Documentos obtidos por este site através da LAI – Lei de Acesso à Informação, mostram que a direção do Serpro deu andamento relâmpago ao processo administrativo de contratação de PwC – PricewaterhouseCooper em apenas três dias. O objetivo era realizar um contrato emergencial (sem licitação) de “consultoria especializada em avaliação e diagnóstico de sistemas críticos”, no valor de R$ 12,3 milhões.
Entre os dias 28 de janeiro e 31 do mesmo mês, todos os procedimentos administrativos foram realizados a toque de caixa. O contrato foi publicado no Diário Oficial da União do dia 5 de fevereiro.
Na pressa, o contrato aprovado com a Price, atropelou até o aval que deveria ser dado oficialmente em pareceres de advogados da Consultoria Jurídica da estatal, se seria legal ou não a contratação emergencial. Que somente chegou após a diretoria “bater o martelo” na escolha da empresa, sem licitação.
Pelas datas desses documentos que trazem a memória de todo o processo que levou à contratação da Price (Atas de reuniões internas com empresas, discussão do modelo de consultoria com as empresas interessadas, entregas de propostas, correspondências entre instâncias administrativas do Serpro) ficou evidente que essa “consultoria” seria realizada em cima de duas suposições frágeis, pela ausência de informações que pudessem comprovar a emergência de se gastar R$ 12,3 milhões em um serviço de consultoria.
Seriam elas: 1- a falha ocorrida no Siscomex poderia se alastrar para outros grandes sistemas do Serpro, mesmo depois dela ter sido mitigada pelos técnicos (tese derrubada depois pelo Tribunal de Contas da União); e 2 – havia suspeitas de que essa falha ocorreu por “sabotagem”, sem que nenhum fato concreto tenha sido apresentado nessa direção.
Mesmo não tendo em mãos neste período um parecer oficial da área jurídica, que garantisse a legalidade da decisão de contratar uma empresa sem licitação, tal situação não preocupou a diretoria da estatal. O risco de os advogados auditores do Serpro negarem a proposta do contrato emergencial era mínimo, pois todo o processo de planejamento técnico e jurídico estava sob o controle do diretor de Operações, general Antonino Guerra e do diretor Jurídico e de Governança, Gileno Gurjão, um ex-funcionário da PwC.
Eles agiram por inspiração do presidente do Serpro, Caio Paes de Andrade (foto principal), que desde o início das discussões contrariou todas as sugestões técnicas que envolvessem funcionários da casa, mas que pudessem diminuir o custos do serviço. Caio queria uma empresa privada avaliando os sistemas do Serpro a qualquer preço.
Histórico
Em 25 de novembro de 2019 o Ministério da Economia foi surpreendido com o noticiário nacional e estrangeiro, de que ocorreu falha na transmissão dos registros referente à extração e gestão de informações críticas de dados estatísticos das exportações brasileiras. Ao invés de somar US$ 9,681 bilhões, as vendas externas brasileiras deram um salto para US$ 13,498 bilhões.
Com isso, o governo gerou uma informação falsa de que a balança comercial brasileira no período teria saído de um déficit de US$ 1,1 bilhão para um superávit de US$ 2,717 bilhões, no tocante a diferença entre as exportações e importações.
Imediatamente começaram a pipocar análises e suspeitas dentro e fora do Brasil, através da imprensa, de que poderia estar ocorrendo uma “manipulação” de informações sobre a balança comercial brasileira.
Após verificação técnica interna no Serpro descobriu-se que tal erro teria ocorrido em função de falhas no tratamento dos dados extraídos do sistema relativos às Declarações Únicas de Exportação (DUE´s), posteriormente encaminhados à Secretaria de Comercio Exterior do Ministério da Fazenda. Esses dados, que subsidiam o governo a divulgar a balança comercial, estavam apresentando divergência nos valores de exportação. Medidas para corrigir a falha foram imediatamente tomadas pelas equipes do Serpro, mas o estrago na imagem do governo e da empresa já tinha ocorrido.
Consultoria Externa
Ao chegar em dezembro, o Serpro estava sob forte pressão do Ministério da Economia, para apontar os responsáveis pelo erro cometido na balança comercial. Em outras palavras, o ministro da Economia, Paulo Guedes, queria a cabeça dos técnicos responsáveis pela falha. Foi quando se começou a discutir dentro da estatal a contratação de uma consultoria externa, que pudesse informar se as medidas adotadas para mitigar o problema estavam em conformidade técnica com as praticadas no mercado privado, além de apontar as responsabilidades pelo episódio.
Houve uma reunião no dia 10 de dezembro, o primeiro contato com empresas privadas que se tem notícia, para tratar desse assunto, convocada pelo presidente da estatal, Caio Paes de Andrade – que também coordenava o “Comitê de Gerenciamento de Crise” – com a direção da Accenture. O encontro teria servido para a “delimitação do escopo da proposta enviada pela Accenture”, para a realização da avaliação nos sistemas do Serpro.
