Por Jeovani Salomão* – Com a colaboração da família, de vários amigos, de expoentes do setor de tecnologia, incluindo um dos criadores da internet e de uma equipe de profissionais altamente qualificada, consegui realizar o sonho de publicar o livro “O Futuro é Analógico”, no qual faço um debate sobre os impactos da tecnologia na sociedade, em especial, ressaltando que o desenvolvimento tecnológico deve ser orientado para servir à humanidade.
Por sugestão da editora, fizemos uma pré-venda cujo atrativo foi oferecer a obra autografada para os compradores desta fase. Para minha alegria, tivemos algo em torno de 250 livros vendidos, graças ao prestígio dos queridos amigos. Além destes exemplares, precisaria autografar para os familiares, apoiadores do projeto, meus sócios, enfim, quase 300 manuscritos.
Fiquei paralisado. Não apenas pelo desafio de escrever à mão, mas pelo medo de errar e perder um exemplar. Escrever em um editor de texto é fácil, os deslizes podem ser corrigidos sem qualquer consequência, mas a tinta da caneta é implacável. Quando os livros chegaram, falei com o Tagore, cujo nome de família foi herdado pela editora, sobre os meus receios. A experiência de quem se dedica ao mundo literário, com tanto sucesso durante muitos anos, já tinha resolvido o problema antes que eu tivesse sequer pensado nele.
Os livros possuem 2 folhas de rosto, praticamente idênticas, de forma que eu poderia errar na primeira delas, uma vez que bastaria retirá-la e assinar na seguinte. O leitor, como aconteceu comigo a vida inteira, não presta tanta atenção a este detalhe, ou seja, tanto faz se o autógrafo esteja em uma ou em outra página.
A revelação foi um verdadeiro alívio e retirou-me da inércia. De fato, escrever à mão foi difícil, pela ausência de costume. Vez por outra, tive que fazer um puxãozinho aqui ou ali, trocar alguma palavra quando uma letra entrava fora de ordem, mas no geral consegui sobreviver com apenas duas folhas perdidas e alguns pequenos borrões que, tenho certeza, serão compreendidos por aqueles que gentilmente prestigiaram a obra.
Esta é uma lição que deve ser aprendida e aplicada com ênfase no mundo corporativo. Os colaboradores precisam saber que podem errar. A propósito, o erro faz parte da natureza humana, somos e sempre seremos imperfeitos. Evidentemente, que nem todo equívoco pode ser admitido, há que se estabelecer e comunicar abundantemente quais são os limites. Não se pode ultrapassar os valores e princípios empresariais e, muito menos, os pessoais. Admitir o erro, não significa ser conivente com questões de berço, como honestidade, respeito ao próximo, integridade, compromisso com a verdade e similares.
Nas organizações mecanicistas, derivadas da revolução industrial, onde existe apenas uma forma de “apertar o parafuso”, estabelecer o procedimento correto era relativamente simples. Do mesmo modo, caracterizar e enumerar as possibilidades de errar era algo trivial. No mundo atual, onde o conhecimento prevalece na maioria das organizações, há inúmeras maneiras de se acertar, motivo pelo qual também existe uma quantidade muito maior de jeitos de se cometer um equívoco, afinal muitas ações podem parecer certas sem realmente ser.
No universo da tecnologia da informação é muito comum dividir os ambientes, dedicando um para o desenvolvimento, outro para testes e um terceiro para a produção. Assim, os profissionais que constroem os algoritmos têm um lugar no qual podem cometer enganos sem prejuízo para as aplicações que estão sendo utilizadas pelos usuários finais. Evidente, com o aumento da complexidade, seja tecnológica, seja organizacional, as coisas nem sempre ocorrem como deveriam.
Em 2019, presenciei um episódio que poderia ser evitado e cujas repercussões nos atormentam na empresa até hoje. Um determinado cliente, onde nosso pessoal era alocado, possuía, e ainda possuí, um parque tecnológico heterogêneo, não totalmente atualizado, muito grande, e cujos serviços prestados para a população são de alto impacto. A pressão externa e a inaptidão de alguns gestores criaram um ambiente que massacrava os prestadores de serviços, em especial, aqueles que eram terceirizados. Daí, o contexto orientou-se para encontrar culpados a qualquer custo, drenando uma energia que deveria estar orientada para a colaboração e a constante evolução dos serviços.
Nesse cenário, um dos nossos colaboradores, profissional experiente, sem nenhuma falha ao longo de mais de 5 anos de prestação de serviço no cliente em tela e com conhecimento profundo do ambiente tecnológico, cometeu um erro técnico. Isso ocorreu a despeito de suas qualificações, de estar capacitado e orientado sobre as boas práticas.
Se estivesse dentro de nossa organização, ou em qualquer ambiente com cultura de aprendizado constante, tenho absoluta certeza que teria levantado a mão imediatamente para reconhecer o ocorrido e pedir ajuda para os colegas de trabalho, afinal nós compreendemos que as pessoas falham e isto não é um pecado mortal. Como estava em um ambiente hostil, tentou corrigir o erro sozinho, sem pedir ajuda, com a esperança de ocultar a falta. Não funcionou.
Não houve má intenção, má fé, negligência ou ausência de supervisão. Simplesmente, uma pessoa qualificada, depois de anos e anos de acertos, se enganou. Deveria poder assumir isso de peito aberto e pedir ajuda, mas quando as organizações não são tolerantes, como era o caso, as pessoas agem sob a influência do medo. Esse comportamento pode se repetir em qualquer outro tipo de relacionamento, não apenas no profissional. Vale o mesmo para relações interpessoais de qualquer natureza, inclusive as familiares. Sendo assim, o melhor é aprender com o Tagore e colocar duas folhas de rosto sempre que possível em suas convivências.
*Jeovani Salomão é fundador e presidente do Conselho de Administração da Memora Processos SA e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.