Hoje é daqueles dias que todo mundo vem para a rede enaltecer as maravilhas e conquistas do mundo moderno que, neste caso, seria um app de celular oferecido de graça ao cidadão pelo governo, que promete ajudá-lo a se proteger bloqueando o aparelho, em caso de perda ou assalto.
Acho muito bacana isso mas, por teimosia, creio eu, levanto algumas considerações sobre o aplicativo “Celular Seguro BR”, cujo desenvolvedor é um mistério que vai além de sabermos apenas que seria uma iniciativa da Anatel, Teles, Febraban e do Ministério da Justiça.
O lançamento oficial do aplicativo ocorreu no dia 19 de dezembro com festa no Ministério da Justiça com diversas autoridades, entre elas, o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, da Conexis, que representa as empresas de telefonia e da federação de Bancos Brasileiros (Febraban). Curiosamente este blog reparou que a Secretária de Direitos Digitais, Estela Aranha, não estava presente.
Por que?
Será que por ter sido Presidente da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB-RJ, Estela tenha evitado colocar o seu nome num projeto que tem uma série de dúvidas pairando sobre eventual quebra de privacidade dos usuários de aparelhos celulares? A conferir.
Após essas indagações prévias, este blog também lista uma série de perguntas com base em dúvidas que tivemos na leitura dos Termos de Uso e das informações sobre o app:
1 – O que o governo espera coletar de informações dentro do celular de uma pessoa?
2 – O que o governo pretende “alterar ou excluir” no conteúdo armazenado no celular de uma pessoa?
3 – O governo poderia ser mais específico e explicar o que pretende baixar do celular de uma pessoa, “sem notificação” prévia de que esteja fazendo isso?
4 – O que significa “ter acesso total à rede” e pra quê precisa identificar as conexões de rede de um determinado celular?
5 – O que pretende obter de uma determinada pessoa ao informar que poderá “receber dados da Internet”?
6 – Poderia também explicar qual o benefício de informar para uma pessoas que “é possível desativar” o aceso essas permissões, se depois explica que o app pode instalar “outros recursos automaticamente”?
7 – Que “recursos”.
No Termos de uso do app também consta na alínea II a seguinte informação:
“O Ministério da Justiça e Segurança Pública não poderá ser responsabilizado pelos seguintes fatos:
(i) Equipamento infectado (vírus, malwares e afins) ou invadido por atacantes (hackers) via Códigos maliciosos;
(ii) Equipamento avariado no momento do uso de serviços;
(iii) Monitoração clandestina do computador e do Dispositivo Móvel Cadastrado do Usuário”
Ora, o Ministério da Justiça não estaria fugindo de algumas responsabilidade ao se tornar um “sócio” do meu aparelho celular?
Vejam, se nos Termos de Uso, o ministério diz que terá acesso a todos os dados armazenados no aparelho, não seria razoável supor que ele está se eximindo de uma obrigação que ele impõe somente ao usuário? Pois se tiver conhecimento prévio de que tal aparelho tem versão desatualizada de sistema operacional, de antivírus; e possivelmente poderia até identificar códigos maliciosos embutidos nele, não seria obrigação dele, em nome da integridade do cidadão, alertá-lo previamente para esses fatos?
De quê adianta conceder ao governo o acesso total à minha privacidade, ao meu aparelho celular, se ele ao tomar conhecimento dos riscos que eu esteja provavelmente correndo, não me informar e ajudar a tomar medidas que resolvam brechas de segurança? Quer dizer que a única coisa que o governo fará no caso de um eventual problema será se isentar da responsabilidade? Mesmo tendo conhecimento prévio de tal vulnerabilidade?
A proposta de se ter um “bloqueio” quase que imediato do aparelho celular é algo tentador e certamente irá convencer à maioria dos detentores de linhas telefônicas móveis no Brasil. Mas este blog tem sérias dúvidas, sobre o preço a ser pago pelo cidadão nesse benefício, que não aparece na hora da festa de lançamento.
Aliás fica aqui uma última questão. Qual seria a reação popular, se tal aplicativo tivesse sido criado por um governo de viés político de extrema direita? E não o que atualmente vem se autoproclamando ser defensor da Democracia?