O Serpro negou o acesso à informação solicitada por este blog com base na Lei 12.527 ( Lei de Acesso à Informação), que explicaria o teor do “Acordo de Cooperação nº124.479/2022”; publicado pela estatal no Diário Oficial do dia 10 de junho com a empresa DrumWave Brasil Tecnologia Ltda. Sob o argumento do “sigilo comercial”, para sonegar a informação, o Serpro acabou caindo em diversas contradições e deixou indícios de que está criando um modelo de negócio que poderá até envolver até transferência de dados de brasileiros para o exterior, sem o devido consentimento dos titulares ou aprovação prévia da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

DrumWave

Fundada em 2015 na Califórnia, a DrumWave criou o seu escritório no Brasil em 2019 e conta com outra unidade em Singapura. Ela é comandada em Palo Alto, no Vale do Silício, pelos brasileiros Andre Vellozo (CEO da companhia), Bruno Aracaty e Santiago Ortiz. Nos últimos seis anos outros cofundadores foram se agregando à empresa, gente de peso e prestígio no mundo financeiro e da Tecnologia brasileira e norte-americana. Entre eles destaca-se o ex-CEO da Visa no Brasil, Fernando Teles.

Não há como não duvidar que informações de brasileiros serão repassados para a DrumWave. A empresa desenvolveu o “Personal dWallet”, um ecossistema de monetização de dados, que permite ao titular das informações negociar diretamente uma “remuneração” com diversas plataformas, que monitoram a navegação e coletam diariamente informações de internautas visando fins comerciais.

*Leia a reportagem completa sobre o assunto:

Serpro e empresa no Vale do Silício fecham acordo secreto envolvendo dados de brasileiros

Negativa da LAI

A direção jurídica do Serpro negou provimento do acesso aos termos do acordo, sob a alegação que o objetivo seria “evitar a frustração de possíveis estratégias comerciais do Serpro”. Daí ter celebrado um “Termo de Confidencialidade” com a DrumWave para impedir “o acesso, por terceiros, ao instrumento celebrado e ao conteúdo das tratativas dele decorrentes”. Como se na Internet não existissem entrevistas de executivos da empresa do Vale do Silício, que seriam suficientemente esclarecedoras sobre o que ela faz no mercado e que tipo de acordo e objetivos podem estar contidos no texto do documento assinando com a estatal.

A estatal também minimizou os termos desse acordo, que não mostra: “cuida-se, assim, de acordo preliminar, por meio do qual se pode prever a realização de testes, experimentos, protótipos, estudos e outras medidas para avaliar a viabilidade técnica e comercial de oportunidade de negócio, de forma a reunir informações para a etapa de planejamento de oportunidade de negócio pelo SERPRO, ainda que sem objeto ou escopo definido”, afirma.

Contradições

Na negativa do acesso à informação, o Serpro trata o acordo com a DrumWave como sendo um “Acordo de Cooperação Técnica de Parcerias de Negócios“. Ou seja, a proposta vai além de ser apenas alguma consultoria técnica que a empresa do Vale do Silício daria para um projeto criado e de interesse da estatal.

Há a nítida manifestação de interesse das empresas de realizarem uma parceria público-privada, não negada pela estatal. “Não se trata de um procedimento competitivo, mas do desenvolvimento de um diálogo público-privado, procedimento que não prevê transferência de recursos públicos ou prestação de serviços, cujas circunstâncias justificam o afastamento da publicidade do instrumento”, explicou. Sendo assim, por que negar o acesso à informação de algo considerado tão trivial para a empresa?

Entretanto, tal acordo não parece ser uma avaliação tão “preliminar” como alega a empresa estatal e muito menos poderia ser considerado apenas um “diálogo com agente econômico”, se confrontado com a quantidade de reuniões realizadas entre a direção do Serpro e da DrumWave, com a participação de autoridades do Ministério da Economia e executivos de um terceiro personagem nessa história, que foi a multinacional IBM.

Ao todo foram realizadas nove reuniões ocorridas entre 1º de fevereiro e 25 de julho deste ano. Essas “reuniões preliminares”, que ocorreram por meio de videoconferência, movimentaram as agendas de pelo menos 34 autoridades do governo e executivos da iniciativa privada. Os participantes desses encontros foram os seguintes:

Governo Digital

Caio Mário Paes de Andrade – Secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital
Fernando André Coelho Mitkiewicz – Secretário de Governo Digital (subordinado de caio)
Emmanuelle Regiane Cunha de Oliveira – Diretora de Experiência do Usuário de Serviços Públicos (SGD)
Renan Mendes Gaya Lopes dos Santos – Diretor do Departamento de Governança de Dados e Informações (SGD)
Hudson Mesquita – Coordenador-Geral de Plataformas de Identidade Digital (SGD)
Renan Maya, Coordenador-Geral de Interoperabilidade (SGD)
Rone Alves – (SGD-CGINT)
Dickson Rafael – (SGD-CGINT)
Eduardo Augusto – (SGD-CGINT)

