O governo, através do BNDES, tem um pepino pela frente. Convencer os potenciais compradores que os dois principais ativos que podem interessar ao mercado privado (dados e manutenção dos contratos de fornecimento de bens e serviços) farão parte do cardápio da venda.
O problema é que no próprio governo nem todos estão convencidos disso. Muitos já sabem que há um grande potencial de risco da privatização não sair, porque a venda desses dois ativos será contestada tanto no Legislativo quanto no Judiciário.
A interpretação que se faz da legislação em vigor, que envolve por exemplo, direitos dos consumidores, e com a chegada da nova Lei Geral de Proteção dos Dados Pessoais, o governo não pode transferir para a iniciativa privada a guarda dos dados patrimoniais, trabalhistas, previdenciários, de renda, de saúde, enfim de todos os assuntos que traçam o perfil social e econômico de cada brasileiro.
É quase certo no meio jurídico, que muito brasileiros vão cobrar o direito de não querer ter as suas informações guardadas e eventualmente comercializadas por empresas que vivem economicamente disso.
Advogados acreditam na possibilidade de ocorrer uma enxurrada de ações judiciais, movidas por pessoas que contestarão o direito de o governo vender aquilo que não é seu.
Afinal de contas, quando um cidadão faz o seu Imposto de Renda da Pessoa Física ou uma empresa o seu IRPJ, em ambos os casos estão confiando suas informações à Receita Federal, para que o governo possa cumprir os objetivos sociais e econômicos previstos através da arrecadação dos impostos. Ninguém forneceu tais informações para que uma empresa privada amanhã trate esses dados para fins comerciais.
Até agora ninguém do governo esclareceu essa questão.
Portanto não se trata apenas de vender pura e simplesmente prédios, máquinas, fibras ópticas e tudo o mais que possa compor o ativo de uma empresa pública.
“Eu posso dizer que o processo de privatização precisa considerar, com especial atenção, o destino dos dados pessoais dos cidadãos. Numa visão de direito administrativo, a sua utilização por terceiros, para fins diversos dos inicialmente propostos, poderá dar margem a ensejar, conforme o caso, em desvio de finalidade. E, com isso, dar o fundamento para as ações judiciais”, explicou o Advogado Walter Aranha Capanema, professor de Direito Digital, da OAB-RJ.
Além desse possível impasse jurídico, o governo também poderá acabar enfrentando nos tribunais outros processos movidos por empresas, que se considerem prejudicadas por conta da eventual exclusividade concedida aos compradores das estatais nos contratos de serviços de TI.
Embora apoiem a privatização, as próprias empresas privadas deverão reagir quando verem que o governo transferiu todos os contratos governamentais para os compradores das estatais. Afinal de contas, o Brasil sairá de um monopólio estatal para iniciar um monopólio privado, na prestação de serviços de TI ao governo?
Não há como o Ministério da Economia escapar de enfrentar essas duas grandes batalhas para conseguir vender as estatais de TI. A ideia de se criar um “fast track” para agilizar a venda, se possível ainda este ano, conforme vem defendendo o secretário das privatizações, Salim Mattar, tem sido vista internamente no governo como sem chances de sucesso. Propagada por alguém que não tem a menor noção do tamanho da encrenca jurídica que terá de enfrentar lá na frente.
Cenário político
Sem contar que antes vem a batalha política, pois para a privatização sair, o governo terá que necessariamente obter o aval do Congresso Nacional para vender as estatais. Não há como fugir disso pois o Supremo Tribunal Fedral já analisou essa questão.
A primeira batalha a ser travada pelo governo será contar com o apoio do Legislativo para receber a autorização de venda das empresas. Tarefa considerada hoje complicada, porque já são claros os sinais de desgaste político que o governo vem enfrentando devido às constantes brigas entre o Palácio do Planalto e a sua base no Congresso.
Além disso, os parlamentares sofrerão pesada pressão política do funcionalismo dessas estatais em suas unidades regionais. E sabem que vender empresas públicas, com a possibilidade de demissão em massa de trabalhadores, não é um bom assunto para ano eleitoral. A previsão é de que ocorra esse choque de agendas em 2020, quando o Serpro e a Dataprev forem postos à venda.