A indicação do Advogado Iagê Miola para a direção da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), publicada ontem (19) no Diário Oficial da União, não foi discutida com ninguém relevante fora do governo e poderá encontrar sérias dificuldades para ser aprovada no Senado. Além disso, fragilizou ainda mais a possibilidade de o relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO), continuar mantendo no texto do substitutivo ao PL 2338 a ANPD como “coordenadora” do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA).
Todo o meio político e jurídico foi surpreendido com a publicação do despacho presidencial para o Congresso Nacional, da indicação do nome do Advogado Iagê Miola para a diretoria da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), em substituição a Advogada Nairane Farias Rabelo Leitão, que teve o mandato encerrado em 25 de novembro de 2023.
Embora tenha excelente currículo, Iagê Miola não apresenta nenhuma qualificação ou experiência profissional voltada para a área de proteção de dados, o que levou diversos Advogados a informalmente concluírem para o blog, que as suas experiências estariam muito mais em sintonia com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) ou a SDE (Secretaria de Direito Econômico), do que a ANPD. O governo tratou de espalhar a sua versão sobre a indicação.
No jornal Valor Econômico Iagê foi tratado como sendo “indicação de Lula”. De acordo ainda com o jornal, o nome do Advogado seria “uma “tentativa do governo de diversificar o perfil profissional do colegiado”, que conta com três militares e uma especialista na área de proteção de dados. Ao mercado, não convenceu.
Todos os consultados pelo blog, de advogados e ampresários, passando até mesmo por gente do próprio governo, a avaliação é de que a ANPD voltará a perder um tempo que já não tem com Miola tendo de se adaptar à nova função e aprofundar imediatamente os seus conhecimentos em Lei Geral de Proteção de Dados.
Ou seja, o trabalho pesado de regulamentação da Lei Geral de Proteção de Dados e das ações que realmente dizem respeito à autarquia, continuarão no colo da diretora Miriam Wimmer, única especialista reconhecida internacionalmente que sobrou no órgão, depois que a ANPD perdeu a Advogada Nairane, outra profissional que detinha conhecimento na área.
No meio jurídico houve comentários que o interesse na escolha do nome de Iagê para a diretoria da ANPD partiu única e exclusivamente do ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinicius Marques de Carvalho, inspirado pelo Grupo Prerrogativas, interessado em colocar o pé na Autarquia que regula a proteção de dados no Brasil e de interferir futuramente na coordenação da implantação da regulamentação da Inteligência Artificial.
Lula padrinho?
Outra questão muito discutida internamente no meio político, foi que a indicação do nome de Miola encaminhada ao Congresso não teve uma discussão prévia ou a apresentação de algum “padrinho” forte. A versão de que é uma “indicação de Lula” conforme divulgou o jornal Valor, serviu apenas para dar um suposto peso político que ele não tem. No Congresso, ninguém afirma que foi consultado previamente pelo governo para checar a possibilidade do nome passar fácil no Senado.
A versão era de que os principais “caciques”, como o presidente da casa, Rodrigo Pacheco, ou o relator da regulamentação da Inteligência Artificial, senador Eduardo Gomes (PL-TO) não foram procurados. Se ocorreu assim , o governo deverá ter dificuldades para emplacar o nome e terá de gastar muita saliva para impedir a oposição de bombardeá-lo quando for sabatinado no Senado.
A Indicação de Iagê ainda coloca o governo debaixo de críticas, pelo fato de querer se intrometer em tudo no Legislativo, mas sempre evitando se expor. O relator do PL 2.338, senador Eduardo Gomes, atendeu tudo o que pode nos pedidos feitos pelo governo. E se desgastou sozinho por estar favorecendo o “inimigo”, dentro do seu partido. Sua posição é bastante complexa e não está descartado que ele possa recuar em algumas decisões que tomou, já que as críticas à condução da sua relatoria se alastraram também pela base empresarial.
Gomes, por exemplo, inseriu no texto do seu substitutivo a ANPD como coordenadora do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), embora não estivesse plenamente convencido disso. Havia da parte dele um entendimento de que a Anatel fosse a agência reguladora mais capacitada ao comando da regulação da IA. Mas decidiu atender o pedido do governo.
O motivo foi a promessa de mudanças na ANPD que a tornariam num órgão capaz de cumprir a função de coordenação do SIA. Dentre as mudanças estaria a retirada de Waldemar Gonçalves Ortunho da presidência da ANPD, que completaria seu mandato até 2026 sem poderes para interferir na Autarquia. Essa meta ainda está valendo e dentro do governo há quem aposte que a indicação de Iagê – se passar pelo Congresso – visa justamente substituir Ortunho no comando da ANPD.
O senador ganhou a ira da Confederação Nacional da Indústria (CNI) ao tomar essa decisão. A entidade bateu pesado na escolha da ANPD para coordenar o Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA):
“A ANPD ainda não se estruturou, sequer para a proteção aos dados pessoais, e não possui competência técnica sobre IA, ou sobre políticas de inovação, como outros órgãos do Governo mais aptos a esse desafio. Tal indicação prematura pode dificultar a implementação de IA e a inovação por fata de estrutura, acúmulo de funções e falta de competência técnica, além de prejudicar suas atribuições na proteção de dados pessoais” – destacou a entidade em análise que fez do substitutivio de Gomes no PL 2338.
Como alternativa, a Confederação Nacional da Indústria sugeriu que Eduardo Gomes, alterasse o seu texto mais uma vez e indicasse outo organismo setorial que tivesse a “competência técnica para avaliar esses sistemas (…), conhecimento científico, tecnológico e de inovação e indicar por Decreto a autoridade setorial que ficará responsável pelas aplicações ou sistemas de setores não regulados”.
Gomes, que já estava desgastado pessoalmente com as críticas que recebeu praticamente sozinho de todos os lados e em nome de um governo ao qual não faz parte de sua base política, depois de tomar conhecimento da nomeação e perfil de Iagê Miola para a ANPD, deixou transparecer aos seus interlocutores diretos que, quando voltar do recesso parlamentar voltará a discutir o papel da ANPD na coordenação da regulamentação da Inteligência Artificial.
Terá até 15 de setembro para encontrar uma solução e entregar nova versão do texto para a votação da Comissão Temporária de Regulamentação da Inteligência Artificial. O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, decidiu não atender ao pedido de prorrogação dos trabalhos da CTIA até dezembro. Pacheco quer uma solução ainda em setembro e antes das eleições municipais de outubro.
*Durma-se com um barulho desses.