Carteira de Identidade Nacional será a chave do cidadão para acesso à serviços pela GovCloud

Está prevista para o primeiro semestre de 2024 o lançamento de uma “Plataforma Social” em meio digital pelo Governo Lula, que reunirá diversas bases de dados e atores sob o comando da Dataprev. Para tanto, está sendo implementada uma “Infraestrutura Nacional de Dados”, que reunirá as bases da estatal com as do Serpro, de diversos ministérios e órgãos vinculados à eles, cartórios e “outras instituições” que estão em tratativas com o governo e ainda não foram tornadas públicas. O próprio Judiciário, por exemplo, deverá estar envolvido no processo.

Projeto deste porte está assanhando o mercado de informática, algumas positivas outras, porém ,com reações aparentemente descabidas, possivelmente pelo fato desse momento da transformação digital atingir setores que, se não se adaptarem e encontrarem fórmulas para garantir a continuidade dos seus negócios, acabarão perdendo mercado.

Curiosamente, as linhas gerais dessa política pública de gestão de ativos de informática estão descritas numa revista interna da Dataprev destinada a seus funcionários e não para o público em geral. Nem a empresa, nem a Secretaria de Governo Digital (SGD) ou outro ente envolvido tinha falado até agora abertamente sobre o projeto; detalhando essa estratégia de forma tão abrangente. Ainda não teve solenidade, nenhum ato oficial, nada que pudesse ser dito na imprensa como sendo: “a nova proposta de Transformação Digital do Governo Lula”. Só que ela existe, está em andamento e no próximo ano promete novidades. No momento estão na fase de implementação e ainda há um longo caminho a percorrer.

Carteira de Identidade Nacional

Segundo o secretário de Governo Digital, Rogério Mascarenhas, explicou à revista da Dataprev, “a chave da Plataforma Social (digital)” será a Carteira de Identidade Nacional (CIN), que já foi emitida para dois milhões de brasileiros. Segundo a reportagem, a CIN servirá como uma espécie “de token, porque assegura uma identificação única em todo o país para o acesso aos serviços e a validação das informações”. De acordo ainda com a revista da Dataprev, as bases de dados sociais do governo convergirão para a CIN, que terá o CPF como número de registro único do cidadão, cuja identificação biométrica e validação em tese ficará à cargo do Serpro, conforme o previsto na Lei nº 14.534, de 11 de janeiro de 2023.

A CIN já foi implantada em 13 Estados: Acre, Alagoas, Amazonas, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O prazo de implantação para os demais que ainda não estão emitindo o documento foi prorrogado para o dia 11 de janeiro do próximo ano. Estava previsto para o próximo dia 6 de dezembro, mas alguns estados não deram conta do recado, ou ainda resistem á ideia, isso nunca fica claro.

Para Rogério Mascarenhas, a nova plataforma “é uma inversão fundamental de abordagem: em vez de o cidadão buscar o Estado para reclamar seus direitos, o Estado procura o cidadão para oferecer o que ele precisa”, declarou à revista da Dataprev.

A empresa já deu pistas de quais as bases que constarão nessa infraestrutura federal de dados. Segundo a revista, a SGD vem mantendo, por exemplo, negociações com o Ministério do Desenvolvimento Social para assegurar a interoperabilidade dos sistemas do CadÚnico com a nuvem híbrida da Dataprev, que comandará o processo. Isso permitirá ao governo identificar as famílias em situação de pobreza e pobreza extrema, que necessitam de auxílio através do Bolsa Família ou de novas políticas públicas que forem sendo criadas.

Outro ministério que também encontra-se em tratativas com a SGD é o da Saúde, de forma a que, por exemplo, as bases de dados de prontuários eletrônicos, de vacinação, entre outros serviços prestados ao cidadão por essa pasta, possam estar integrados na plataforma para melhor compreensão das necessidades de ações elos gestores públicos.

A pasta comandada pela ministra, Nísia Trindade, inclusive, acaba de integrar a Câmara-Executiva Federal de Identificação do Cidadão (Cefic), conforme o Decreto nº 11.797, publicado na segunda feira (27/11). A Cefic tem a atribuição de reunir todos os integrantes para a tomada de decisões e é formada pela Casa Civil da Presidência da República (Coordenação); Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil; Secretaria de Governo Digital; além dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública; e agora o da Saúde.

Protagonismo da Dataprev

Desde a transição de governos em dezembro, este blog já vinha sinalizando que a Dataprev seria alçada à condição de braço tecnológico que sustentará iniciativas de modernização do Estado Brasileiro proposto pela ministra Esther Dweck, da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.

