Um estudo comparativo de preços de serviços de nuvem – que leva em conta quanto cada órgão público paga em dólar por provedor – feito nos contratos da Secretaria de Governo Digital com os do Serpro, aponta um sobrepreço de 515% em desfavor da empresa estatal. Para essa avaliação foi tomada por base os valores praticados pela AWS (Amazon Web Services), principal provedora de nuvem do governo federal e que atende tanto o Serpro quanto a SGD através da Ata de Registro de Preços do pregão eletrônico Nº 18/2021.
O blog teve acesso ao estudo e a informação de que tanto a Secretaria de Governo Digital quanto a Central de Compras do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos dispõem de um documento bastante similar. Embora os técnicos da Central tenham sido procurados para falar sobre a questão, acabaram optando por não se manifestar.
A discrepância de 515% constatada pelos analistas do mercado foi obtida através da análise do modelo de negócios estabelecido pela estatal e provedores parceiros com os órgãos federais. Os custos de outros provedores como Google e Microsoft também foram avaliados – já que essas empresas também ocupam liderança junto com a AWS no mercado governamental brasileiro -, além de participarem das multinuvens da SGD e do Serpro.
Para a comparação com o custo da multinuvem os analistas tomaram por base o contrato do Serpro e seus parceiros assinado com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Além disso compararam também com o preço de lista que os provedores oferecem ao mercado.
Levando em conta o preço de cada serviço cobrado pela estatal e quanto os órgãos transferem para os provedores com valor na cotação em dólar, a discrepância ficou evidente e exorbitante ao fim de 12 meses de vigência desse contratos:
Metodologia
Como nem sempre o Serpro é transparente na forma de informar sobre o calculo que fez para chegar aos valores dos seus contratos com entes públicos, no comparativo Serpro x SGD os especialistas desenharam uma “arquitetura base” de serviços em nuvem levando em conta a seguinte carga de itens:
1 MÁQUINA VIRTUAL INTEL 4 vCPU | 16 GB RAM LINUX OPEN – 30 DIAS
2 MÁQUINA VIRTUAL INTEL 16 vCPU | 64 GB RAM WINDOWS – 30 DIAS
3 ARMAZENAMENTO BLOCO SSD – 10 TB POR 30 DIAS
4 ARMAZENAMENTO OBJECT STORAGE STANDARD – 10 TB POR 30 DIAS
5 BANCO DE DADOS GERENCIADO SQL SERVER – 4 vCPU | 16 GB RAM – 30 DIAS
6 TRÁFEGO DE SAÍDA DE REDE – 10 TB
Ficou evidenciado para os analistas que, enquanto na Ata de Registro de Preços do Pregão Eletrônico Nº18/2021 a Secretaria de Governo Digital cobra no máximo R$ 2,00 para cada dólar consumido nos serviços de nuvem; o Serpro em seu contrato com o CNJ estipulou métricas onde chega a cobrar mais de R$ 10,00 pela mesma unidade de consumo da nuvem.
Até o Ministério Público Federal realizou um pregão este ano, que contou com competição de 10 empresas. Nos resultado final os provedores cobraram em média R$ 3,37 por dólar consumido; um valor que é três vezes menor que os que eles vêm praticando no Serpro.
Em resumo, o Serpro consegue ser muito mais caro que a multinuvem da SGD, mais caro também que um edital feito pelo Ministério Público Federal para contratação de nuvem e da mesma forma na comparação dos seus preços com os que os provedores de nuvem oferecem ao mercado em geral. Quem compra hoje serviços de nuvem do Serpro pode estar levando gato por lebre.
A estatal também firmou um contrato direto com a AWS de mais de R$ 12 milhões, sem pregão ou competição, para revender “serviços profissionais” cobrando por hora R$ 1.297,00. Esse preço seria, segundo analistas cinco vezes mais caro do que os praticados pelos integradores, que poderiam oferecer à iniciativa privada valores bem melhores, ao estimular a competição pelo contrato entre os provedores multinacionais.
Indaga-se: o Serpro, estatal vinculada ao Ministério da Fazenda, resolveu agora atuar no mercado como revendedor serviços de nuvem de multinacional? Por que não contar com a mão de obra especializada nacional e fomentar a indústria local?
Falta de expertise
O Serpro não conta com integradores e brokers especializados para operar o mercado de nuvem; continua atuando como sempre fez na oferta e contratações diretas de seus serviços aos órgãos federais: a dispensa de licitação. Bom para a estatal, péssimo para a administração pública. Porém, em ambiente de nuvem, que a estatal depende de um provedor e também da expertise dele em prestação de diversos serviços ou de suas aplicações prontas, o Serpro acaba sendo obrigado a salgar o preço para poder obter alguma margem de lucro depois de remunerar pelo dólar a multinacional parceira.
Talvez aí se explique tamanha diferença de custos entre o Serpro e a SGD. Com um “broker” contratado (Extreme Digital Solutions) no mesmo pregão eletrônico da nuvem federal, a Secretaria de Governo Digital vem conseguindo operar por meio de um modelo que tem obtido melhores condições de negociação. Tem jogado os preços para baixo, que são inatingíveis pelo Serpro, quando a estatal assume a intermediação/integração na negociação entre o provedor e o cliente. No caso da SGD o “broker” tem forçado uma competição ao buscar no mercado a melhor relação custo/benefício para um contrato de nuvem com um provedor, como se fosse uma segunda licitação ou cotação de preços.
TI estadual
Os mesmos analistas avaliaram também, se este comportamento na área federal se repetia nas empresas estaduais de processamento de dados. Tomaram a Prodesp (Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo) como base para a avaliação. E descobriram que o custo do dólar no preço dos serviços dos provedores de nuvem praticados na Prodesp acaba muito alto, quando avaliados pela mesma “arquitetura base” usada para comparar com os do Serpro e os da nuvem federal da SGD. A Prodesp fez contratações individuais com cada provedor, sem considerar o modelo de multinuvem, onde há competição direta e constante entre eles. Considerando a média dos provedores AWS, Azure e Google, a Prodesp ficou com um preço 318% superior aos preços da multinuvem da SGD, porém, ainda abaixo dos preços do Serpro. Talvez este preço mais baixo que o Serpro seja decorrente justamente do fato de terem contratado através de brokers e não diretamente.
Dono da bola
Só quem poderia explicar tamanha discrepância de preços entre o Serpro e a SGD seria o diretor de Relacionamento com Clientes, André de Cesero, além de sua equipe. Ele vem tentando se manter no cargo desde a virada de governos Bolsonaro e Lula há sete meses. E e tudo indica que permanecerá por lá, já que creditam à ele um apadrinhamento político com o senador e ex-presidente José Sarney. Se ficar será bom para eventual ação dos órgãos de controle, caso estes queiram entender o que anda se passando nas nuvens federais.
Hoje, a julgar por esse estudo, dá para cravar que aqueles que estão entrando no modelo multinuvem do Serpro correm o risco de algum dia ter de se explicar com os organismos de controle. Afinal de contas estão transferindo sem explicação dinheiro público para multinacionais com base na cotação do dólar. A estatal também deveria ser avaliada pelos ministérios da Gestão e da Fazenda, pois algo de estranho anda ocorrendo por lá. Não é aceitável um sobrepreço de 515% em serviços de nuvem prestados ao próprio governo.
(Foto do diretor: Comunicação do Serpro).