Monitoramento de funcionários: limites legais e boas práticas para empregadores

Por Gustavo Carvalho Machado* – Que empresas utilizam técnicas de rastreamento para supervisionar a rotina de seus funcionários não é nenhuma novidade, mas com o crescimento do trabalho remoto – acelerado pela pandemia do Coronavírus – a utilização de softwares de monitoramento tornou-se muito popular. Em uma pesquisa conduzida pela Resume Builder em 2023 com mil líderes empresariais nos Estados Unidos, que lideram equipes predominantemente remotas ou híbridas, foi revelado que 96% desses gestores empregam algum tipo de software para monitoramento de funcionários [1].

Por meio do uso dessas ferramentas – o que também é chamado de bossware (neologismo oriundo da soma das palavras boss e software) -, empresas conseguem rastrear as atividades realizadas por seus funcionários. Registro de teclas digitadas, monitoramento de tela, gravação de sons de microfones, acompanhamento do tempo de uso e do número de e-mails enviados são algumas das técnicas utilizadas.

Nos EUA, redes como Outback e KFC já estão utilizando ferramentas com sistemas de Inteligência Artificial embutidos para avaliar o desempenho de seus funcionários. Reconhecimento facial para identificação do trabalhador e transcrição de áudios para detectar se o funcionário tentou oferecer complementos ou inscrever o cliente em programa de fidelidade são alguns exemplos de técnicas utilizadas [2].

A justificativa dos empregadores para a utilização de ferramentas de bossware normalmente é de que são importantes para melhorar a produtividade da empresa, avaliar desempenho de trabalhadores de forma mais assertiva, além de melhorar a eficiência operacional. Porém, há aqueles que recorrem a esses mecanismos por desconfiança em relação à produtividade de seus funcionários, utilizando-os como meio de manter um controle rigoroso sobre os seus subordinados.

Considerando o contexto brasileiro, é fundamental ressaltar que a fiscalização do trabalho é um direito do empregador, inserido em seu poder de direção. No entanto, este poder não é ilimitado; é preciso respeitar, entre outros aspectos, a privacidade e a dignidade do trabalhador. Logo, todo monitoramento deve ser conduzido com prudência.

A propósito, a extensão do poder de controle do empregador deve ser guiada pela própria natureza da atividade desempenhada pelo empregado. A atividade servirá, portanto, como critério para avaliar se o monitoramento realizado é razoável ou não.

Adicionalmente, é imprescindível reconhecer que, ao monitorar os seus funcionários, o empregador inevitavelmente acessará e tratará seus dados pessoais, sendo, portanto, obrigatório o cumprimento das disposições estabelecidas pela Lei Geral de Proteção de Dados.

Nesse contexto, a empresa deve ser transparente quanto ao monitoramento realizado. A LGPD exige que a finalidade do uso de dados e do monitoramento seja comunicada de maneira clara e de forma acessível para garantir que todos a compreendam.

Nesse ponto, as informações acerca do tratamento deverão ser disponibilizadas respeitando, no mínimo, os requisitos previstos no art. 9º da LGPD. Nos casos em que a empresa fornece as ferramentas de trabalho, também é essencial formalizar que esses equipamentos devam ser utilizados exclusivamente para fins profissionais. Trata-se de uma boa prática para alinhar as expectativas dos funcionários, evitando-se surpresas. Da mesma forma, nas situações em que o uso de dispositivos pessoais é permitido, é recomendável estabelecer diretrizes claras sobre sua utilização.

Somada à transparência, o empregador deve implementar medidas adequadas e estritamente necessárias para alcançar os seus objetivos. Como recomendado pelo Working Party 29 em seu guia sobre processamento de dados no trabalho [3], as empresas devem tomar medidas proporcionais ao risco que o trabalho represente, evitando-se a implantação de medidas muito invasivas. Devem-se adotar providências razoáveis e estritamente necessárias para fiscalizar o trabalho do funcionário, bem como resguardar a segurança do negócio.

Outro aspecto que requer atenção é a determinação da LGPD de que o tratamento de dados só pode ser realizado dentro das hipóteses previstas na lei. Nesse cenário, é importante destacar que o uso do consentimento deve ser evitado em relações de emprego, pois o consentimento precisa ser livre, o que é questionável em uma relação marcada pela subordinação. Ou seja, a coleta de uma autorização do trabalhador para permitir o monitoramento de seu trabalho definitivamente não é o melhor caminho a seguir. Normalmente, a base legal utilizada nesses casos é o legítimo interesse, porém, vale mencionar que, segundo a legislação, o legítimo interesse não permite, por exemplo, o tratamento de dados pessoais sensíveis, tal como a biometria facial.

Reitera-se, portanto, a necessidade de o empregador agir com cautela ao selecionar os métodos de fiscalização de seus empregados, garantindo que não ultrapasse os limites da supervisão legítima e evitando o abuso do seu poder de direção.

* Gustavo Carvalho Machado, Advogado e Sócio-fundador do DMS Advogados. Mestre em Direito e Inovação (UFJF). Pós-graduado em Compliance e Integridade Corporativa (PUC Minas) e em Direito do Trabalho (PUC Minas). Bacharel em Direito pela UFV

Notas:

[1] Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/futuro-do-trabalho/noticia/2023/08/como-as-empresas-usam-softwares-para-rastrear-o-trabalho-remoto-dos-funcionarios.ghtml

[2] Disponível: https://forbes.com.br/carreira/2024/02/restaurantes-usam-inteligencia-artificial-para-monitorar-desempenho-de-funcionarios/

[3] Disponível em: https://ec.europa.eu/newsroom/article29/items/610169