Enterrar R$ 1,5 bi em fibra na Amazônia, tendo um satélite em órbita, não é um erro estratégico?

Se confirmado pelo Ministério das Comunicações a informação dada pela Agência Estado, de que a pasta estima gastar R$ 1,5 bilhão com a criação de uma rede de fibras ópticas em toda a Amazônia através do PAIS – Programa Amazônica Integrada e Sustentável – isso não será um erro estratégico e um programa caro?

O erro não está na decisão de criar um programa específico para a Amazônia ou do gasto de R$ 1,5 bilhão, em si, na implantação da rede de fibras nos leitos dos rios, que poderá dotá-la no futuro até do 5G. Qualquer que seja a política pública voltada para a região Amazônica isso terá custos e não será fácil implementá-la.

O erro estaria no custo operacional que virá depois com a manutenção técnica dessa rede. O Ministério das Comunicações precisa explicar não apenas quanto vai gastar para criar a rede, que já se sabe que virá com parte da arrecadação que o governo terá com o leilão do 5G. Precisa anunciar quanto pretende desembolsar depois para mantê-la funcionando.

E como fará.

Até agora esse encargo de gerir a implantação e a manutenção técnica da rede aparentemente ficará à cargo da RNP – Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, que contará com apoio de engenharia dos militares na região, pelo menos para a implantação. Afora isso, está previsto contatos com provedores locais que provavelmente receberão pares de fibras ópticas em troca dos serviços de manutenção. Via de regra tem sido assim os acordos montados pela RNP para viabilizar redes em todo o país.

Daí fica a indagação: depois de construída a rede ao custo de R$ 1,5 bilhão, mesmo com um desconto pelas fibras que receberão, quanto essas empresas poderão cobrar do governo por serviços de manutenção e qual o custo da banda larga que eles estarão livres para cobrar dos usuários, a maioria dos ribeirinhos no Amazonas?

A RNP é a mesma organização social “sem fins lucrativos” que prometeu ao governo conectar 16 mil postos de saúde no ano passado e no final, pelas últimas informações que este blog recebeu do Ministério da Saúde, somente 600 postos foram conectados no “esforço de guerra” para auxiliar no combate ao Covid-19. Tudo indica que o programa foi engavetado após a saída do ministro Mandetta.

Outro programa grandioso era fornecer em 2020 chips de telefonia celular para 1 milhão de estudantes universitários poderem baixar material e assistir aulas online. Segundo a própria RNP, apenas 128 mil alunos foram realmente “conectados” até agora.

Custo x benefício

Dar fibras em troca de manutenção técnica de rede na Amazônia pode ser uma saída para o governo, mas não para o usuário baixa renda daquela região se ele for pagar pelo custo dessa operação.

O próprio ministro Fabio Faria deveria se perguntar sobre essas questões. Pois a cada lançamento que faz dos pontos de acesso à Internet via satélite do programa “WiFi Brasil”, com velocidades de conexão de 20 Mbps, desmente o assanhamento ministerial de gastar R$ 1,5 bilhão em fibras ópticas numa região de difícil acesso.

O programa WiFi Brasil vem sendo executado pela Telebras, em parceria com a Viasat, e tem conseguido conectar, via satélite, comunidades excluídas digitalmente de forma muito mais rápida e provavelmente bem mais barata, do que se fosse esperar pela chegada da fibra óptica nessas localidades. Que inclusive não tem a selva para dificultar a operação.

Alias indaga-se: com R$ 1,5 bilhão em caixa, quantas antenas a Telebras poderia instalar na região Amazônica? A julgar pela simplicidade do programa WiFi Brasil, daria para colocar antenas até na Bolívia e provavelmente ainda sobraria dinheiro ao governo. Sem contar que agora todas as embarcações podem se beneficiar com antenas da Telebras/Viasat para conexão de Internet via satélite. E qual o custo de substituir uma antena x consertar um cabo no fundo do rio?

Foi levado em conta pelo Ministério das Comunicações que a fibra ficará no leito dos rios mas, sozinha, não levará banda larga para o interior da região? Como não se espera que o governo crie “provedores públicos de Internet”, então alguém pagará a conta no final para a iniciativa privada levar essa conexão, seja 4G ou 5G, até a fronteira com outros países. Vamos aguardar para saber quem e como.

Diante de tudo que expus, aproveito e indago outra vez do governo: se o usuário pagar a conta da operação, isso pode ser considerado política pública?