O presidente do Serpro, Alexandre Amorim, é uma figura um tanto controvertida. Enquanto faz questão de aparecer em fotos de visitas de parlamentares petistas nas dependências da empresa, por trás toma decisões contrárias aos interesses políticos do partido e deixam a estatal sob risco de punições futuras. Está em curso uma manobra conduzida por ele que visa mudar até o fim do mês o organograma da empresa, com repercussões negativas futuras perante os organismos de controle.
A mudança sinaliza uma opção do Serpro em desmantelar a sua área responsável pela criação de novas soluções, levando parte do desenvolvimento de software para a área de Operações. Além disso, inexplicavelmente a área responsável pela comercialização de produtos na Administração Federal também ficará encarregada de controlar esse mesmo desenvolvimento de software.
A “Dides”, como é chamada a Diretoria de Desenvolvimento está em vias de ser esvaziada. Está perdendo uma Superintendência, quatro Departamentos e 14 Divisões para a Diretoria de Operações (“Diope”). Além disso, um outro departamento dela e mais três divisões também serão todos transferidos para a Diretoria de Relacionamento com Clientes (“Dircl”).
Por que?
Só é possível encontrar uma resposta para essa decisão na briga política que está instalada há sete meses dentro da empresa por conta de nomeações para as diretorias. Alexandre Amorim deixa transparecer um clima de paz com o PT. Chegou a fazer foto recentemente com o deputado Lindbergh Farias (RJ), mas esse clima de suposta “amizade” ou de “engajamento político” acaba aí.
Nos bastidores da empresa, Amorim reluta em nomear para a Diretoria de Desenvolvimento o candidato indicado pelo senador Humberto Costa (PT/PE), que conta ainda com o apoio político da senadora Tereza Leitão (PE) e do deputado Carlos Veras (PE), ambos da bancada petista de Pernambuco.
O nome indicado por Costa para o cargo de diretoria é o do Analista de Gestão, Álvaro Cavalcante Reis, que há meses espera pela sua confirmação no Conselho de Administração do Serpro. Mas a indicação nunca é posta para avaliação e aprovação por Amorim, mesmo depois dela passar pelo crivo e aprovação da Casa Civil da Presidência da República.
Está claro que a manobra de Amorim visa transformar o novo diretor de Desenvolvimento num quadro inútil para as atividades da estatal, já que sobrou muito pouco na área que ele comandará para produzir e executar dentro ou fora do Serpro.
O curioso nessa manobra é que o presidente do Serpro não comprou apenas uma briga com o PT. Os funcionários não estão satisfeitos com os desdobramentos dessa decisão. Pois foram exatamente os mais atingidos – os desenvolvedores de software – que procuraram o blog para reclamar da situação. Os “Devs” estão preocupados porque a empresa está fazendo uma opção temerária de abandonar a criação para se transformar em um “customizador” de aplicações desenvolvidas na iniciativa privada.
Bolsonarismo
Mas a confusão maior que o presidente do Serpro, Alexandre Amorim, comprou para si foi sinalizar que está queimando politicamente uma diretoria petista que ainda nem entrou, para turbinar outra área, cujo titular vem do período bolsonarista da empresa e que esperava-se que caísse no Governo Lula . O beneficiado com a briga é o Diretor de Relacionamento com Clientes, André de Cesero. Na gestão bolsonarista foi um dos responsáveis por gerar um trauma sem precedentes na maioria dos funcionários da estatal, que passaram quatro anos convivendo com o temor da privatização. Está claro que Amorim prefere prestigiar um diretor bolsonarista mal visto dentro da empresa, a ceder poderes ao PT.
André de Cesero há anos vive pendurado numa diretoria qualquer do Serpro. Reza a lenda política que ele é apadrinhado pelo senador José Sarney (MDB-AP), mas ninguém nunca pode comprovar a veracidade disso. Mesmo assim, ele construiu um forte relacionamento com a Receita Federal, o que sempre lhe favoreceu no processo de escolha de diretores pelo Ministério da Fazenda.
Havia uma expectativa que desta vez ele deixasse em definitivo o Serpro, mas André de Cesero parece ter sete vidas. Tudo indica que não apenas continuará na direção da empresa mas, também, com essa mudança no organograma feita por Amorim sairá fortalecido do episódio, ampliando os seus poderes na Diretoria de Relacionamento com Clientes. André de Cesero, que já controlava os contratos da estatal na esfera administrativa federal, nessa mudança também passará a ditar as regras das futuras contratações e “parcerias” do Serpro com as empresas privadas.
