O empresário Elon Musk produziu uma “fake News”, ao anunciar que a Starlink oferecerá internet de graça para escolas, “se o governo não honrar seu contrato”. Que contrato? Oficialmente nunca houve um contrato formal entre o governo brasileiro e a Starlink para conexão de escolas públicas. Algumas tentativas até foram feitas e os defensores pagaram caro com os seus cargos. O que de fato ocorreu sobre isso foi um movimento político iniciado ainda na gestão do ex-ministro das Comunicações, Fábio Faria, para tentar beneficiar a candidatura à reeleição do ex-presidente inelegível, Jair Bolsonaro, em 2022.
A declaração de Elon Musk foi dada como uma resposta a uma notícia – cuja a credibilidade também é duvidosa – de que o governo brasileiro tinha anunciado que “suspenderia contratos” com a Starlink. Nenhuma fonte oficial se apresentou como autora dessa notícia nesse veículo, embora o ministro da SECOM, Paulo Pimenta, de forma atrapalhada chegou a afirmar isso. “Muitas escolas no Brasil usam a empresa para fornecer acesso à Internet aos cidadãos de lá”, informou o perfil “Diligent Denizen”, na plataforma “X”, de Elon Musk. O que não é verdade.
As tentativas de Elon Musk de emplacar a Starlink no Brasil para operar serviços de conectividade à internet via satélite começaram em março de 2022 quando a Anatel, numa polêmica decisão, autorizou a empresa a operar a sua constelação de 4 mil satélites de baixa órbita no Brasil. Na época a imprensa denunciou a interferência do Ministério das Comunicações (gestão Fabio Faria), para garantir a exploração do Serviço pelo empresário Elon Musk, em detrimento de outras empresas que aguardavam na fila pela mesma autorização.
A partir daí ocorreram diversos eventos políticos que sempre tiveram o objetivo de tornar Elon Musk o principal prestador de serviços de conexão à internet para escolas públicas. Diversas manobras foram tentadas e chegaram a atravessar o Governo Lula. Mas acabaram nunca dando certo.
Musk e Bolsonaro
Depois de recebida a autorização, em março de 2022, para explorar sua constelação de satélites de baixa órbita, Elon Musk chegou a vir ao Brasil em maio do mesmo ano, para um encontro com o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro. O encontro ocorreu num hotel no interior de São Paulo.
O cineminha político foi montado por Fabio Faria, que na ocasião anunciou um acordo com a Starlink para conectar 19 mil escolas públicas na região amazônica. A visita de Musk teve repercussão na imprensa, mas o acordo não passava de uma intenção do ex-ministro das Comunicações. Não havia nada concluído nessa direção pelo Ministério das Comunicações. Tanto, que Musk voltou para os Estados Unidos sem ter assinado nenhum documento no Brasil.
Em setembro/22, sem ter como concretizar o acordo com a Starlink, Fabio Faria criou novo factóide político, lançando assim mesmo o programa numa escola pública do Amazonas como “teste” de concetividade. O evento teve pouca repercussão na imprensa nacional, mas o então ministro das Comunicações conseguiu atrair uma executiva da Starlink e ainda contou com Elon Musk numa “live”. Faria queria de todas as formas inserir a empresa de Musk no projeto “Amazônia Conectada”.
Para isso, em outubro daquele mesmo ano o ministro fez uma manobra política através da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) para conectar 6,9 mil escolas públicas. A estratégia era direcionar uma chamada pública e favorecer a Starlink, pois na disputa de velocidades de conexão a empresa de Musk era imbatível. Só que a Starlink acabou não comparecendo ao chamamento público após a notícia sobre tal direcionamento sair na imprensa.
Bolsonaro e Fabio Faria deixaram o governo sem conseguirem emplacar a presença de Elon Musk no cenário de conectividade escolar brasleiro. Tarefa que, ainda sim, ficou delegada para os ex-assessores que escaparam da degola na virada para o Governo Lula e estavam lotados até recentemente no Ministério das Comunicações. Mais precisamente, na Secretaria de Telecomunicações.
R$ 1 bi para Musk
A primeira tentativa de emplacar a Starlink, já no Governo Lula, ocorreu através do Gape – Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas (Gape), presidido pelo conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações Vicente Aquino. O Gape foi criado para gerir os R$ 3,1 bilhões do leilão do 5G que foram destinados, a mando do Tribunal de Contas da União, para projetos de conectividade das escolas públicas pelo governo.
Entre agosto/setembro do ano passado o Gape debateu um “estudo“, elaborado por um subgrupo formado por técnicos do Ministério das Comunicações, Ministério da Educação, Anatel e empresas de telefonia (operadoras móveis), no qual a proposição final era conectar 8.365 escolas públicas no Norte e no Nordente do país ao custo de R$ 1,032 bilhão. Todas com satélites de baixa órbita, preferencialmente. Ou seja, somente a empresa de Elon Musk teria capacidade de prestar esse serviço. A proposta não avançou dentro do Gape devido ao custo, mas a ideia de usar satélites de baixa órbita continuou prevalecendo. Nas discussões seguintes do grupo sempre se tocou nessa questão, embora nunca o Gape tenha cravado como meta usar os satélites da Starlink.
Na mesma época, em agosto, o Ministério das Comunicações chegou a usar a imagem do presidente Lula, para internamente debater as potencialidades dos satélites de baixa órbita de Elon Musk. Foi durante o lançamento da Infovia 01 em Santarém, no Pará, evento que contou com a presença do presidente e o “desinteressado” apoio da Starlink; contratada às pressas pela RNP – Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, a mesma que a pedido do ex-ministro Fabio Faria queria despejar dinheiro em projeto de conectividade para 6,9 mil escolas públicas. O presidente nunca ficou sabendo que a conexão da live que participou no Navio Hospital Escola Abaré foi feita pela empresa de Elon Musk, apesar da Telebras estar presente e ter condições de prover o serviço, assim como as empresas de telefonia.
Depois dessa malograda tentativa, os técnicos do Ministério das Comunicações voltaram a insistir na Starlink com a renovação do programa Gesac – Governo Eletrônico, Serviço de Atendimento ao Cidadão. Programa criado ainda no primeiro Governo Lula, que contou desde então com o gerenciamento da Telebras.
O então diretor do Departamento de Projetos de Infraestrutura e de Inclusão Digital, Romulo Barbosa, tentou atropelar a estatal no processo de renovação do contrato, criando uma tomada de preços direcionada para a Starlink, devido à capacidade de velocidade ofertada pelas empresas. Isso no mínimo acabaria tirando do controle estatal cerca de 5 mil escolas públicas.
Porém, diante de tantas denúncias sobre esse direcionamento, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, acabou fechando o contrato com a Telebras dando respaldo para a proposta do presidente da estatal, Fred Siqueira, que vivia às turras com os funcionários da Secretaria de Telecomunicações. Juscelino aproveitou ainda, para fazer uma faxina nessa secretaria, tirando parte dos funcionários interessados num acordo com a empresa de Elon Musk.
Novo Gesac
Com essas mudanças, a Telebras agora pode anunciar o “Novo Gesac”, cuja a meta será conectar 28mil escolas públicas através do seu satélite geoestacionário ( o SGDC), e parcerias com diversas operadoras de satélite, entre elas a Viasat (que já tinha contrato com a estatal e agora foi ampliado), além da Hughes e SES, e de outras operadoras de satélites ainda não anunciadas oficialmente. Essas parcerias excluem qualquer possibilidade da Starlink de Elon Musk se tornar na única provedora do serviço ao governo. Ainda mais agora, depois desse ataque direto ao Brasil feito pelo empresário.