Celular Seguro: projeto contou com empresa cujo dono já chamou Lula de “criminoso”

O provável substituto de Flavio Dino no Ministério da Justiça, secretário-executivo e jornalista, Ricardo Cappelli, foi para as redes sociais afirmar que não passam de “mentiras ou fake news” as informações de que o aplicativo “Celular Seguro” traz embutido nos seus Termos de Uso, uma autorização do usuário para acesso total aos seus dados e a sua rastreabilidade na Internet, em troca de uma suposta comodidade na solicitação do bloqueio do aparelho roubado.

Ao invés de esclarecer uma série de dúvidas reais levantadas por esse blog, sobre as funcionalidades do app descritas na sua ficha técnica e nas permissões de uso; em que o dono consente o acesso às suas informações e permite até o seu rastreio na rede, o jornalista Cappelli preferiu desqualificar o fato, alegando que o “Celular Seguro” é mais um benefício que o Governo Lula proporciona ao cidadão brasileiro.

Não está em discussão se o projeto é um beneficio concedido pelo Governo Lula ou não. Mas mesmo essa alegação levanta certa controvérsia, já que aparentemente a intenção de acessar os dados dos celulares pode ter sido colocada em prática há alguns meses, dentro deste governo, mas a ideia já estava preconcebida desde 2020 no Ministério da Justiça. Vamos aos fatos.

Empresa de bolsonarista

Para criar o aplicativo “Celular Seguro” – que visa o bloqueio do aparelho roubado, coisa que a Anatel já faz há anos – a equipe de TI do Ministério da Justiça contou com o apoio do “Grupo Meta S/A” no desenvolvimento do app. Não se trata da plataforma “Meta” do empresário Mark Zuckerberg; mas apenas uma empresa homônima brasileira fundada em 1990 e ativa na Receita Federal desde 2005 que tem sede em Barueri (SP). A empresa alega em sua página ser a desenvolvedora do aplicativo, em parceria com o Ministério da Justiça. Não foi apenas uma iniciativa técnica da TI do ministério conforme descreveu o secretário-executivo.

Entre os sócios da “Meta brasileira” se destaca o empresário Telmo Neto Costa Junior, que em seu Twitter já publicou no dia 5 de janeiro de 2022 um comentário em que chamou o presidente Lula de “criminoso”. O UOl queria levantar na rede a opinião dos leitores sobre uma eventual disputa entre Lula e Bolsonaro no segundo turno das eleições em 2022, fato que acabou ocorrendo.

Telmo voltou a se manifestar em dezembro do ano passado, após os resultados da eleição presidencial, se mostrando inconformado com a derrota do seu provável candidato Jair Bolsonaro. Suas declarações foram postadas com base numa postagem do ex-procurador da Lava Jato, até então deputado federal, Deltan Dallagnol.

Mesmo sabendo que tinha um contrato em execução com o Ministério da Justiça, que no mês seguinte viria a ser comandado por algum aliado do presidente Lula, o empresário do Grupo Meta não deixou de criticar o resultado das urnas. Fato que não é comum para empresários que dependem de verbas de governos, seja qual for o viés ideológico dele. “Dinheiro não tem ideologia”, já diz a máxima popular.

Temor

O Contrato de prestação de serviços sob demanda com o Grupo Meta foi assinado em 2020 pelo Ministério da Justiça por R$ 19 milhões. Sua vigência vai até 2025. O ministério buscou os serviços desta empresa por meio de um pregão eletrônico (nº19/2020). O Grupo Meta foi o terceiro colocado no certame, mas acabou sendo beneficiado após a desclassificação de duas concorrentes que chegaram a apresentar preços melhores na disputa comercial.

A intenção do Ministério da Justiça em 2020 era ter uma alternativa, uma contingência na gestão dos seus sistemas e bancos de dados, caso na época fosse concretizada a venda do Serpro, estatal que prestava o mesmo serviço, mas estava na lista das privatizações do Governo Bolsonaro. A discussão dessa alternativa, até a concretização do contrato com o Grupo Meta, atravessou duas gestões no Ministério da Justiça: ela ocorreu com os ministros Sergio Moro e André Mendonça.

A situação na época era temerária para a pasta, porque sem o Serpro os seus sistemas e bancos de dados passariam a não contar com a manutenção estatal. Entre esses sistemas, o destaque ia para o SINESP, cuja sigla não deixa claro o tamanho da importância dele para o Ministério da Justiça: “Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas”.

O Serpro prestava apoio técnico/operacional a esse sistema, além de serviço de armazenamento dos dados em nuvem. A preocupação com a perda do contrato chegou a ser objeto de uma reunião entre o então ministro da Justiça Sérgio Moro e o presidente do Serpro, Caio Paes de Andrade. Moro visitou as dependências da estatal e esse problema foi tratado no encontro. Teve até o registro jornalístico da visita do ministro feito pela empresa pública.

App Celular Seguro

O aplicativo “Celular Seguro”, não é a última invenção ou inovação tecnológica brasileira, que mereça algum crédito maior do que outros aplicativos em operação no mercado. Seu maior mérito foi centralizar e dotar o usuário de telefone celular de um ambiente onde ele mesmo possa registrar uma ocorrência de furto junto à Anatel e impedir que seus dados passem a ser utilizados por criminosos.

Mesmo assim, a Anatel e as operadoras móveis já faziam isso, bastando que o usuário apresentasse o Boletim de Ocorrência registrado numa delegacia de polícia. A diferença agora está no fato do próprio usuário poder pedir esse bloqueio de forma mais rápida através do app ou de página web, sendo ele prontamente identificado no portal Gov.br. O app apenas criou uma interface mais amigável para o usuário denunciar o roubo.

Portanto, do ponto de vista técnico não é sequer explicável todo o aparato midiático montado na última terça-feira pelo Ministério da Justiça, para anunciar uma simples mudança de interface de sistema, coisa que não se vê no dia a dia do governo, quando ocorrem o lançamento de diversas aplicações que também prestam serviços ao cidadão. Uma festa que não contou com a presença de todos os secretários do Ministério da Justiça, mas teve ampla adesão das empresas que operam comércio eletrônico no Brasil.

Até o momento também não foi explicada a razão da secretária de Direitos Digitais, Estela Dantas, ser a única autoridade da pasta que não prestigiou o evento, nem tampouco mandou algum representante em seu lugar. Estela já foi presidente da Comissão de PROTEÇÃO DE DADOS E PRIVACIDADE da OAB-RJ.

Aliás, o secretário-executivo, Ricardo Cappelli, alega em seu vídeo que o aplicativo “Celular Seguro” segue todas as recomendações expressas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Quem bom, mas ele poderia explicar, também, por que a ANPD – Autoridade Nacional de Proteção de Dados – a gestora da Lei, até hoje não teve uma única audiência oficial com os integrantes do Ministério da Justiça. Não explica por que a ANPD vive à mingua orçamentária, com falta de pessoal e sem nenhum prestígio dentro daquela pasta. Diante do tamanho da responsabilidade perante a lei, a ANPD sequer tem dentes para mostrar, quando for rosnar contra um mercado que abusa no uso de dados do cidadão brasileiro.

*Este blog não tinha entrado nesse mérito, mas já que foi classificado entre os propagadores de “fake news”, se considera no direito de responder ao jornalista Ricardo Cappelli, que o evento ocorrido na última terça-feira no Ministério da Justiça, teve apenas a cara de campanha política para consagrá-lo como substituto do ministro Flavio Dino; que em janeiro do próximo ano ocupará um assento no Supremo Tribunal Federal.