Ferreira dos Santos, apresentou um resumo do processo de chamamento feito com as empresas interessadas em prestar o serviço de conectividade nas escolas da Região Norte. A participação do CEO da EACE nessa reunião foi apenas mais um compromisso protocolar, já que Flávio continua impedido de administrar a entidade. Não manda em abosulutamente nada, mas terá de assinar futuramente tudo o que for feito pela EACE e, algum dia, como funcionário público e nomeado pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho, terá de responder por eventuais problemas.

Flávio continua sendo impedido pelas operadoras móveis de administrar. Nesse processo de contratação, por exemplo, ele nem pode dar alguma contribuição. Tudo está sendo feito a portas fechadas pelo diretor de Operações, Luiz Carlos Gonçalves, sem dar nenhuma satisfação ao CEO. Luiz se limita para cumprir tabela, de informar para Flavio sobre o que anda fazendo com o dinheiro do 5G na área de Operações, apenas minutos antes dele tomar alguma decisão. Ou seja, quem manda na entidade é o diretor apoiado pelas empresas de telecomunicações. Até quando essa situação continuará desse jeito ninguém sabe. Espera-se que a Anatel aprove em agosto um pedido das operadoras para se retirarem da EACE.

Dona do dinheiro

Na reunião Flavio e Luiz Carlos apresentaram “as propostas identificadas até o momento” e entregaram uma apresentação das Fases 2 e 3, conforme documento registrado no sistema SEI nº 12015371.

Mas até agora essas informações não são públicas. A EACE esconde de sua página todo o processo de contratação das empresas. Sua página de “Transparência” é uma piada. A previsão dada pela entidade é de só mostrar os resultados quando tudo for aprovado e as empresas contratadas. Ou seja, não há nenhuma transparência, a mínima que seja, sobre como estão sendo chamadas e negociadas com as empresas privadas os projetos de conectividade. Tudo com dinheiro público. Convém lembrar que os R$ 3,1 bilhões do leilão do 5G destinados pelas empresas não são um favor delas para com o país. É a contrapartida por terem pago barato as licenças das frequências, em acordos que assinaram com a Anatel.

A EACE vê essa questão de forma diferente e na cara dura joga para a Anatel a responsabilidade de ter construído esse modelo que a criou: “O Edital do Leilão 5G prescreve que a EACE deve: “ser pessoa jurídica dotada de independência administrativa e autonomia financeira, patrimonial e impessoalidade decisória”. Em razão disso, a EACE foi constituída como uma pessoa jurídica de direito privado e não como uma entidade da administração pública direta ou indireta. A EACE deverá observar e cumprir as diretrizes do GAPE, o Edital do Leilão 5G e suas políticas internas”.

Traduzindo a declaração das operadoras moveis: “não estamos nem aí, se esse dinheiro é contrapartida por venda barata de patrimônio público. Não temos de dar satisfação à ninguém sobre como vamos gastar R$ 3,1 bilhões para conectar escolas públicas. No máximo concedemos ao governo o direito de endossar ou espernear depois sobre o que a gente fizer”.

Para dar um ar de controle dessa discussão, a EACE alega que contrata auditoria privada para garantir a lisura dos seus atos. Bem ao estilo “Lojas Americanas”, não lhes parece?

E todo esse modelo foi criado pela Anatel com a anuência prévia do Tribunal de Contas da União, por um ministro-relator, que após ter aprovado o edital do leilão do 5G e seus desdobramentos, foi agraciado pelo Governo Bolsonaro com o cargo de Embaixador do Brasil de Portugal. Onde permanece até hoje, após um ano e meio de Governo Lula.