Serpro

Gileno Gurjão Barreto – Diretor-Presidente
Ricardo Cezar de Moura Jucá – Diretor DIDES (Diretoria de Desenvolvimento)
Rafael Soto – Superintendente de Digitalização de Governo
Welsinner Brito – Superintendente de Serviços e Engenharia de Solução Digital
Giordanni Paiva – Superintendente de Soluções Analíticas e Inteligência Artificial
Sérgio Theodoro – Superintendente de Digitalização da Receita Federal
Alexandre Ávila – Superintendente de Relacionamento com Clientes de Governo
Jonas Vian – Analista de Sistemas
Cleverson Sacramento de Oliveira – Analista de Sistemas
Robson Saraiva Ximenes – Analista de Sistemas
Dulcimara Roberta Ferreira Delfes – Funcionária do Serpro
Danielle Eulalia Lelis dos Santos – Analista de Negócios
Walter de Carvalho Mattos Galvão – Funcionário do Serpro

DrumWave

Andre Vellozo, Fundador e CEO da DrumWave
Fernando Teles, President da DrumWave
Bruno Aracaty, COO (Chief Operating Officer)
Alberto Blumenschein, CEO e Founder
Raquel Oliveira, CGO DrumWave

IBM

Cristiano Braghin – Account Executive at IBM
Robson Jardim – IBM Sales Principal Leader – Government
Denise C Moraes – IBM Account Technical Leader for Serpro at IBM Brazil
Fabio Mucci – Sales Principal Leader – Data, Automation & AI Apps, Brazil
Marcos Engel – Sales Specialist & Ecosystem providing Digital Transformation
Leonardo Gantois – Sales Account Executive at IBM

Fica muito difícil crer que o governo abriu agenda para nove “reuniões preliminares” ocorridas nos últimos seis meses com uma mesma empresa, envolvendo 34 executivos do setor público e privado, se já não tivesse o interesse manifestado internamente de fechar algum acordo comercial. As pautas das reuniões nas agendas constavam o tema “Data Wallets/Monetização de Dados” (exatamente a expertise comercial da DrumWave). E à medida que as conversas foram se aprofundando, os encontros passaram a ser chamados de “DrumWave – Wallet de dados do cidadão”. Seria este o futuro nome oficial do projeto governamental?

O primeiro encontro entre a DrumWave e o governo ocorreu no dia 1º de fevereiro de 2022, segundo agenda da Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia. Foi quando pela primeira vez a empresa norte-americana se apresentou aos agentes do governo brasileiro. Ninguém do Serpro participou deste encontro, o que significa que a iniciativa de estabelecer um acordo comercial aparentemente não partiu da estatal.

A primeira reunião contou com as presenças do secretário de Governo Digital Ministério da Economia, Fernando André Coelho Mitkiewicz e seu chefe direto, o secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Caio Mario Paes de Andrade (hoje presidente da Petrobras). Do lado da empresa estiveram na reunião os três sócios da DrumWave: André Vellozo, Fundador (CEO); Fernando Teles (Presidente) e Bruno Aracaty, (COO -Chief Operating Officer).

Os mesmos personagens se repetiram na reunião ocorrida depois, no dia 7 de março, cujo tema do encontro, segundo a agenda do Ministério da Economia, foi “Data Wallets/Monetização de Dados”.

A partir desses dois primeiros contatos seguiram-se outras sete reuniões da direção da DrumWave com mais representantes do governo, inclusive do Serpro e executivos da IBM. O que pressupõe que futuramente será feito algum tipo de negócio hospedado nuvem da IBM. Nos EUA a gigante de tecnologia foi apontada como apoiadora na criação da DrumWave.

Proteção de dados

É impressionante como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) não goze de nenhum prestígio dentro do Ministério da Economia e no setor privado. Nas agendas de nove reuniões não consta a presença de nenhum advogado ou encarregado de proteção de dados, para fazerem suas considerações gerais sobre o escopo de um acordo que nitidamente envolverá o uso de dados de cidadãos brasileiros.

Simplesmente ocupantes de cargos executivos do governo e de empresas privadas discutiram um acordo comercial que necessitará do uso massivo das informações de brasileiros, sem que em nenhum momento houvesse uma voz para levantar a conveniência de estudar previamente e melhor o assunto, em função de eventuais impeditivos criados pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

*Todas as agendas dos encontros com os respectivos nomes dos executivos participantes podem ser acessadas na Internet:

–Terça-feira 1º de fevereiro de 2022 -14hs

Agenda de Fernando André Coelho Mitkiewicz para 01/02/2022

Pauta: Data Wallets/Monetização de Dados – Local: Videoconferência.

–Segunda-feira 07 de Março de 2022 -17h30

Acompanhar Caio Mário Paes de Andrade, Secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia SEDGG/ME, audiência com Fernando Teles, Presidente da empresa DrumWave.

–Sexta-feira 11 de Março de 2022 – 17hs

Diretora do Departamento de Experiência do Usuário de Serviços Públicos, Emmanuelle Regiane Cunha de Oliveira

Local: Videoconferência Microsoft Teams.

–Quinta-feira, 17 de Março de 2022 – 14hs

Diretora do Departamento de Experiência do Usuário de Serviços Públicos, Emmanuelle Regiane Cunha de Oliveira

Pauta: Reunião com Secretaria de Governo Digital-ME e DrumWave
Local: Videoconferência Microsoft Teams .