E a consolidação dessa estratégia chegará ao seu ápice no primeiro semestre do ano que vem, quando as bases de dados em diferentes setores da Administração Federal (INSS, Institutos de Identificação dos Estados, Biometria do Renavam, do CPF, dos Cartórios de Registro Civil, da Saúde, Cadastros de programas de Assistência Sociais e até a dos dados de eleitores do TSE ) estiverem concentrados numa nuvem híbrida da Dataprev, cuja parceria de infraestrutura está em fase inicial de construção com a Amazon Web Services (AWS).

“A partir da identificação do cidadão de forma segura com a CIN, a plataforma social permite que todas as informações preexistentes nessas estruturas de dados sejam conectadas”, disse o diretor de Relacionamento e Negócios da Dataprev na revista da empresa, Alan Santos.

Para a superintendente de Produtos de Dados e Análise da Dataprev, Juliana Ferris de Oliveira, o projeto tem uma via de mão dupla. Pois não somente atende ao interesse de centralizar as informações de governo e garantir maiores ganhos de eficiência na análise desses dados, mas também melhora a qualidade dessas informações para os custodiantes deles. “As bases continuarão sendo alimentadas e geridas pelos entes governamentais que são responsáveis por elas, mas podemos promover a interoperabilidade, com ganhos cruzados para todos, principalmente para o cidadão”, explicou na revista a superintendente.

Registro Civil

A Plataforma Social está sendo viabilizada graças à um acordo assinado pelo INSS com a ARPEN – Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais. Trata-se da integração de duas bases de dados distintas que já conversavam entre si, mas agora irão integrar outras bases de informações federais e que estão entre as maiores custodiadas por entes públicos em todo o país. O INSS é o gestor do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), e a ARPEN controla a do Registro Civil de Pessoas Naturais. AARPEN é uma entidade que reúne 27 regionais e um total de 7,5 mil cartórios.

A ARPEN já era conhecida do governo. Foi a primeira parceria da Receita Federal, que permitiu o sucesso na emissão de CPFs e outros serviços terceirizados pelo fisco através dos cartórios, com redução de custos e de mão de obra pelo órgão federal.

A revista da Dataprev traz ainda outras considerações e pistas sobre o que virá pela frente em termos de políticas públicas digitais. Convém dar uma lida no seguinte link:

https://capitaldigital.com.br/wp-content/uploads/2023/12/revistadataprevresultados15_v8_pagmistas1.pdf

Através desse acordo, o objetivo agora será criar novos serviços em 2024 para validação e certificação de brasileiros quando estes estiverem interagindo com o governo. Segundo a revista da Dataprev, estão previstos o lançamento de produtos como o monitoramento dos dados de pessoa física, assinatura eletrônica avançada e o reconhecimento biométrico dos cidadãos.

“A parceria da Arpen com a Dataprev permitirá aos cartórios uma estrutura mais robusta e completa para ampliar o alcance desses serviços. Prevê uma mudança no modelo de integração, conectando os dados e serviços de Registro Civil aos serviços de governo, de modo a inserir as atualizações diretamente na Plataforma Social operada pela Dataprev. Isso permitirá que as atualizações nos dados de cada pessoa (identificada pela chave CPF) sejam feitas uma única vez e repercutidas para os demais entes de governo com mais efetividade. Para viabilizar esse novo modelo, a Dataprev propôs que o serviço passasse a ser operado dentro do ambiente físico da empresa”, destacou Alan Santos.

O diretor da Dataprev também informou que, além da parceria com os cartórios de Registro Civil, a Dataprev está formalizando um outro acordo de Cooperação Técnica com o Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil (IRTDPJ). A entidade, que reúne os cartórios de títulos e documentos, auxiliará o governo a construir e utilizar conjuntamente, bases de dados estruturadas com dados biográficos e biométricos. “Esse modelo considera a possibilidade de a parceria alcançar outros serviços dos cartórios, integrados ao ambiente Dataprev, sinaliza o diretor da estatal.”

GovCloud

Alan dos Santos garantiu que a relação iniciada por meio da proposta de parceria com a Arpen Brasil não impedirá a evolução de serviços da AWS em uma futura estratégia de GovCloud na Dataprev. Conforme já havia dito o presidente da estatal, Rodrigo Assumpção, logo que assumiu o cargo na empresa.

O diretor da estatal deixa claro que a parceria com a AWS não afetará as conversas já iniciadas com outros players de nuvem. “Atualmente, a Dataprev tem negociações avançadas com a Huawei e a Oracle, e tratativas iniciais com Google e Dell”, disse.

