Por Jeovani Salomão* – Depois de uma passagem rápida há 20 anos, voltei à Manaus. A cidade tem grande potencial para inovação, em função da concentração de indústrias na zona franca, políticas que direcionam verbas para P&D e pela biodiversidade. Uma volta pelo Mercado Municipal é suficiente para encontrar uma enormidade de folhas, frutas, aparatos, doces e misturas oriundos da floresta, alguns completamente desconhecidos para turistas como eu.
Uma das maiores fontes de lazer da cidade são os passeios pelos rios da região. A exuberância da natureza, a imensidão das paisagens e as particularidades que cercam cada aventura são encantadoras. Avançando pelo Rio Negro, cujas águas possuem coloração que faz jus ao nome, nosso grupo, constituído por amigos queridos e seus familiares, começou a se deparar com um fenômeno de intermitência nos sinais dos celulares que culminou, quando chegamos a ilha que era nosso destino, com a ausência total de conexão dos aparelhos móveis.
Por horas, não houve WhatsApp, aplicativos ou qualquer acesso à internet. Nenhuma dúvida sobre a fauna, a flora ou de outra natureza pôde ser resolvida consultando o Google. Nada de referências externas, de consultas ou de distrações com a rede mundial de computadores. A tarde foi dedicada à interação com o grupo de pessoas que ali estava. As cenas comuns de uma pessoa falando enquanto outras prestam atenção apenas parcial ao interlocutor e, ao mesmo tempo, mexem em seu smartphone, não tiveram lugar.
Durante muitos anos, tanto eu, quanto uma enormidade de pessoas mundo afora, defende a expansão da cobertura dos sinais. Segundo a ANATEL, 5.482 municípios brasileiros têm algum acesso na área urbana, enquanto apenas 83 estão desamparados. Isto equivale, segundo a própria agência, o atendimento a 88,23% da população brasileira. Quando caminhamos para a área rural, já há uma mudança drástica, apenas 10,72% têm o privilégio da cobertura, o que leva a média do Brasil para 11,7% com disponibilidade dos serviços. Dentre outras coisas, tais números demonstram a imensidão do nosso país. Significam que caso você esteja em algum lugar do território nacional escolhido aleatoriamente, apenas em 11,7% das vezes poderia se comunicar por celular. Nas demais 88,3% das ocasiões, você estaria completamente isolado do mundo.
Além dos efeitos tão importantes da inclusão, a chegada de sinal possui uma interferência enorme na economia. Em uma entrevista recente para Revista Veja, em julho de 2021, já de olho no leilão bem-sucedido do 5G ocorrido meses depois, o então presidente da Nokia do Brasil, Ailton Santos, revelou dados de um estudo contratado junto a Omdia, no qual foi apontado o impacto direto de 1,2 trilhão de dólares no PIB nacional, o qual é majorado para 3,08 trilhões se forem consideradas as estimativas de aumento da produtividade das empresas.
Outro estudo interessantíssimo, desenvolvido pela Economist Intellignte Unit (EIU), patrocinado pela Ericsson, estabelece uma correlação direta entre o nível de conectividade nas escolas e a capacidade de um país fazer crescer o seu PIB. Em resumo, uma melhoria de 10% no acesso leva a pelo menos o aumento de 1% do produto interno bruto.
Não restam dúvidas, portanto, da necessidade do avanço da economia digital, apenas possível com conexão. Mas em alguns momentos é preferível que estejamos desconectados, não é mesmo? Segundo estudo feito pela ABRAMET – Associação Brasileira de Medicina do Tráfego, 57% dos acidentes de trânsito, com condutores na faixa etária de 20 a 39 anos, são causados pelo uso indevido do celular. Tais números convergem com apontamento da Organização Mundial de Saúde sobre o aumento de 400% do risco de acidentes quando o motorista está utilizando seu smartphone.
Pensando nisto, em 2017, a Nissan envidou esforços para adaptar em seus veículos uma tecnologia cuja base teórica foi desenvolvida no século XIX. Trata-se da gaiola de Faraday, que recebe o nome de seu inventor. O aparato impede que haja campos elétricos ou eletrônicos no interior de uma estrutura construída com materiais condutores. Em suma, um celular colocado dentro de um recipiente como este fica totalmente sem conexão. Até onde eu sei, as tentativas da Nissan não foram um sucesso, não repercutiram para outras fabricantes ou tiveram influências sobre as leis de trânsito, o que pode vir a ser uma boa ideia.
As experiências geradas pela interação dos indivíduos sem a interferência da internet, como aqueles momentos no meio do Rio Negro, tão comuns pela quase totalidade da vida humana na terra e tão raras nos dias atuais, tem potencial de criar um movimento contra as defendidas tendências de ampliação da conexão, cada vez mais intensa e contínua. Por mais que possa haver defensores, a economia não permitirá uma involução da cobertura, muito menos os usuários aceitarão qualquer iniciativa neste sentido. Portanto, tais movimentos serão localizados, pontuais e com objetivos específicos.
É possível que o uso de gaiolas de Faraday seja obrigatório para carros, presídios, concursos e provas de vestibular, apenas para citar alguns exemplos. Mas, talvez, a utilização de tal estratégia vire um negócio nas grandes cidades. Empreendedores do futuro poderão criar ambientes inteiros encapsulados em aparatos que obrigam a desconexão. Venderiam uma experiência totalmente revolucionária, na qual as pessoas passariam horas simplesmente se relacionando umas com as outras sem qualquer interferência da tecnologia. Você estaria disposto a pagar por isto?
*Jeovani Salomão é fundador e presidente do Conselho de Administração da Memora Processos SA, Membro do conselho na Oraex Cloud Consulting, ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional e escritor do Livro “O Futuro é analógico”.