
O conselheiro-diretor da Anatel, Vicente Bandeira de Aquino Neto, fez um passeio de uma semana por Xangai, na China, com tudo pago pela agência reguladora. A desculpa oficial dada pela agência, para ele se afastar do país no período de 15 a 22 de junho, foi a participação como representante da Anatel do GSMA – Mobile World Congress. Isso garantiu o pagamento de R$ 61.542,12 em passagens aéreas e outros R$ 12.077,60 em diárias (hospedagem, transporte e alimentação). Aquino não esteve sozinho na China. Além de ser acompanhado por outros três funcionários da agência, pode contar com a presença da esposa, Ariane Aquino, que é prefeita da cidade cearense de Paraipaba. Quem pagou as passagens dela e eventuais diárias, entretanto, não foi a Anatel.
A viagem de Aquino à China soa muito mais como um presente de despedida da Anatel para o conselheiro – que encerra o seu mandato no próximo dia 4 de novembro – do que um compromisso oficial de representante da agência reguladora. Indagado sobre o que foi fazer efetivamente Vicente Aquino no MWC Xangai, além de perambular pela feira, a resposta da Anatel foi a seguinte:
“A convite da GSMA, o Conselheiro Vicente participou do Fórum de Líderes de Políticas, representando a Anatel na Mesa-Redonda com o tema “Conectividade na Era da Inteligência Artificial”. O debate incluiu temas como 5G-Advanced, inteligência artificial e políticas públicas de transformação digital. A mesa contou também com a participação da Secretária-Executiva do Ministério das Comunicações, Sônia Faustino, do Ministro Aroldo Cedraz, do Tribunal de Contas da União, além de representantes de organismos reguladores de diversos países”, informou a Assessoria de Imprensa.
Na página oficial do evento, entretanto, não consta a presença de Vicente Aquino como debatedor pela Anatel, nem tampouco da secretária-executiva do Ministério das Comunicações, Sônia Faustino. Há apenas a citação, com foto, do ministro Aroldo Cedraz, do Tribunal de Contas da União, que teria participado como “palestrante”.
Sônia Faustino (roupa clara) e Vicente Aquino aparentemente só estiveram juntos em Xangai, segundo informações da Imprensa do Ministério das Comunicações, confirmada também pela Anatel, numa reunião que ocorreu no dia 20 com representantes da operadora China Mobile. Nessa ocasião eles discutiram a possibilidade da empresa chinesa investir no Brasil.
“A presença da delegação da Agência no MWC Shanghai fortalece o posicionamento institucional da Anatel no cenário internacional, amplia o intercâmbio técnico-regulatório, e contribui para que a Agência permaneça atualizada frente às rápidas transformações do setor, reforçando a liderança brasileira na agenda regional de inovação digital”, sustenta a agência reguladora.
O Mobile World Congress Shanghai 2025, que acabou de ocorrer neste mês de junho, não difere em nada do Mobile World Congress Barcelona 2025, realizado na Espanha nos dias 2 a 5 de março. A agenda dos dabates é praticamente a mesma, com algumas leves alterações feitas pelo organizadora GSMA – uma associação internacional que representa os interesses de mais de 750 operadores e fabricantes de telefonia móvel de 220 países do mundo.
A Anatel parece ser um tanto otimista de que a tecnologia, sobretudo a móvel, tenha avançado significativamente em tão curto espaço de tempo ocorrido entre os dois eventos. Dificilmente esse “posicionamento institucional” estaria abalado pela ausência de um diretor da Anatel na China, já que no ínicio do ano sempre há uma “caravana” de diretores e funcionários da agência rumo ao mesmo evento em solo europeu. Se a presença de Vicente Aquino e comitiva fosse tão importante para o “fortalecimento institucional da Anatel”, por que não houve nenhum registro sobre o quê o conselheiro e funcionários foram fazer oficialmente em Xangai?
Discrepâncias
Além do conselheiro Aquino, também foram para a China a superintendente de Fiscalização, Gesiléa Fonseca Teles; e os especialistas em Regulação de Serviços Públicos de Telecomunicações, Frederico Gomes Barbosa e Sergio Alvez Cavendish, ambos lotados no gabinete do conselheiro.
No confronto dos dados fornecidos pela Anatel sobre o custo da viagem dos quatro representantes da agência, no mesmo período de 15 a 22 de junho, é que as coisas começam a ficar estranhas. Segundo as informções entregues para o blog, embora todos tenham saído do Brasil em direção à China para participarem do mesmo evento, o conselheiro Vicente Aquino custou um total de R$ 73,6 mil em passagens aéreas e diárias, enquanto que o somatório dos gastos da agência com os outros três funcionários foi de R$ 74 mil.
