Esse modelo já foi aplicado no Brasil há 21 anos, desde as privatizações da telefonia e, de lá para cá, o usuário não se sente mais protegido por conta disso. Nem tampouco o governo arrecadou o que esperava em multas por descumprimento de obrigações da parte das teles.
Neste fim de semana saiu no jornal O Globo uma nota de coluna, na qual a União (fonte não identificada claramente) teria informado que, espera arrecadar em 12 meses de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) cerca de R$ 20 bilhões.
A possibilidade disso vir a ocorrer é remota e a eficácia da medida questionável.
Neste fim de semana o representante do Senado na futura Autoridade Nacional de Proteção de Dados, Fabrício Mota Alves, publicou um pequeno artigo ou pelo menos a sua linha de raciocínio, no LinkedIn, em relação à informação dada pela nota de coluna de O Globo.
Fabrício elencou cinco pontos que considera questionável a intenção do governo de levar a discussão da proteção de dados para o ponto de vista arrecadatório. Primeiro, porque ainda faltará a regulamentação de diversos pontos da LGPD, o que inviabilizaria uma discussão tão prematura sobre arrecadação de multas.
Convém lembrar ainda, e eu publiquei na última sexta-feira, que a Câmara dos Deputados já está discutindo um novo projeto de lei que visa justamente alterar esse processo de punição com multas ao infrator da LGPD.
Nos cinco pontos em que Fabrício considera inviável discutir arrecadação de multas neste momento, que dirá estimar resultados em apenas 12 meses, eu apontaria o item 4º como “nó” da questão. Segundo ele, “as multas só poderão ser aplicadas após processo administrativo, com garantia de ampla defesa”.
A experiência brasileira mostra que multar não resolveu o problema da qualidade e da prestação do serviço de telefonia no Brasil. Então achar que violações sistemáticas da LGPD irão proporcionar uma enxurrada de multas e, por consequência, tornar-se fonte de arrecadação para os cofres da União é um erro.
Seria apenas o ponto de vista, equivocado, dado provavelmente por algum burocrata do Ministério da Economia que não conhece a realidade brasileira. Vejamos.
Após 21 anos da privatização da Telebras a Anatel aplicou 63 mil multas em empresas por descumprimento de obrigações e qualidade dos serviços, que em termos financeiros representariam hoje algo em torno de R$ 6,9 bilhões.
Essa informação consta do relatório que a agência reguladora divulgou em 2018. Porém, apenas 11% desse montante realmente entraram para os cofres da União. Algo em torno de R$ 827 milhões.
Por que tamanha diferença?
Justamente por causa dos efeitos colaterais do “item 4º” sugerido pelo representante do Senado na futura Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Fabrício Alves. A “ampla defesa” faz com que as multas se arrastem em longas discussões judiciais.
Demoram anos antes que ocorra o pagamento por parte do infrator (isso se perderem a causa), o que acaba por tornar-se impensável do ponto de vista fiscal fazer qualquer estimativa de arrecadação.
E Fabrício encerrou seu artigo com a seguinte indagação sobre a ideia do governo de que vai arrecadar R$ 20 bilhões somente em 12 meses de operação da LGPD, que efetivamente só entra em vigor em agosto do ano que vem: “Tudo isso em 2020?”
Não há a menor chance disso vir a ocorrer e ainda fica a questão para ser discutida futuramente: aplicar multa para quem vazar informações pessoais de brasileiros, seja intencionalmente ou não, será a solução?
Minha opinião sincera sobre o assunto é que não. Considero que, enquanto a lei não excluir do mercado – temporariamente ou definitivamente – quem sistematicamente cometer abusos, por entender que “o crime compensa” diante dos lucros auferidos, não teremos como separar os que realmente querem praticar abusos, daqueles que desejam agir corretamente no mercado.
*Este país não suporta continuar criando taxas para tudo, até para o mau comportamento no mercado. Isso não resolveu e nem resolverá o problema de ninguém.