A Secretaria de Governo Digital (SGD) sustentou ontem (18) em nota oficial, que não estará “repassando dados dos cidadãos brasileiros” através da validação biométrica e biográfica, já que tudo será um processo “automatizado”. E apresentou justificativas questionáveis. A primeira delas é que objetivo dos acordos com a Associação Brasileira de Bancos (ABBC – assinado no dia 7 de janeiro, por 12 meses) e a Febraban (renovado no dia 12 deste mês, por mais seis meses), visam “possibilitar que os cidadãos tenham mais opções de acesso por meio de credencial bancária aos serviços da plataforma que exigem níveis maiores de segurança”.
Segundo dados da própria SGD, isso significa que pelo menos 117 milhões de brasileiros terão essa “comodidade”, pois estão registrados na plataforma Gov.br e de alguma forma interagem com bancos, além dos que constam nas bases de dados do TSE e futuramente aqueles que se registrarem para obter a da Identidade Civil Nacional (ICN).
Indaga-se:
1 – Por que bancos?
2 – Por que não os Cartórios ou qualquer outro setor que já invista em certificados digitais e procedimentos de validação biométrica e biográfica dos brasileiros?
3 – Por que o cidadão iria preferir interagir com a plataforma Gov.br – do governo – através de credenciais emitidas por bancos?
4 – E por que os bancos ganharam sozinhos essa exclusividade e iriam querer ter o trabalho além do custo de monitorar tais credenciais para o governo, sem nenhum interesse comercial?
5 – Não há nos acordos assinados com a Febraban e a ABBC, nenhuma cláusula que impeça aos bancos de transferirem esses custos operacionais para os clientes na forma de tarifas bancárias. Nem poderia, pois o governo constitucionalmente está impedido em interferir em atividade econômica privada. Então indaga-se, o cliente “gov.br” vai pagar a conta?
O que se sabe desses acordos entre o Ministério da Economia e os bancos é que eles não envolverão transferência de recursos públicos, nem tampouco os bancos pagarão pelo acesso às bases de dados do TSE, Gov.br e futuramente da Identidade Civil. Será mesmo?
Em agosto de 2020 este blog denunciou uma prática abusiva da Serasa Experian contra quem se cadastrava no Cadastro Positivo para obter score de crédito. Bastava a pessoa manifestar o interesse visando a informar ao mercado financeiro que era um “bom pagador”, que imediatamente a Serasa atuava como intermediária na captação de novos clientes para os bancos. Em nenhum momento do cadastramento da pessoa foi informado pela Serasa que esses dados dela poderiam ser usados para efeito de intermediação comercial para bancos:
A prática somente cessou a partir da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Pelo menos o autor deste blog nunca mais recebeu e-mail deste gênero. Então cabe ainda mais algumas indagações ao Ministério da Economia:
1 – os bancos que já contavam com o apoio da Serasa, precisariam desses acordos de validação biométrica e biográfica com o governo?
2 – Por que o governo precisaria dos bancos e, somente deles, para ter confiabilidade no credenciamento que faz dos brasileiros para acesso à sua plataforma de serviços?
Dizer que os bancos não terão acesso aos dados de brasileiros, depois da implantação do Open Banking, parece piada de mau gosto da parte da SGD. Soma-se à isso o acesso agora ao Imposto de Renda e a possibilidade de rastreamento que os bancos poderão fazer das andanças dos cidadãos pelas páginas do governo, tal como faz o Facebook, quando garante a identificação segura de pessoas que acessam páginas contendo oferta de informação, bens e serviços na Internet.
Esses acordos vão ao encontro de outra denúncia feita por esse blog e somente servem para dar um ar regulatório a algo que já pode estar sendo posto em prática: os bancos, que já tinham as informações pessoais de clientes, passaram a contar, também, com o acesso aos bens declarados no Imposto de Renda das Pessoas Físicas e Jurídicas. Isso foi autorizado pela Receita Federal do Brasil em sua Portaria nº 81, de 11 de novembro de 2021. A RFB apenas impôs uma condição: que os donos dos bens declarados autorizem o acesso das instituições às informações armazenadas no Serpro. Tudo dentro das “boas práticas” previstas no Artigo 8º da Lei Geral de Proteção de Dados.
Portanto, afirmar que não repassa dados de brasileiros para bancos não condiz com a realidade e nem explica tal privilégio concedido a apenas este setor econômico. Há um claro desvio de finalidade além de ferir o caráter da “impessoalidade” prevista na legislação de compras brasileira. Só bancos ganham o privilégio de ter o validador biométrico e biográfico de cidadãos que acessam ao Gov.br, quando estes não fizerem o cadastramento diretamente na plataforma.
Esse acesso aos dados só dependerá apenas de uma simples palavra que está descrita no artigo 8º da Lei Geral de Proteção de Dados: “consentimento”. Mas como garantir a liberdade do detentor dos dados pessoais de não ceder suas informações para os bancos, quando ele for renovar cheque especial, cartão de crédito ou pedir um empréstimo?
A Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia alegou ainda como benefício para os bancos, que graças à ele as instituições financeiras “poderão testar a tecnologia de validação biométrica para fins da identificação segura de seus clientes”.
*Que beleza! Graças ao “governo digital”, somente agora os bancos conseguirão saber com 100% de certeza quem é o seu cliente.