ANPD impõe auditoria externa e plano de conformidade ao WhatsApp no compartilhamento de dados com a Meta

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) determinou uma série de medidas inéditas e de grande impacto ao WhatsApp LLC e à Meta Platforms Inc., no âmbito do processo que apura o compartilhamento de dados pessoais entre as duas empresas. O Despacho Decisório nº 11/2025/CGF, assinado pelo coordenador-geral de Fiscalização, Fabrício Madruga Guimarães Lopes, estabelece obrigações rigorosas, prazos apertados e a contratação obrigatória de auditoria externa independente, além de um extenso plano de conformidade a ser apresentado pela plataforma de mensagens.

O despacho marca uma das decisões mais robustas da ANPD desde sua criação e sinaliza uma mudança concreta na postura de fiscalização em relação às big techs. O compartilhamento de dados entre WhatsApp e Meta é historicamente objeto de controvérsias no Brasil — desde 2021, quando mudanças nos termos de uso levaram a uma reação de órgãos de defesa do consumidor, Procons e autoridades internacionais.

Agora, pela primeira vez, a ANPD exige auditoria externa independente, prazos rígidos e reformulações substanciais de como o WhatsApp informa, trata e compartilha dados pessoais no Brasil.

A decisão decorre da análise feita pela Nota Técnica nº 58/2025 da Coordenação-Geral de Fiscalização, que apontou diversos riscos, lacunas de transparência e potenciais ilegalidades no tratamento e compartilhamento de dados pessoais entre WhatsApp e Meta — esta última responsável, globalmente, por serviços como Facebook e Instagram.

Auditoria externa independente

Como medida preventiva, a ANPD determinou que o WhatsApp contrate, em até 45 dias úteis, uma auditoria externa independente, certificada e sem qualquer vínculo societário com o WhatsApp ou com a Meta. O objetivo é verificar:

  • se as medidas técnicas e organizacionais anunciadas pelo WhatsApp são efetivamente implementadas;
  • se tais medidas são suficientes para limitar a atuação da Meta à condição de operadora no tratamento dos dados dos usuários brasileiros;
  • se há mecanismos adequados para prevenir incidentes de segurança, incluindo acesso indevido de funcionários da Meta aos dados dos usuários.

A auditoria deverá analisar os controles, políticas e práticas das duas empresas à luz de normas internacionais como ISO/IEC 27701, ISO/IEC 29100 e ISO/IEC 29151. Ao final, o relatório deverá ser enviado à ANPD em até 5 dias úteis após sua conclusão. Se forem identificadas falhas, tanto o WhatsApp quanto a Meta terão 20 dias úteis para apresentar planos de ação corretiva, com prazo máximo de execução de 40 dias úteis.

Transparência

A decisão da ANPD obriga o WhatsApp a reformular amplamente o seu Aviso de Privacidade Brasil, sobretudo nas seções “Por que e como tratamos seus dados”.

Entre as imposições:

  1. Esclarecer quem é controlador e quem é operador

O WhatsApp deverá indicar, tratamento por tratamento, em quais operações as empresas do Grupo Meta atuam como operadoras (atuando sob instrução do WhatsApp) ou como controladoras (agindo com finalidades próprias).

  1. Informar quais empresas da Meta participam de cada tratamento

A decisão evidencia que o usuário brasileiro hoje não consegue identificar claramente quais empresas do conglomerado Meta tratam seus dados.

  1. Transparência sobre serviços opcionais integrados

A ANPD ordena que cada recurso opcional (como integrações com Facebook e Instagram) seja listado separadamente; para cada recurso seja explicitado que há compartilhamento de dados com a Meta como controladora; sejam incluídos hyperlinks para políticas de privacidade e termos específicos; sejam criados artigos próprios na Central de Ajuda explicando detalhadamente o fluxo de dados de cada recurso e as telas de transparência sejam apresentadas logo no início da interação com cada serviço opcional.

Além disso, deverá ficar explicitamente claro que os dados compartilhados com a Meta nos serviços opcionais podem ser usados para fins de publicidade — um ponto considerado crítico pela ANPD.

Outro ponto central da decisão é a Determinação 2, que impede que o WhatsApp continue utilizando a base legal de “execução do contrato” para justificar atividades de tratamento voltadas a aprimorar ou melhorar o serviço.

A ANPD determinou que a empresa deve:

  • parar imediatamente de usar essa hipótese legal para finalidades de melhoria;
  • definir nova base legal adequada para tais atividades.
  • Essa mudança tem impacto direto no modelo de negócios e na arquitetura jurídica do WhatsApp, que, como aplicativo gratuito, frequentemente se vale de bases legais amplas para justificar tratamentos de dados.
  • Proibições, recomendações e ajustes finos de conformidade

A decisão ainda determina incluir informação de que no Brasil não há tratamento para sugerir amigos, grupos ou conteúdos personalizados; ajustar a linguagem da coluna “principais categorias de informações usadas” para indicar com precisão quando o volume de dados varia; deixar explícito, serviço a serviço, que dados compartilhados com a Meta podem ser utilizados para publicidade e incluir no quadro de tratamentos as hipóteses legais correspondentes (recomendação).

O WhatsApp deverá apresentar, em até 20 dias úteis, um plano de conformidade detalhado, contendo os objetivos específicos; cronograma completo de execução; ações corretivas; mecanismos de acompanhamento.

A ANPD foi taxativa: o descumprimento das medidas preventivas será considerado circunstância agravante em eventual processo sancionador. O cumprimento, por outro lado, poderá atenuar eventuais penalidades. A decisão também determina que o WhatsApp se manifeste, em cinco dias úteis, sobre trechos classificados como restritos na Nota Técnica nº 58/2025.