Computês!

Por Jeovani Salomão* – Ao dirigir, fazemos uma enormidade de movimentos, alguns coordenados outros não, como pressionar pedais, apertar botões, olhar em diversas direções, girar discos, empurrar e puxar alavancas. Na maioria das vezes de forma fluída e imperceptível. Isto porque, já incorporamos as mecânicas de dirigir, pela imensa quantidade de repetições realizadas ao longo do tempo. Há que se reconhecer, no entanto, que alguns carecem ainda de mais aulas ou dezenas de anos de experiência.

Nosso esforço, ao sentarmo-nos na posição de motorista de um carro, tem como objetivo principal transportar coisas e pessoas de um lugar ao outro, salvo para aqueles cuja mentalidade doentia leva a crer que as ruas são um lugar de competição e conseguem colocar em risco a própria vida e a dos demais. Em suma, foi criada uma linguagem para os condutores fazerem com que o veículo obedeça a seus comandos. Uma interface homem-máquina.

Tal interface, está evoluindo. Antes eram sempre 3 pedais e um câmbio manual. Atualmente,  em muitos carros, apenas 2 e não há mais que se passar marcha. Computadores de bordo já permitem colocar o veículo em piloto automático, controlando a velocidade, a direção e a distância adequada de outros veículos. Em breve, num futuro não tão distante, você poderá apenas ordenar seu destino e caminho preferido por comandos de voz e apreciar a paisagem.

O importante, na verdade, é perceber a necessidade de que os indivíduos se comuniquem com seus aparelhos, bem como a rápida evolução desta interação. Os mais maduros vão se lembrar que antes era preciso se levantar para trocar o canal da televisão e ou girar um disco para efetuar uma ligação. Nos dispositivos mais modernos, tanto uma ação quanto outra está pode ser realizada apenas pela fala.

Nos primórdios dos computadores, não havia telas, teclados, mouses ou qualquer outra facilidade com a qual estamos acostumados. A comunicação era física, trocando cabos e chaves. Em seguida, provavelmente em 1950, surgiram os cartões perfurados utilizados para programar os comportamentos desejados nas máquinas, as quais sempre foram capazes de efetuar cálculos matemáticos de forma muito mais rápida que os humanos.

A minha primeira experiência com computês, termo que não existe formalmente na língua portuguesa, mas me permiti  utilizar como uma generalização  da linguagem dos computadores, foi justamente com estes tais cartões, nas disciplinadas introdutórias do curso de Matemática da Universidade de Brasília – UnB. No presente momento da minha vida, já tendo acumulado algumas vitórias, fica mais fácil confessar que fui reprovado.

Ao repetir a disciplina, para minha alegria, a interface já havia se modificado para teclados e monitores, houve uma evolução de Fortran para Pascal (linguagens de programação) e, principalmente, um dos meus melhores amigos era o monitor do curso. Consegui ser aprovado e iniciei o caminho para meu primeiro emprego na área, justo com o dito cujo que se tornou sócio de uma empresa.

Os ecrãs daquela época limitavam-se a apresentar números e letras, não havia janelas, imagens ou qualquer outra das maravilhas que temos atualmente. O ato de programar era resumido à lógica, cálculos, armazenamento e transformação de dados. Não se pensava em figuras, designers elaborados, cores, contrastes e muito menos em comandos pelo toque ou pela voz.

Se o confinamento derivado da pandemia ocorresse naquele momento do tempo, a produtividade alcançada por muitos que estão em home-office seria impossível. Não se trata apenas da limitação da interação homem-computador, mas das relações humano-humano que se utilizam dos dispositivos tecnológicos atuais como meio.

Para quem conseguiu se adaptar bem é normal participar de uma reunião, consultar algum termo, tema ou informações sobre o interlocutor e responder uma mensagem urgente pelos aplicativos de mensageria de forma simultânea. Quanto maior a capacidade de multiprocessar da pessoa, maior sua condição de render melhor no cenário atual. Evidentemente, em alguns momentos, o “fio da meada” é perdido, mas o saldo é positivo ainda assim.

Sem que se perceba, no entanto, estamos caindo em uma armadilha que pode trazer sérios riscos físicos e psicológicos no longo prazo. Estamos trabalhando, estudando, produzindo e nos divertindo exatamente da mesma forma, nos utilizando das mesmas interfaces. Pior, na mesma posição: sentados, com fone de ouvido, olhando para a tela. O corpo e a mente humana não são forjados para tanto.

Estamos em um momento propício para uma nova revolução das interações com a tecnologia. Dela vão surgir novas dimensões para o  computês. A imersão em realidade virtual será acelerada, os diálogos verbais homem-máquina cada vez mais presentes, inclusive para os programadores. Leituras de expressão facial, tons e outras sutilezas por software já estão sendo desenvolvidas e irão se aperfeiçoar rapidamente.  Estamos caminhando inevitavelmente para o mundo de ficção científica que assistimos nos filmes. Espero apenas que as viagens espaciais se tornem tão normais quanto andar de carro enquanto eu estiver vivo.

*Jeovani Salomão é fundador e presidente do Conselho de Administração da Memora Processos SA e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.