A silhueta da raposa

*Por Nilson Roberto da Silva, no LinkedIn – A beleza está nos olhos de quem vê, a inovação não fica atrás. Iluminação sobre objeto produz sombra – fenômeno natural indispensável: a Terra não saberia o valor da luz sem a sombra da noite. Com o tempo, silhuetas ganharam vida “própria”, tornaram-se multifuncionais e populares com o teatro de sombras e o mito da caverna de Platão (427-347 a.C.).

Nas fábulas, o contraste artificial entre traços de astúcia e traição costumam definir o perfil das raposas; este artifício binário molda silhuetas de expectativas. Juízos de valor simplificados são prejuízos certeiros que castigam estórias e histórias. Os vulpinos – à sombra da licença poética – são difamados em prol do receituário moral. Carlos Drummond (1902-1987) denuncia, “Os animais não foram consultados por Esopo sobre o sentido das fábulas”. Entre virtudes fraudulentas e vícios fabulares, a realidade importa, exporta, atenua ou agrava denúncias.

Entre os mundos factual e ficcional há pontes que ajudam a pensar fora dos complexos padrões: o imaginário forja inventividades, o virtual amplia o campo de visão, o real – implacável – exige solução para os enredos. Há pontes simplificadas; algumas delas prudenciais pelo método didático, outras, estereótipos; citação atribuída a Einstein (1879-1955) desvenda a força do prejulgamento ou do julgamento parcial de mérito: “É mais fácil desintegrar um átomo que o preconceito de uma pessoa” ou, sobre uma pessoa. A escolha entre o caminho integrativo ou o fácil depende da própria expectativa.

A raposa de O Pequeno Príncipe é um desvio padrão das concepções teatrais. Saint-Exupéry (1900-1944) caracteriza o animal com altivez e eloquência para explicar ao habitante do B612 – lar originário do infante – o significado de cativar. Romance à parte, no mundo dos negócios, cativar equivale a relacionamento sintonizado; a frequência dos contatos entre empreendedores e clientes é pré-condição para consolidar expectativas de fidelização e afugentar preconcepções.

Tendências e expectativas nos relacionamentos são silhuetas a serem decifradas a partir de ritos, convenções e padrões; longe de ser enigma de esfinge, entender cifras é pauta para não atravessar o compasso de missões estratégicas. Ao contrário dos mistérios mitológicos que costumam ter resposta única, as necessidades reais e futuras de compartilhamento e renovação exigem mais, não o mais do mesmo.

Ideias cativantes ou ideias em cativeiro?

Iluminação potente, sombra bem definida. Luzes intelectuais devem estimular a compreensão das adversidades como um todo; eis o “iluminismo”. Maurice Druon, em O menino do polegar verde (1957), empreende reflexões capitulares sobre problemas casmurros: cativeiros de ideias pré-estabelecidas, cativeiros de homens e animais, a famigerada desigualdade social, as guerras político-psicológicas e as corridas armamentistas.

Druon analisa condutas moralistas que, não raro, tiram o foco da realidade por se desconectarem das inexoráveis modificações impostas à vida pelo avanço do tempo. Tistu, o herói encerrado no limite mortal, esboça a ideia de foco operacional e combate a ortodoxia enviesada ao usar a política da razão, a sustentabilidade econômica e a espiritualidade. O livro renova a essência de pactos sociais.

Para tomar decisões na estória, o pupilo Tistu não prescinde da sabedoria do senhor Bigode, o jardineiro paredro; a parceria entre paladinos neófitos e coadjuvantes experientes protagoniza qualquer obra. Conexões tem sido capitais desde o Fiat Lux, antes presenciais, hoje potencializadas pela conectividade remota; compartilhar conhecimentos e recursos é a obra ideal de poder sustentável para a sociedade – é a arte da política.

Conexões se estabelecem entre diferentes níveis de saberes e quando são (inter)rompidas atrasam o andamento de obras. Quando criança Tistu não fora aceito na escola, tal como Thomas Edison (1847-1931) – famoso pela lâmpada -, genial como Aladim; Einstein recebeu rótulo parecido. Distúrbio de Déficit de Atenção dos infanto-juvenis ou para com eles? “Para ensinar há uma formalidade a cumprir: saber”, Eça de Queiroz (1845-1900).

Eles aprenderam, eles ensinaram. Edison inovou na indústria: com sua luz, projetou silhuetas sobre a noite, ampliou o dia. Einstein – ansioso pela arte da paz – assimilou como ninguém a decepção com a guerra. Tistu incutiu sentimento agridoce ao desenlace ficcional. Os três personagens determinaram novas direções à gestão da inovação e subverteram determinismos ao estudarem os limites funcionais de padronizações de outrora.

A ortodoxia é um signo de manutenção de ordem e de procedimentos e está presente em paradigmas como a fabricação de abridores de latas, procedimentos de socorro em incêndios e métodos de gestão nas empresas. O viés prudencial do conservadorismo tem sua relevância, mas deve valorizar a convivência harmônica com a inovação.

O direito de recriar é garantido pela natureza, advogou Lavoisier (1743-1794); o direito difuso sobre ela também merece preservação. A prudência de organizações públicas e privadas – de Quito a Kyoto, de Gliwice a Greenwich – deve estar focada no uso racional de matérias-primas considerando procedimentos não agressivos ao meio ambiente e à segurança global. Compreender escassez, direitos e deveres garante longevidade aos personagens lúdicos, jurídicos e naturais.

Um intertexto sobre Fernando Pessoa (1888-1935), “inovar é preciso, inovar não é preciso”, projeta a silhueta econômica com contornos de inovação e conservação; a frase não é contraditória, apenas um falso paradoxo. A inovação é necessária (inovar é preciso), mas sua conquista não é um resultado aritmético (inovar não é preciso): eis a diversidade do contraditório que ajuda a consolidar entendimentos.

Druon desenha o papel de Senhor da Guerra para o sereno pai de Tistu, pois o senhor Papai é o dono da fábrica de canhões. Durante o cenário adverso do capítulo marcial do livro, os clientes minguam, permanece a arte empreendedora: gerir e decifrar enigmas; Mirapolvora – cidade onde a trama se passa – não se ensimesma, mas se desabrocha, rebatizada como Miraflores. “Todas as descobertas importantes foram rompimentos com os antigos modos de pensar”, Thomas Kuhn (1922-1996) se empresta à (cons)ciência da estória. Romper padrões pode irromper oportunidades de renovações. 

“O limite dos meios marca o fim de todas as artes” (Aristóteles, 384-322 a.C.). Silhuetas são identificáveis através de contraste natural ou arbitrário. A definição de susto ou acalanto das sombras dependerá da competência em decodificar ideias preestabelecidas – sobre economia, comunicação, sustentabilidade, aceitação, humanidade, renovação – e em como aplicá-las à vida.

A cultura da inovação depende do discernimento para enfrentar turbulências. Afinal, “É durante as fases de maior adversidade que surgem as grandes oportunidades de se fazer o bem a si mesmo e aos outros” (Tenzin Gyatso, 1935-): eis a proposital silhueta da arte econômica, sem sombra de dúvidas.

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Agradecimento a Leocadia Stevens.

*Nilson Roberto da Silva é Gerente Executivo de Relacionamento Institucional / Economista