A Anatel não explicou o motivo das passagens aéreas de Aquino saírem por R$ 61.542,12 enquanto que a dos três funcionários custaram R$ 13.452,70 cada. Essa diferença talvez tenha ocorrido pelo fato do conselheiro ter aproveitado a viagem oficial paga pela agência para ir conhecer a Mongólia. Embora não fizesse parte do roteiro oficial previsto pela Anatel, Vicente Aquino fez questão de registrar esse momento mágico em seu perfil no Instagram no dia 21 de junho, um dia antes de encerrar o prazo legal de afastamento do país como representante da agência reguladora.
Aquino decidiu sair de férias emendando com o prazo de retorno ao Brasil (22 de junho) previsto na portaria da Anatel. “Acerca do questionamento sobre as férias do Conselheiro, informamos que o gozo teve início em 23 de junho de 2025, dia útil imediatamente posterior ao encerramento do Congresso, com término previsto para 1º de julho de 2025. Nesse contexto, o Conselheiro optou, por iniciativa própria, por postergar sua data de retorno ao Brasil. Todos os custos adicionais decorrentes da remarcação da passagem aérea, bem como as diárias referentes ao período posterior à missão, foram integralmente custeados pelo próprio Conselheiro. Os demais membros da delegação, por sua vez, não se encontravam em férias e chegaram ao país no dia 22 de junho de 2025“.
Para explicar a viagem de Vicente Aquino, a Anatel sacou de todo o aparato jurídico que dispõe para informar que não há nenhuma ilegalidade. E garantiu que “as viagens dos conselheiros são previamente aprovadas pelo Conselho da Agência e seguem os limites anuais previamente aprovados no orçamento da Agência”.
Este blog entende que, de fato, a viagem de Aquino está amparada na legislação vigente. Apenas questiona o quê teria para contribuir um diretor, cujo mandato se encerra no próximo dia 4 de novembro. Que contribuição ele poderia dar ao posicionamento do Brasil na discussão da pauta regulatória da telefonia móvel mundial?
Do ponto de vista oficial, essa viagem do conselheiro, pela total ausência de informações relevantes sobre a sua presença na China, se resumiu a uma visita aos estandes da feira do MWC Shanghai 2025. Que traz tudo o que é de mais recente em tecnologia para ser aplicada no setor de Telecomunicações mas, mesmo assim, 99,9% dessas “novidades” já foram mostradas em Barcelona em março deste ano.
A Anatel sustenta a relevância da presença da comitiva lá: “a Superintendente de Fiscalização da Anatel participou de mesa-redonda sobre os desafios técnicos e regulatórios da conectividade via satélite diretamente aos dispositivos (D2D), abordando questões como gestão de espectro e integração entre redes terrestres e não terrestres. Tanto a agenda do Conselheiro quanto a da SFI foram acompanhadas por assessores do Gabinete do Conselheiro Aquino”.
Ao que parece, a tecnologia que mais fascinou Vicente Aquino na China foi uma mala que também serve de transporte para não cansar o viajante dentro dos gigantescos aeroportos mundo afora. Deu até umas voltinhas com a maleta registrada em vídeo no Instagram, mas consultada informalmente a Anatel não soube informar se ele comprou.
Nem tudo foi trabalho nesta última viagem às custas do contribuinte. Houve até passeio noturno em Xangai de Aquino com a esposa, Ariane, que é prefeita da cidade de Paraipaba.
Foi lindo ver o vídeo em que Aquino e Ariane trocam passinhos e dançam forró para deleite dos seus seguidores. A prefeita até chegou a lançar um desafio no seu Instagram, provocando os seguidores a dizerem quem estaria se incomodando com a viagem dela à China.
Por sinal é a segunda realizada por ela com o conselheiro e maridão às custas de sabe-se lá quem. A última ocorreu antes das eleições municipais, quando ela disputou o segundo mandato que vem cumprindo agora. Teve ampla repercussão no Ceará pela maneira como a família se vale de recursos públicos para seus intereses políticos e foi registrada pelo blog.
Missão cumprida, agora resta apenas a Vicente Aquino continuar embromando a agenda de compromissos na Anatel a partir de primeiro de julho, quando retornar de férias. Assim como já fez este mês inteiro. Seu objetivo agora é esperar acabar o mandato de conselheiro da Anatel em novembro. No seu Instagram Vicente Aquino já deixou claro que é candidato à deputado federal pelo Estado do Ceará em 2026.
*Corremos o risco dele ser eleito.