Numa manobra relâmpago, o governo decidiu na semana passada excluir da venda do sistema Eletrobras o seu braço para participações societárias: a Eletropar. No mesmo dia conseguiu levantar no Judiciário o processo de falência da Eletronet que vinha se arrastando há 17 anos. Resta saber para salvar a quem.
Na última quinta-feira (7), a 5ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro decretou o encerramento da falência da Eletronet e a devolveu para seus acionistas, a LT Bandeirante Empreendimentos e a Eletrobras Participações (Eletropar).
Foi uma manobra surpreendente, pois pela manhã saiu o decreto de exclusão da Eletropar do processo de privatizações da Eletrobras e, no fim do dia, o anúncio do fim da falência da Eletronet. A Eletropar detém 49% das ações ordinárias da Eletronet, é o maior acionista.
A falência da Eletronet é um caso histórico de uma empresa que já não deveria existir, mas continuou numa boa operando rede de alta velocidade para pequenos provedores no país durante os últimos 17 anos. Quem ganhou dinheiro com isso? Ninguém sabe, mas o governo certamente é que não foi.
A Eletronet é uma empresa que foi criada na época do Governo FHC a partir da LightPar, para explorar a banda larga de alta velocidade com uma rede de 17 mil quilômetros de fibras ópticas que passa pelas torres de transmissão de energia da Eletrobras.
Esse backbone, que teve participação de capital estrangeiro e agora deverá ser ressarcido pelo investimento que fez, é uma espécie de espelho da atual rede utilizada pela Telebras. Também criada a partir de um conjunto de fibras apagadas e ociosas nas mesmas torres de transmissão de energia por onde trafega a Eletronet.
Os motivos para a reativação ainda são obscuros. Este governo não fala, não explica seus atos. Mas pistas vão sendo deixadas pelo caminho, pois pode-se omitir informações sobre os reais objetivos, mas não tem como se evitar que as mesmas vazem ou sejam objeto de especulações que poderão se concretizar no futuro.
A quem interessaria a reativação da Eletronet?
Reativar a Eletronet significaria hoje salvar algumas empresas e até uma “organização social” vinculada ao governo, que viveram penduradas nas fibras ópticas do sistema Eletrobras e cresceram a partir delas nos últimos 17 anos. São três os maiores interessados: a Oi, a Telebras e, por fim, a rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP).
1 – Cenário da Oi
Essa empresa de telefonia já deveria ter fechado as portas devido aos prejuízos que acumula (R$ 12 bilhões de dívidas). Isso ainda não ocorreu porque tem vivido de injeções de recursos de pretensos sócios – que acabam não se concretizando o processo de compra – e da venda de ativos. Já vendeu praticamente tudo o que tinha, inclusive o seu backbone terrestre.
Hoje a Oi vive explorando serviços de banda larga e Comunicação Multimídia graças as fibras ópticas apagadas que negociou a preços de banana com a Eletrobras. Para não deixar a empresa fechar as portas, o que seria o caos nas telecomunicações brasileiras, o governo sempre fez vistas grossas nos compromissos de universalização da Oi, através desses contratos de compartilhamento de rede com a Eletrobras.
Obviamente a estatal do setor elétrico também lucra alguma coisa, pois isso é melhor do que manter parado o dinheiro que investiu numa rede de fibras que não utiliza no todo e que foi superdimensionada, muito além das suas reais necessidades de rede.
O dilema atual da Oi pode explicar a reativação da Eletronet. Como o governo mantém disposição de privatizar a Eletrobras, as fibras ópticas da estatal acabarão sendo transferidas durante o processo de venda para o novo dono do setor privado.
E, neste caso, do dia para a noite a Oi poderá perder a “sua” rede, pois não é seguro acreditar que quem venha a comprar a Eletrobras manterá essas fibras à disposição de quem hoje esteja alugando barato essa infraestrutura de comunicações. Ainda mais se for uma concorrente da Oi.
Já imaginaram uma empresa do tamanho da Oi sem banda larga e serviços de Comunicação Multimídia para oferecer ao Brasil?
2 – Telebras
A Telebras é considerada o “patinho feio” do setor de Telecomunicações desde que foi reativada em 2010. As teles não querem a presença dela e já manifestaram publicamente isso diversas vezes. Não há uma argumentação que seja de ordem técnica ou econômica, tudo não passa de viés político ou interesse monopolista.