Contratação confusa

A única parte visível descrita na Ata da reunião que avaliou os trabalhos da EACE, consta que os resultados parecem que foram pífios nas fases 2 e 3 do programa “Aprender Conectado” e sinalizam que as metas previstas não serão totalmente cumpridas. Nas fases 2 e 3, o “Aprender Conectado” prevê que atenderá 5.107 escolas, em 51 Municípios de sete estados das regiões Norte e Nordeste do País (AC, AM, AP, BA, MA, PA e RR). Aparentemente nem todas serão contempladas nos próximos meses:

a) sistema fotovoltaico off grid: foram identificadas 2.663 escolas com necessidade de implantação de sistema fotovoltaico em 49 dos 51 municípios e com potencial de atendimento de 100% das escolas. Apresentaram-se 80 interessados, sendo que 18 empresas atenderam às RFPs e a avaliação final técnica mais apurada resultou entre 5 e 9 empresas pré-habilitadas por município. Acrescentou que estavam em fase de negociação para posterior contratação;

b) rede interna (conexão fibra): alcançou-se 100% de atendimento das 5.107 escolas, com uma lista inicial de 185 fornecedores interessados, sendo que 14 atenderam aos requisitos das RFPs, e ao final se chegou entre 7 a 9 empresas por lote, também em fase de negociação para posterior contratação;

c) rede externa (WiFi): foi alcançado um potencial baixo de atendimento, de 346 escolas ou 6,8% das 5.107 escolas, sendo que a lista inicial de interessados foi de 175 empresas e 15 atenderam às RFPs. Ao final se chegou a 6 empresas pré-habilitadas, o que já era previsto.

Durante a reunião de maio, o presidente da EACE, Flávio Santos, disse que no processo de contratação da rede externa 71 provedores locais não haviam respondido às RFPs. “Assim sendo, a fim de tentar trazer tais provedores para atendimento às escolas do Gape, seria realizado, entre o final de junho e o início de julho de 2024, um processo suplementar, para convidar tais provedores locais a participarem e a expectativa era de que 900 escolas ou 17,6% das 5.107 escolas pudessem ser atendidas com a participação desses provedores”.

A representante do MEC, Ana Úngari Dal Fabbro, indagou o motivo desses 71 provedores locais ficarem de fora da RFP. “Se não receberam o convite e não ficaram sabendo ou se tomaram conhecimento, mas entenderam que não fazia sentido participar. E por quais motivos, pois considerava importante a coleta dessas informações, no sentido de modificar a comunicação ou tomar alguma outra medida a fim de motivar esses provedores a participarem da Fase 4”, informa a Ata da reunião.

É curiosa essa informação da ausência de competidores, já que em março deste ano, ao participar de um evento organizado pela Revista Teletime, o presidente da EACE, Flávio Santos, informou que 99% das escolas receberam a “vistoria técnica” – primeira etapa para inclusão das unidades no programa “Aprender Conectado”. Se foram, por que os provedores locais deixaram passar essa oportunidade de negócios com o governo? Essas vistorias são pagas pela EACE, há um custo. Quanto? A página de “Transparência” da entidade não informa. Gasta-se. não tem rsultados e ninguém se responsabiliza.

Coube ao diretor de Operações da EACE, Luiz Carlos Gonçalves, alegar na Ata do encontro, que já estava realizando esse levantamento do motivo, uma vez que os provedores constavam na relação elaborada pela vistoria técnica. Segundo o diretor, “a Eace fazia um trabalho ativo e tinha identificado que, muitas vezes, o pequeno provedor não está habituado a essa formatação de contratação e não acompanha o processo, o que exigia uma explicação presencial e mais detalhada para que houvesse esse entendimento por parte desses provedores”. Deve ser difícil realmente para um provedor, ir a um evento para dizer quanto custa para fazer um serviço de conexão por fibra ou WiFi e em quanto tempo entrega o serviço.

Para evitar esse tipo de “problema” novamente, a EACE estuda fazer “algum tipo de road show local e esse trabalho estava evoluindo”, segundo o diretor de Operações. Em resumo, a entidade teve seis meses para pensar em alguma forma de notificar e atrair potenciais prestadores de serviços de redes, mas somente depois que 71 provedores não apareceram, pensaram no problema que ela ainda supõe ser “desconhecimento do modelo de contratação”.

Porém, aos olhos desse blog, não parece ser esse o “problema”. Aparentemente o que ocorreu é que os provedores não receberam os convites e sequer souberam do evento. A EACE poderia ter se valido do cadastro de prestadores de SCM (Serviço de Comunicação Multimídia) da Anatel, mas não fez. Em sua defesa, a EACE diz em nota ao blog que informou e fez “ampla divulgação” da RFP, embora 71 empresas não tenham comparecido. No entanto ela mesmo se contradiz quando afirma que, deste total, 50 provedores manifestaram interesse de disputar os contratos, mas só depois que foram agora procurados por ela. Foi realmente um simples “esquecimento” da EACE?

