Só sei que nada sei

Por Jeovani Salomão*  Minha filha mais nova, Camila, está empolgada, e envolvendo a família toda, com um jogo chamado “Perguntados”. O aplicativo já é bastante antigo, para os padrões de ciclo de vida da Internet, tendo sido lançado em 2013. Consiste, em sua essência, em oferecer perguntas de múltipla escolha sobre diversos temas, associando o desempenho do jogador com algum tipo de competição ou avanço de fases.

Os assuntos são dos mais variados, abrangendo desde importantes acontecimentos históricos até séries famosas, passando por ciências, artes, esportes, geografia, cinema, medicina, música e conhecimentos gerais. A diversão é garantida. Boas gargalhadas acontecem quando se erra em um assunto óbvio, por exemplo ao se cair em uma pegadinha, ou no momento em que se acerta uma questão por mero chute.

É uma ótima dica para o convívio de gerações, na medida que cada membro da família pode contribuir com uma especialidade, seja ela qual for. Em minha casa, por exemplo, esperam de mim conhecimentos mais acadêmicos, em especial das ciências exatas, e dos filmes/livros que eu gosto, como Harry Potter, por outro lado oferecem respostas corretas em temas nos quais tenho menor familiaridade, como artes plásticas. Sou surpreendido com acertos de história, ciências e geografia, os quais me alegram por saber que, em alguma medida, os estudos deles estão sendo efetivos.

Como meus filhos, 5 no total, possuem diferenças de idade que variam entre 2 e 3 anos entre si, já houve outras fases em que algum deles se interessou pelo mesmo jogo. Ou seja, já vivi o mesmo momento, mais de uma vez, anos atrás. A diferença é que a cada vez o número de temas aumenta, refletindo a explosão de dados que estamos produzindo no mundo.

Em 2020, a plataforma Domo fez um levantamento para responder a seguinte pergunta: “Qual a quantidade de dados gerada a cada minuto?”. A resposta é avassaladora:

  • O zoom hospeda 208.333 usuários em reuniões on-line;
  • 404.444 horas de vídeo são vistas na Netflix;
  • 347.222 stories são postados no Instagram;
  • No Youtube, usuários fazem upload de 500 horas de vídeo;
  • O Twitter ganha 319 novos usuários;
  • Compradores on-line gastam 1 milhão de dólares;
  • Microsoft Teams conecta 52.083 usuários;
  • Usuários do Facebook compartilham 150 mil mensagens;
  • Quase 70 mil pessoas oferecem seus currículos para vagas abertas no Linkedin;
  • O Tiktok é instalado 2.704 vezes;
  • Considerando diversas plataformas, são feitas quase 1,4 milhão de vídeo/áudio chamadas;
  • Aproximadamente 140 mil clicks em propagandas ocorrem no Instagram;
  • A Amazon despacha 6.659 pacotes;
  • Usuários do WhatsApp compartilham 41.666.667 mensagens.

Tenho escutado afirmações sobre a diminuição do tempo necessário para que se dobre a quantidade de informações no mundo. A primeira da qual me lembro e que se fixou em minha memória, embora eu não tenha condição de garantir que seja uma verdade, era uma previsão de que no século XXI iríamos dobrar o total de informação a cada 4 anos. Há quem defenda que a cada 2 anos isto já ocorre e há até estimativas de que levaríamos menos que 1 dia na década de 50 para cumprir o mesmo intento.

Não é tão simples medir o fenômeno, inclusive porque a definição de informação deve ser debatida com mais profundidade. Se considerarmos que o episódio novo de uma série é informação, um post nas redes sociais é informação, a troca de mensagens é informação, então talvez as previsões acima estejam corretas. No entanto, por outro prisma, os pensadores podem estar agora sentados nas academias debatendo este quadro e produzindo o que, eventualmente para eles, é a verdadeira informação.

Sob o ponto de vista corporativo, a solução de como lidar com esta enxurrada passa por técnicas de ciência de dados. Colher, identificar, classificar, correlacionar, extrair tendências, reconhecer padrões e traduzir em uma linguagem compreensível para os tomadores de decisão são os desafios dos profissionais relacionados com a disciplina de big data. Em alguma medida, com maior ou menor sucesso, muito se tem investido na área e os avanços institucionais já estão sendo percebidos. Uma grande quantidade de novos negócios, estratégias inovadoras, relações comerciais e sociais irão derivar deste universo de dados abundantes.

Já quando se analisa a questão sob a ótica do indivíduo, que não tem um conjunto de profissionais, plataformas e técnicas para digerir enormes bases de conhecimento, a situação ganha um relevo dramático. Observo a perplexidade de várias pessoas que eu conheço, incluindo meus filhos, quando se deparam com uma montanha de informações sobre uma enormidade de assuntos diversos. É muito difícil para eles detectar o que realmente importa, se as narrativas são falsas ou verdadeiras, se os objetivos são os declarados ou se há um conteúdo comercial ou político escondido. É como se estivem em uma tempestade de areia que impede a visão mesmo a um palmo do nariz.

Paradoxalmente, a geração que não nasceu digital parece possuir um senso crítico mais aprimorado para navegar neste mundo hiper populado de dados. Eventualmente, conforme é mencionado por alguns estudos, a leitura de conteúdos mais densos e mais longos (sim estou falando daquela coisa chamada livro!) ajuda a preparar melhor o intelecto para enfrentar os dilemas de excesso de ruído. Infelizmente, nos dias atuais, as dinâmicas são muito aceleradas. Vídeos rápidos (de preferência com mais mensagens visuais do que palavras), textos curtos e conceitos superficiais predominam.

Talvez, em breve, tenhamos plataformas para prover uma análise de dados para os indivíduos tal qual é feito para as organizações. Seria um modelo de negócios novo onde, por um preço acessível, seria permitido ao usuário minerar, comparar, relacionar e extrair informações relevantes para ele, conforme os próprios interesses. Até lá, o melhor que pode ser feito é um esforço consciente de leitura e estudo, inclusive para descobrir a essência do significado do título do artigo, sua origem histórica e suas implicações filosóficas.

*Jeovani Salomão é fundador e presidente do Conselho de Administração da Memora Processos SA, Membro do conselho na Oraex Cloud Consulting, ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional e escritor do Livro “O Futuro é analógico”.