Segundo ele, nessas negociações para operar modelos híbridos a partir dos seus data centers, o objetivo da Dataprev é assegurar o controle sobre os ambientes, qualificar bases de dados e estruturar cada vez mais a Infraestrutura Nacional de Dados. “Não é foco da sua estratégia atuar como broker nem disputar o mercado de nuvem pública. A oferta de GovCloud é porta de entrada para internalização dos sistemas dos clientes – não só integração, mas interoperação de dados, plataformas e processos da Dataprev. A empresa vai continuar fazendo o que os outros fornecedores não podem realizar, mas ampliando suas capacidades e incorporando novas tecnologias e modelos de negócios, junto a parceiros, o que deve contribuir para aprimorar a sua maturidade corporativa”, explicou.

Reações negativas

É óbvio que quando dois entes que detém a custódia de bancos de dados gigantes se reúnem, com o objetivo de mudar uma série de procedimentos que levarão o país a ter uma infraestrutura nacional integrando diversos sistemas públicos, isso gera preocupações no mercado de informática.

Sobretudo nos fornecedores de serviços que habitualmente buscam contratos no governo. Este blog recebeu várias. Mas a partir da investigação e da busca por informações oficiais, elas acabaram se mostrando infundadas ou pelo menos carecem de maiores explicações e provas contundentes que atestem a possibilidade desvios de conduta.

A maior parte das denúncias dizem respeito ao acordo INSS/ARPEN, que teriam levado empresas a terem acesso às bases de dados da Dataprev sem amparo legal. Na denúncia a ARPEN foi qualificada como uma entidade representativa dos cartórios que estaria atravessando o mercado de registro e certificados digitais de forma aventureira. De acordo com o diretor de Relacionamento e Negócios da Dataprev, Alan Santos, a parceria do INSS com os cartórios assinada em 2021, não foi uma novidade para o órgão vinculado ao Ministério da Previdência.

“O contexto da parceria com a ARPEN vem de um cenário bem anterior a 2021. Começa com o Sistema de Óbito (Sisobi) em 1989, evolui para o Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (Sirc) em 2016 e, em 2024, tem a oportunidade de adotar um novo modelo de operação. Faz parte de uma agenda de Estado que trata de qualificar as informações de pessoa física para a melhoria dos serviços públicos”, destacou Alan.

Nas denúncias, também foram levantadas irregularidades pela presença de empresas privadas, que irão tratar e operar dados de cidadãos brasileiros dentro do data center da Dataprev. A denúncia foi direcionada para a empresa “Confia”, uma startup que estaria vinculada aos interesses dos cartório. Além dela, a Amazon Web Services também ganhou o privilégio de operar na infraestrutura da estatal.

Sim e não. Há ao que parece uma mistura de duas situações distintas.

A primeira delas é que a presença da AWS no data center de São Paulo da Dataprev, com o seu “outpost“, faz parte do acordo INSS/ARPEN de 2021. Foram os cartórios que escolheram a empresa para operar suas bases de dados do Registro Civil e caberá à ela viabilizar a integração com as da estatal num ambiente de nuvem.

“A responsabilidade da infraestrutura de nuvem AWS foi viabilizada por meio da ARPEN e a Dataprev não participou diretamente da negociação. Todavia, o projeto foi apoiado pela Dataprev, que articulou junto à AWS um modelo onde fosse possível instalar o equipamento “outpost AWS”, operando no ambiente, mas sob gestão técnica dos cartórios”, explicou o diretor. E foi aí que entrou a Confia neste acordo, como representante da ARPEN junto à Dataprev, para ajudar na integração das bases de dados do registro civil dos cartórios com os que estão sob custódia da Dataprev, que tem no INSS o seu principal cliente e até mesmo sócio.

O outro projeto em andamento na Dataprev e que guarda relação com a AWS é a ampliação da GovCloud em ambiente híbrido. Mas essa estratégia não envolverá apenas a AWS. A intenção de atrair para dentro do seu data center a infraestrutura de nuvem de grandes provedores já foi anunciada pelo presidente da Dataprev, Rodrigo Assumpção, logo que assumiu o comando da empresa em março deste ano. A estatal deseja viabilizar uma nuvem híbrida para contratar e garantir o armazenamento de dados ao mercado governamental mas, também, propiciar a criação de novos serviços e políticas publicas através dela.