“Neste momento a relação de fornecedores e preços são confidenciais. Oportunamente, após a contratação dos fornecedores, disponibilizaremos o extrato público das contratações”. Ou seja, somente após a contratação, o contribuinte ficará sabendo quem venceu e por quanto prestará o serviço. Todo o processo para se chegar a esse resultado será escamoteado pela entidade.

Apesar dos problemas, mesmo com a inclusão dos novos 50 provedores, a meta da EACE é fechar e anunciar os contratos com as empresas até o fim deste mês de julho. Possível até é, mas em que condições estão saindo essas fases 2 e 3, ninguém parece preocupado de esclarecer. E ninguém questiona abertamente a entidade nas reuniões do grupo que acompanha os trabalhos dela e é coordenado pelo conselheiro da Anatel, Vicente Aquino.

Finanças

Outro ponto obscuro na situação da EACE. Sabe-se que após o Leilão do 5G, as operadoras móveis ficaram com o encargo de repassarem para o governo os R$ 3,1 bilhões de contrapartida pelas frequências que adquiriram. Só que o leilão ocorreu em novembro de 2021, então indaga-se das operadoras: já repassaram tudo? Aparentemente sim, as empresas já depositram o dinheiro.

Mas assim mesmo sobram outras perguntas: 1 – Onde está aplicado o dinheiro, já que ele não entrou na conta do Tesouro Nacional. 2 – Em qual instituição financeira e à quanto está o rendimento obtido até agora? Na contramão das receitas, quanto a EACE já gastou até agora administrativamente para existir e sustentar sua equipe? Qual o salário dos diretores, gerentes, etc? Quanto gasta no seu custeio mensal? Nada disso também tem sido informado pela entidade em sua página de “Transparência” na Internet. Desde março de 2022, quando foi criada, a EACE só registrou um número publicamente: que teria custado R$ 32 milhões para conectar 177 escolas num projeto Piloto ou Fase 1.

Na reunião de maio, apenas consta a informação sobre os aportes financeiros da Neko Serviços de Comunicações Entretenimento e Educação Ltda, uma das vencedoras do leilão do 5G, mas que desistiu das licenças de 26Ghz. O Conselho Diretor da Anatel assim mesmo decidiu que a empresa teria de pagar os R$ 53,7 milhões que devia para as escolas. Quanto de dinheiro já entrou não informam. Trimestralmente esse grupo que avalia as contas da EACE deveria emitir um relatório e ele ser discutido em reunião. Mas até hoje tudo continua um completo mistério, mesmo a Anatel coordenando os seus trabalhos com o conselhiro Vicente Aquino. O mesmo que, para contratar um radialista para fazer campanha para a mulher que é prefeita no Ceará, foi rápido em pedir emprego na EACE.

Computadores

Até agora, depois de 27 reuniões conhecidas, sem levar em conta mais duas que ainda não se tornaram públicas, o governo não debateu uma única vez como pretende adquirir computadores para as fases 2 e 3 do “Aprender Conectado”. A representante do MEC, Ana Úngari Dal Fabbro, sempre ávida em querer saber tudo o que anda sendo feito em conectividade com o dinheiro do 5G, nada informa sobre o processo na sua pasta e não se sabe quando o FNDE lançará os editais para a compra junto aos fabricantes.

O MEC tirou da EACE a compatência de fazer uma aquisição dos equipamentos junto com a rede. Mas desde o início do ano não explica como fará essa compra; se em parceria com os estados ou com recursos próprios. Fica a indagação: está esperando o preço dos PCs subirem, quando tiver de realizar uma licitação emergencial para adquirir 40 mil computadores?

O presidente Lula precisa dar um freio de arrumação nesse programa caótico e fadado a escândalos futuros. Ou assumirá depois a culpa por eventuais problemas que possam surgir com a falta de esclarecimentos sobre o uso do dinheiro do 5G para conectar escolas públicas.