*Por Rodrigo Cavalcanti – A transformação digital de nossa sociedade vem ocorrendo há várias décadas. Grande parte de todo o avanço nas telecomunicações que hoje experimentamos se deve a um mecanismo centenário, mas muito eficaz de incentivo: o sistema internacional de propriedade intelectual (PI), na forma de patentes, marcas e programas de computador.
O sistema de PI existe como forma de ao mesmo tempo regular e incentivar o avanço tecnológico. Tomemos o caso das patentes. Uma patente é uma espécie de acordo entre inventores e o Estado: o Estado concede ao inventor a propriedade exclusiva sobre sua invenção (de forma muito análoga à propriedade de um bem físico, como um imóvel por exemplo); em troca, o inventor torna pública sua invenção em detalhes, aumentando o estoque de conhecimento tecnológico disponível para a humanidade.
A concessão da propriedade exclusiva tem prazo: de 10 a 20 anos dependendo do tipo de patente. Findado esse prazo, a invenção torna-se de domínio público o que permite que outras pessoas e empresas a fabriquem e comercializem. Parece uma vantagem o domínio público, mas se não houvesse o sistema de PI, qual seria o incentivo para empresas investirem em atividades de pesquisa e desenvolvimento que criam tecnologias e beneficiam a sociedade? Como os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) seriam remunerados visto que de alto risco e onerosos? É neste ponto que o sistema de PI permite uma relação ganha-ganha entre inventores, empresas, governos e a sociedade em geral.
O setor de telecomunicações é altamente intensivo em inovações, pesquisa e desenvolvimento e, por consequência, suas empresas são das mais ativas em registros de PI. No momento em que escrevo este artigo, o setor de telecomunicações passa por duas grandes transformações que prometem gerar inúmeros pedidos de registro de PI: a implantação da tecnologia 5G – que já gerou milhares de patentes e vai continuar gerando – e a Internet das Coisas – paradigma em que máquinas e objetos se conectam diretamente à Internet, sendo o carro autônomo um exemplo emblemático. Novamente vemos uma corrida por invenções relevantes nestes contextos. Sendo dois paradigmas bem amplos, cabem inúmeras patentes de inovações incrementais – os blocos construtivos que no seu conjunto habilitam o funcionamento integrado dessas tecnologias. Podemos citar como exemplo desses blocos constitutivos: um sistema de dezenas ou centenas de antenas miniaturizadas e integradas que permitem smartphones 5G atingirem altíssimas velocidades de download; e um algoritmo de inteligência artificial que permita ao carro autônomo a capacidade de se autoguiar com segurança nas ruas e avenidas de nossas cidades.
Trazendo essa discussão para o contexto brasileiro cabe um alerta. Há entre nós ainda pouca cultura de propriedade intelectual tanto no meio empresarial como no meio acadêmico. Refiro-me aqui ao simples reconhecimento da importância central que o exercício fluido do registro de PI representa para o desenvolvimento nacional. Há necessidade de que, por um lado nossas universidades deem mais ênfase à formação neste tema em suas graduações e pós-graduações. De outro, que nossas empresas entendam e dominem o jogo global da propriedade intelectual, qualificando seus corpos técnicos tanto para inventar quanto para proteger tais invenções. E por fim, há ainda o papel do governo, que deve seguir estruturando o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), autarquia responsável pelo processamento dos registros de PI, para que se dê celeridade aos respectivos processos incentivando os participantes do ecossistema de inovação a exercitarem esse direito.
*Rodrigo Cavalcanti é Professor Titular na Universidade Federal do Ceará (UFC) e atualmente seu Pró-Reitor Adjunto de Pesquisa.