Conectar unidades de saúde não tem amparo legal no contrato da Anatel com empresas

Mesmo que o presidente Lula assine um decreto alterando as diretrizes sobre o uso dos R$ 3,1 bilhões em recursos do leilão do 5G, o Gape – Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas, não será obrigado juridicamente a inserir a meta de conectar postos de saúde no programa “Aprender Conectado”, destinado apenas às escolas. Foi assinado um acordo entre a Anatel e as operadoras móveis que disputaram o leilão – endossado pelo Tribunal de Contas da União – no qual as empresas que ganharam as licenças do 5G na faixa de 26Ghz tinham como obrigação investir os recursos na conexão de escolas públicas. Não estava descrito neste acordo a conectividade dos postos de saúde como agora quer o governo.

Talvez isso explique a demora na publicação do decreto presidencial. Em agosto deste ano durante uma reunião do Gape, o representante da Casa Civil chegou a prever que ele seria publicado em setembro. Só que até hoje, tudo o que foi descrito como mudanças nos rumos dos investimentos do 5G não se tornaram realidade. (Leia reportagem que trata das novas diretrizes no seguinte link: https://capitaldigital.com.br/governo-reduz-controle-da-anatel-nos-r-31-bilhoes-do-5g-para-conexao-de-escolas/ )

Ao lançar a nova “Estratégia Nacional de Educação Conectada (Enec)”, o governo decidiu centralizar num Comitê Executivo todas as ações voltadas para a conexão de escolas públicas, descritas em vários projetos em diversos órgãos governamentais. Para se ter uma ideia, o TCU chegou a contabilizar pelo menos 12 programas que visam conectar escolas, postos de saúde, bibliotecas e áreas remotas onde as empresas de telefonia não levam a Internet porque não dá lucro.

Ocorre que no caso específico do programa “Aprender Conectado” gerido pela Anatel após o leilão do 5G, num grupo do qual faz parte o MEC e o Ministério das Comunicações, além das operadoras móveis, não há como a Casa Civil interferir no processo para obrigar a agência reguladora a conferir ao MEC a atribuição de gestão desse programa.

O “Aprender Conectado” foi criado e teve metas fixadas no edital leilão das frequência da Anatel por ordem do TCU. As empresas que participaram dele assinaram compromisso de investimentos descritos no Acórdão do tribunal. Portanto a Casa Civil não pode agora querer que o MEC assuma sozinho a gestão dele.

Ficou claro que a Casa Civil debateu essa mudança de rumo com o MEC e o Ministério das Comunicações sem chamar os técnicos da Anatel no Gape, para discutir o assunto. A eles essa mudança foi anunciada em agosto sem que soubessem ou tivessem opinado sobre o novo modelo.

A reação foi imediata na reunião de agosto, quando dentre os questionamentos que fizeram, os técnicos da Anatel cobraram não apenas o decreto, mas todas as demais normas administrativas que alterassem o seu controle sobre os recursos do 5G. ( reportagem sobre essa reação você pode ler no link a seguir: https://capitaldigital.com.br/anatel-e-empresas-reagem-ao-novo-modelo-de-governanca-da-enec-que-aguarda-ser-oficializado-por-lula/ ).

Essa operação, ao que parece, está difícil de ser implementada pelo gestor do PAC (Casa Civil), que inseriu o “Aprender Conectado” como um programa de ampliação da infraestrutura de rede de telecomunicações, sem estudar previamente a viabilidade jurídica dessa decisão.

UBS

A Casa Civil apresentou dois “slides” na reunião de agosto comunicando aos técnicos da Anatel quais seriam as novas metas de conectividade que envolviam os postos de saúde, além das escolas, com os R$ 3,1 bilhões arrecadados no leilão do 5G. Pela proposta, um total de R$ 58, 4 milhões seriam investidos na com conectividade ou melhoria da rede de 23.881 postos de saúde, de um total de 57.425 unidades em operação no país.

Dados de uma pesquisa feita pela Anatel com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, mostraram que 86,67% dessas unidades de saúde estão a até 500 metros de uma escola pública. Portanto seria lógico aproveitar esses recursos e resolver também esse problema. Só que isso não foi acertado com as empresas, portanto, elas não tem a “obrigação de fazer”.

Uma cochilada do Tribunal de Contas da União quando aprovou o edital do leilão do 5G sem prever a conectividade dos postos de saúde; apenas das escolas públicas.

Como essa questão será resolvida ninguém sabe. Mesmo na hipótese de tirar o conselheiro da Anatel, o cearense Vicente Aquino, do comando do Gape; para atender a um interesse político do ministro da Educação, o também cearense Camilo Santana, parece ser uma ideia bastante remota.

Fatalmente os demais conselheiros da agência se negariam a votar uma eventual pedido de destituição solicitado pela Casa Civil, contra Aquino, supostamente estar atrapalhando os interesses políticos do MEC. A agência sempre se orgulhou de ser e agir como uma “autarquia independente”. Dificilmente se submeteria agora aos interesses políticos de um ministério ou governo.

Por observação deste blog sobre a execução do programa “Aprender Conectado”, o conselheiro Vicente Aquino tem mais atrapalhado do que gerado resultados como presidente do Gape. Ele vem deixando ocorrer diversos problemas de governança e transparência públicas no âmbito da EACE, a executora do programa.

Problemas que estão ficando para serem resolvidos pelo governo no futuro, pelo fato de Aquino estar se recusando a abrir a caixa-preta da EACE para o MEC e o Ministério das Comunicações. A EACE não é transparente, não revela suas contas claramente, nem os contratos com fornecedores que assina, Não há informações claras sobre como as empresas de telefonia estão gastando os recursos públicos do 5G.

E Aquino tem sido apontado nos bastidores como sendo leniente com isso. O problema da falta de informações e transparência já foi registrado em Atas de reuniões anteriores do Gape pelo MEC e o Ministério das Comunicações. Na Ata de agosto deste ano o MEC voltou a cobrar o acesso aos contratos assinados pela EACE, que não os entrega sob alegação de “sigilo comercial”. Aquino assiste todos os embates, mas não toma nenhuma decisão como presidente do grupo.

*Como irão dar uma solução agora para o problema é um próximo episódio que ainda não foi escrito dentro do governo.