Barriga de Aluguel
O problema dessa confusão política é que a mudança no organograma poderá gerar sérias complicações futuras para o Serpro junto aos organismos de controle. Está claro que a decisão adotada pela direção durante o Governo Bolsonaro, de turbinar as “parcerias” previstas na Lei das Estatais como forma de ganhar agilidade foi um bom negócio para a estatal e diversas empresas privadas.
Ao desconsiderar a realização de licitações públicas para diversos serviços que sublocou no mercado privado, o Serpro sinaliza agora que está caminhando para se consolidar como “barriga de aluguel” até para além das suas fronteiras, criando um esquema de burla à Lei de Licitações jamais vista na área federal.
Quando decidiu desmantelar a sua área de Desenvolvimento, Alexandre Amorim mostrou que a estatal tenderá a fazer cada vez mais “parcerias” com o setor privado, para atender com soluções já desenvolvidas por essas empresas aos contratos que assina na Administração Federal. Isso poderá abrir as portas do Serpro para uma prática nefasta nas compras governamentais: sem licitação, não está descartada a combinação de preços entre as empresas, ministérios e a própria estatal, após assinada as tais “parceiras”.
Basta que uma empresa tenha um “bom contato” engatilhado com um gestor em um ministério, para que seja combinada a contratação sem licitação. Não necessariamente pela dispensa por questões emergenciais ou pela notória especialização, dispositivos aceitos conforme prevê a lei 8.666.
O desvio virá do Serpro. A empresa privada fecha um acordo comercial com o gestor ministerial, combina o preço e o prazo de execução. Só que na hora de efetivar o negócio chama o Serpro para concretizá-lo em seu nome. A estatal goza da dispensa de licitação por ser um processo de compra entre dois entes públicos. Sendo assim, o Serpro fecha o negócio com o ente público, já com o seu preço embutido ou negocia um percentual depois quando subcontratar a mesma empresa privada que iniciou as tratativas desse acordo comercial no ministério, mas queria escapar da licitação.
Para dar ares de legalidade, o Serpro passa a ser a executora do contrato com o ministério. Mas quem fará o serviço será a empresa privada. Os desenvolvedores da estatal remanejados para a Diretoria de Relacionamento com Clientes, de André de Cesero, farão o trabalho de customização das soluções com os sistemas do Serpro, para que a empresa privada possa garantir a qualidade e a efetividade dos serviços que está prestando como subcontratada. O Serpro vira nesta caso um passador de atestado para empresas privadas continuarem ganhando dinheiro na Administração Pública Federal. Mas somente aquelas que gozarem do privilégio de serem “parceiras”. A licitação deixará de ser regra.
E a estatal malandramente ainda fará o seu “marketing” dizendo que está prestando mais um serviço com a qualidade Serpro. Isso não chega a ser novidade na empresa. Um caso típico dessa manobra é a multinuvem da estatal. Que até agora era uma farsa montada para abrigar os grandes provedores do serviço na Esplanada dos Ministérios, sendo que quem detém o contrato é o Serpro.
Diversos ministérios têm serviços de nuvem por meio de contratos com o Serpro, mas quem os executa são os grandes provedores. A estatal apenas indica qual o provedor ideal prestará o serviço no papel que ocupa como integrador (“Broker”) e ganha sua comissão por isso. Não é à toa que como intermediário do negócio para multinacionais, o Serpro vem apresentando o serviço de nuvem mais caro da Esplanada dos Ministérios, num comparativo com o serviço cobrado pela nuvem federal da Secretaria de Governo Digital (SGD).
Veja a reportagem:
Essa mudança no organograma feita pelo presidente Alexandre Amorim sinaliza que a tendência é que essa “barriga de aluguel” cresça ainda mais dentro da estatal. A empresa já mantém uma lista respeitável de “parcerias”. Acredita-se que novos pretendentes estão a caminho, esperando apenas que seja resolvida a mudança no organograma, quando os diretores petistas não tiverem condições de barrar os novos contratos.
Veja a lista de “parceiros” do Serpro: (algumas não informaram os valores, mas pelas datas de vencimento ainda estão ativas).