Neste ponto Alan Santos explicou em que pé estão as tratativas com a Amazon Web Services (AWS) para a criação da infraestrutura nacional de dados. “O equipamento contratado foi instalado em outubro no data center da Dataprev São Paulo e deve começar a operar em dezembro, para atendimento apenas aos cartórios associados à entidade (ou seja, o acordo INSS/ARPEN). A Dataprev só deve utilizar o equipamento AWS para inclusão de seus serviços (nuvem híbrida), quando estiverem definidos e acertados os termos da parceria com a ARPEN, ainda em negociação, prevista para ser formalizada em 2024”, declarou.

Se bem entendido, um novo acordo está a caminho e envolverá todas as partes que terão alguma participação direta ou indireta na operação dessa infraestrutura nacional de dados, e na criação da nova “Plataforma Social”. É, portanto, precipitado falar ou criticar um acordo que irá redundar num grande projeto na TI pública, que ainda nem está claramente descrito no papel e assinado por todos os envolvidos.

Mesmo assim, foi questionada a presença da Confia nas dependências do data center de São Paulo da Dataprev, operando sem contrato com a estatal. A Confia, até aonde se pode apurar é uma startup que presta serviços para a ARPEN, criada por cinco sócios com larga experiência no setor de TI, de Marketing e de Relações Públicas, além da área jurídica. Nenhum aparentemente ocupou cargos públicos. São profissionais com larga experiência nas áreas que atuam.

Indagado sobre a presença dessa empresa privada, sem contrato formal com a estatal para operar dentro do seu data center, o diretor de Relacionamento e Negócios da Dataprev, Alan Santos, confirmou que a Confia, de fato, não tem relação comercial com a estatal.

“A Dataprev não tem relação comercial direta com a Confia, uma contratada da Arpen. A relação da Dataprev é com as associações que representam os cartórios, que têm autonomia de indicar os interlocutores e empresas para representá-los e apoiar os serviços”, disse.

Realmente acordos de parcerias firmados nos últimos anos entre estatais e empresas ou associações de empresas do setor privado, que este blog tenha visto, não garantiam ao ente público o direito de exigir do proponente a parceiro a escolha de determinadas empresas de informática que fossem do seu interesse.

Neste caso, se a ARPEN contratou diretamente a Confia e fez dela sua representante de TI no acordo que assinou com o INSS em 2021, não caberia à Dataprev questionar isso. Obviamente que a responsabilidade pelo comportamento da Confia dentro de um ambiente de TI da estatal será da ARPEN. Mas isso provavelmente estará descrito num futuro acordo a ser assinado entre as partes, já que no momento todo o ambiente que está em produção ainda encontra-se em testes, não passa de um projeto piloto.

Nas denúncias contra a empresa Confia, foi encaminhado ao blog um PowerPoint, no qual a startup faz a sua apresentação ao mercado em prospecção de novos clientes e inadvertidamente usou a marca da Dataprev, do gov.br e da AWS, para explicar o trabalho que desenvolve na integração de bancos de dados em ambiente de nuvem.

Em entrevista com o presidente da ARPEN, Gustavo Fiscarelli, não escondeu o incômodo que isso teria gerado para o relacionamento da ARPEN com o governo. “A Confia por ser uma startup, criou uma peça promocional no intuito de querer buscar novos investidores. A Secretaria de Governo Digital tomou conhecimento e nos chamou para questionar o uso indevido das marcas do governo. Procurei a empresa para determinar que não utilizassem mais o material”, disse Fiscarelli. “Eles não tinham esse endosso nosso, até porque esses serviços ainda estão para serem homologados”, concluiu.

Foi uma mancada, mas isso não é combustível suficiente para uma denúncia contra a empresa, de estar operando clandestinamente dentro de estatais do governo. Não está, pois trata-se de uma prestadora de serviços da ARPEN que está executando um projeto piloto em parceria com a Dataprev.

De todo modo, depois de resolvido o problema, o PowerPoint da Confia pode dar a dimensão do problema e por que estaria incomodando empresas do mercado de registro e certificação digital. Os números que a startup projeta, em termos de faturamento – que não serão divulgados pelo blog, pois o material não foi recebido de forma oficial – mostram que muitas empresas devem temer ficarem de fora dessa infraestrutura nacional.

Fraudes

Há também outras denuncias que não envolvem a Confia e nem a ARPEN. Tem relação com duas grandes empresas do mercado de TI nacional. A briga já foi parar nos organismos de controle e diz respeito aos futuros contratos de empresas com o governo para a confecção da Carteira de Identidade Nacional (CIN). Mas o blog somente tonará essas denúncias públicas após o denunciante confirmar que deseja expor o nome da empresa e o do concorrente.