Não é concebível o discurso de que a Telebras “rouba” o mercado de rede das teles. As mesmas que, para não gastarem do próprio bolso, preferiram se valer da Telebras ao usarem o backbone estatal para sustentar as comunicações durante a Copa do Mundo de 2014. O governo, por sua vez, não a utiliza, porque inexplicavelmente prefere pagar as empresas de telefonia pelo mesmo serviço de rede que a estatal poderia fazer, provavelmente a um custo bem menor.
A reativação da Eletronet pode significar que o governo acordou para o problema de não ter uma rede terrestre de alta velocidade para fazer políticas públicas. Todo o governo? Não.
Alguém precisa combinar isso com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, o MEC e o Ministério da Defesa. Porque essa turma até agora prefere pagar às teles para ter serviços de rede, nos mesmos 17 mil quilômetros do país em que opera a rede da Telebras. Não esquecendo que agora o Ministério da Saúde também está entrando nessa dança por causa da pandemia do Covid-19.
O problema é que as fibras ópticas do backbone da Telebras passam pelas mesmas torres de transmissão de energia da Eletrobras. Então, quem poderia assegurar hoje ao governo que ele continuará se servindo delas, após vender todo o sistema elétrico brasileiro? Pagando o mesmo preço módico no aluguel das fibras, que a Telebras paga hoje para a Eletrobras? Que só cobra barato justamente porque é melhor do que ter prejuízos com fibras apagadas, sem uso?
Aliás, a própria Telebras só não foi vendida ainda pelo governo, porque este descobriu tardiamente que ela não tinha um backbone terrestre para ofertar ao mercado. Tudo estava alugado na Eletrobras. Seu preço de venda e interesse do mercado por ela seriam praticamente nulo.
O único ativo que a Telebras dispõe, que seria a “joia da coroa” para a venda é o Satélite Geoestacionário. Mas os militares não aceitam a ideia por experiências ruins que tiveram no passado com serviços prestados pelo setor privado. Além disso, para os militares ter um satélite próprio é questão fundamental de Segurança Nacional. Imaginem numa situação de conflito as conexões do satélite serem desligadas por uma empresa privada, atendendo aos pedidos do “inimigo”?
3 – RNP
A Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) é uma “organização social”, privada, mas vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações. Que ao longo dos últimos anos – por razões ainda desconhecidas, já que não é auditada por ninguém – tem sido a aposta do governo nos investimentos de uma rede para atender a comunidade Científica (ICTs) e Acadêmica (Universidades Federais).
A RNP, embora seja privada, atende ao setor público graças à sua infraestrutura metropolitana, construída com recursos públicos. E esta rede metropolitana se interliga através de um grande Backbone, que foi montado pela entidade que se diz “sem fins lucrativos” graças a quem?
A Eletrobras. Mas lembrem-se, estamos falando de Brasil, onde as coisas acontecem por “milagres” que nem Deus ousaria explicar.
Então, repetindo: a RNP opera como um “intermediário privado”, para o governo conectar Universidades Federais e Institutos de Ciência e Tecnologia por meio do uso de fibras ópticas da Eletrobras, que ainda é do governo.
Só que ela não aluga a infraestrutura diretamente da Eletrobras. O backbone da RNP na realidade é fruto de contratos feitos com a Oi. A mesma empresa de telefonia que, por sua vez, é quem aluga as fibras da estatal do setor elétrico, para depois vender serviços de conexão em banda larga de alta velocidade e de Comunicação Multimídia (SCM), inclusive ao governo.
Deu para entender?
Em meio a essa inexplicável operação, também acendeu um sinal amarelo dentro do MCTIC para a situação da RNP, em função da futura privatização da Eletrobras.
Pois a RNP terá problemas para interligar as suas redes metropolitanas e agora regionais, caso o “backbone da Oi”, que na realidade é o da Eletobras, seja vendida pelo governo. Pois não está garantido que o novo comprador da Eletrobras vá oferecer os mesmos preços e condições de uso desse backbone para a Oi ou a RNP.
Em resumo, o governo ao privatizar a Eletrobras, pode acabar sabotando as inexplicáveis operações “publico-privadas” terrestres, em rede de conexão de alta velocidade que presta para o próprio governo. Lindo, não?
*Fica então a indagação: para quem o governo está sinalizando que irá salvar da quebradeira, ao reativar a falida Eletronet?