O resumo da Ata desta reunião informado pelo Serpro, que está sob sigilo, é interessante, pois esclarecem dois pontos até então considerados obscuros. O primeiro deles é que em dezembro de 2019, logo depois da falha identificada no Siscomex, a tese de que poderia ter havido uma “sabotagem” foi levada à público na reunião com os executivos da Accenture pelo diretor de Operações da estatal, general Antonino Guerra. Contudo, o documento não fornece algum elemento que possa entender o porquê do diretor externar essa opinião. Não há elementos que apontem os motivos dessa suspeita.
Já o segundo ponto foi a defesa feita por um executivo da Accenture – cujo nome foi rasurado no documento entregue a este site para preservar sua identidade – de que mesmo mitigada a falha pelos técnicos do Serpro, havia a possibilidade dela se espalhar para outros sistemas. Fato que de lá para cá aparentemente não ocorreu, a não ser que o Serpro tenha identificado com antecedência e resolvido o problema sem dar publicidade a ele. Sendo assim restaria uma dúvida: se foi capaz de identificar novas falhas sozinho, para quê contratar emergencialmente uma consultoria por R$ 12,3 milhões?
Novas reuniões com a Accenture, além de outras empresas, se sucederam ao longo do mês e janeiro de 2020. Todas com o objetivo de identificar a melhor proposta de trabalho e preço cobrado pelo serviço. Foram ouvidas nesse período as proposições das empresas Accenture, Price e Ernst & Young.
Quando chegou o dia 28 de janeiro a direção do Serpro, por meio do seu Comitê de Crise, decidiu que a melhor proposta era a da Price, porque seu serviço seria justificável numa contratação emergencial, porque seria feito com recursos técnicos próprios, não dependendo de ferramentas da estatal.
O diretor de Operações, general Antonino Guerra, conseguiu no encontro com a direção da Price um desconto de 10% na proposta o que levou o preço estabelecido para o serviço a R$ 12.317.301,14, portanto bem abaixo dos demais concorrentes. Porém, devido aos ajustes necessários, a formalização da nova proposta da Price ficou para ser apresentada no dia seguinte (29) quando a empresa encaminhou a papelada ao general Guerra.
A partir daí ocorreu o milagre da eficiência administrativa dentro do Serpro.
No dia 29 de janeiro, às 9 horas da manhã, o diretor de Operações, general Antonino Guerra, voltou a se reunir com representantes da PwC. Este encontro contou com as presenças do corpo técnico e administrativo do Serpro. A PwC, agora a empresa escolhida para avaliar os sistemas da estatal, com o foco no Siscomex, tinha seu primeiro encontro oficial com o “novo cliente”. Nesta reunião também esteve presente o diretor Jurídico e de Governança, Gileno Gurjão Barreto, o ex-funcionário da Price.
Terminada a reunião, começa a correria administrativa fora do comum na estatal, para concretizar a assinatura do contrato. Mesmo sem um parecer jurídico pronto, que garantisse ao Serpro a segurança jurídica de poder realizar uma contratação direta dispensando a licitação.
O parecer somente tornou-se oficial no dia 31 de janeiro, quando o Diretor Jurídico assinou digitalmente o documento.
Cabe neste caso indagar ao diretor Gileno, onde estão as assinaturas digitais dos advogados da Superintendência Jurídica do Serpro (SUPJU), que não aparecem no documento abaixo da dele. Quem são os advogados que aprovaram a contratação emergencial da PwC com dispensa de licitação, entretanto fazendo ressalvas que não avaliaram o mérito da proposta técnica, apenas os preceitos legais que fundamentariam a contratação?
No Parecer Jurídico 93/2020, a qual tratam o documento como uma “minuta”, esses mesmos advogados questionaram a ausência dos seus nomes nele: “Logo, observados os apontamentos e recomendações exaradas neste Parecer, temos que a presente Minuta – a qual não contempla campo para assinatura de testemunhas, fato este que deve ser ponderado e eventualmente adaptado pela Administração – encontra-se apta à finalidade a que se propõe”.
Resolvido o problema do parecer jurídico, nova correria administrativa se deu dentro de Serpro e na mesma data (31 de janeiro de 2020).
A primeira medida ocorreu às 11h29 na SUPCD (Superintendência de Produtos e Serviços – Centro de Dados). Alguém, que o Serpro omitiu o nome nos documentos entregues a este site via Lei de Acesso à Informação (LAI), solicitou ao diretor de Administração, Antônio de Pádua Ferreira Passos, a liberação de R$ 12.317.301,14 para a contratação emergencial da Price.
Pádua autorizou a liberação do dinheiro às 14h44, em resposta ao pedido do funcionário da SUPCD, que não pode ter o nome revelado. Pelo menos cópia desta mensagem foi encaminhada por Pádua também para os diretores Antonino Guerra (Operações) e Gileno Gurjão (Jurídico e Governança). Estes não gozam do privilégio do anonimato.
Liberado o dinheiro pela área administrativa, o processo de contratação disparou ainda mais. No mesmo dia 31 foram feitas a consulta de regularidade da Price (16h08), o protocolo de empenho (16h27), o encaminhamento do empenho ao Siafi (16h51). O contrato seguiu para a assinatura entre as partes no dia 4 de fevereiro e a publicação no Diário Oficial da União no dia 5.